Em tempo recorde, polícia prende suspeito de matar cinegrafista no Rio
Após acordo com advogado, auxiliar de limpeza de 23 anos se entrega para a polícia na cidade de Feira de Santana, na Bahia
Em um prazo quase recorde de cinco dias a polícia do Rio de Janeiro prendeu na madrugada desta quarta-feira, na Bahia, o auxiliar de limpeza Caio Silva de Souza, de 23 anos. Ele é suspeito de homicídio doloso (intencional) por ter acendido, no último dia 6, o rojão que ocasionou a morte do cinegrafista da TV Bandeirantes Santiago Andrade, de 49 anos, durante um protesto contra o aumento da tarifa de ônibus no Rio.
As rápidas prisões dos dois black bloc suspeitos de participação no homicídio, Souza e Fábio Raposo, detido no domingo, são exceções no cenário policial brasileiro. Dados do Ministério da Justiça e dos conselhos Nacional do Ministério Público (CNMP) e da Justiça (CNJ) mostram que menos de 8% dos casos de homicídios são solucionados e resultam na denúncia dos responsáveis. A análise foi feita no ano passado e incluía crimes até o fim de 2007, ou seja, estavam sem uma conclusão havia vários anos.
“O índice de resolução dos casos policiais no Brasil é muito baixo. Todos os homicídios deveriam ter essa mesma rapidez nas resoluções”, afirmou o advogado Marcos Fuchs, diretor-executivo do Instituto Pro Bono e diretor-adjunto da ONG Conectas Direitos Humanos.
Para especialistas, um dos fatores que influenciaram na elucidação do caso foi a pressão da imprensa e porque a vítima era um repórter cinematográfico. A cobertura do gravíssimo assassinato, aliás, foi massiva nos últimos dias. Hoje, com a prisão de Souza, emissoras de TV brasileiras fizeram links ao vivo no aeroporto do Galeão para tentar flagrar a chegada do rapaz.
“Nos últimos tempos os crimes estão tendo uma cobertura exagerada. A superexposição traz malefícios à investigação policial e à defesa dos envolvidos”, afirmou o advogado Augusto de Arruda Botelho, que preside o Instituto em Defesa do Direito de Defesa (IDDD) de São Paulo.
Não é apenas a celeridade dessa investigação policial que chama a atenção. O Judiciário, por exemplo, não titubeou em declarar a prisão cautelar de Souza. Funcionário de um hospital, recebendo um salário mínimo, o rapaz vivia em Nilópolis (RJ) em uma casa miserável, conforme revelado pelo delegado da Polícia Civil responsável pela apuração, Maurício Luciano de Almeida. O investigado não tinha nenhum antecedente criminal. A família dele caracterizou o caso como um acidente.
O índice de resolução dos casos policiais no Brasil é muito baixo. Todos os homicídios deveriam ter essa mesma rapidez nas resoluções Marcos Fuchs, advogado
Apenas para efeito de comparação, o empresário Thor Batista, filho do milionário Eike Batista, matou um ciclista, em 2012, durante um acidente automotivo também no Rio. Ele não ficou nem um dia preso. A Justiça o condenou por homicídio culposo (quando não há intenção de matar) e reverteu seus dois anos de prisão em prestação de serviços comunitários e ao pagamento de multa de 1 milhão de reais. “Quisera eu que todos pobres tivessem defensores do mesmo nível de Thor Batista”, ponderou Fuchs.
Já Botelho diz que a ideia de que apenas pobres vão para a cadeia é um “folclore brasileiro”. “A Justiça não olha a classe social do réu. O problema é a qualidade do defensor do preso. Infelizmente, as defensorias públicas não são tão abrangentes e estão todas com uma quantidade enorme de trabalho”, afirmou o advogado do IDDD.
Outro ponto fora da curva, nessa primeira morte ocasionada por ataques durante a onda de protestos, é a autoria do agressor. Um levantamento da Associação Brasileira de Jornalistas Investigativos (ABRAJI) mostra que desde junho do ano passado a maioria dos casos envolvendo jornalistas, 92 de 118, o autor da agressão foi policial, guarda civil ou segurança. Algumas das vítimas apanharam com cassetetes, outras levaram tiros de balas de borracha e houve os que acabaram ilegalmente detidos por portarem vinagre.
Em entrevista ao Portal Comunique-se, o presidente do Sindicato dos Jornalistas Profissionais de São Paulo, Guto Camargo, disse que desde a ditadura não acontecem tantos atos contra jornalistas. “A agressão pelo Estado não pode ser tolerada porque é obrigação dele proteger o trabalho do jornalista.”
Protesto por dinheiro
Em entrevista a emissora de TV Globo News, o advogado Jonas Tadeu, que defende os dois suspeitos da morte do cinegrafista Andrade, sugeriu que eles atuaram no protesto que resultou no crime em troca de dinheiro. Na entrevista, ele afirmou que é comum jovens fazerem baderna durante as manifestações em troca de dinheiro. Questionado se essa seria sua linha de defesa, Tadeu afirmou que, em princípio, não.
A Justiça não olha a classe social do réu. O problema é a qualidade do defensor do preso Augusto Botelho, advogado
Foi esse advogado quem ajudou a polícia a prender na madrugada desta quarta-feira o auxiliar de limpeza. Ele negociou com o jovem para se entregar. A prisão aconteceu na cidade de Feira de Santana, a cerca de cem quilômetros de Salvador, a capital da Bahia. Souza estava a caminho de Ipu, no Ceará, onde pretendia se esconder na casa de seus avós paternos.
Conforme o delegado, assim que soube que a polícia estava à sua procura, Souza vendeu um telefone celular para comprar passagens do Rio até o Ceará. No meio do caminho, em contato com o advogado, desistiu da ideia e se entregou aos policiais após falar com sua namorada.
O rapaz afirmou à polícia que não iria se manifestar e que só se pronunciaria para um juiz. Mas assim que chegou no aeroporto do Galeão admitiu à Globo News que foi ele quem acendeu o rojão que matou Andrade e que só fugiu porque tinha medo de ser assassinado por “pessoas envolvidas nas manifestações”.
Diante das provas que constam do processo e da declaração de testemunhas, inclusive de um dos presos, a polícia fluminense diz que a morte do cinegrafista foi esclarecida. O próximo passo agora é identificar quem são ativistas que participam das manifestações depredando o patrimônio público e atacando policiais. Vários inquéritos com esses objetivo foram abertos desde junho do ano passado. Poucos investigam a conduta dos PMs. Até agora, nenhuma das investigações foi concluída.
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