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Apartheid no shopping?

A Justiça de São Paulo permite que seis centros comerciais façam triagem dos clientes para evitar os 'rolezinhos' de jovens da periferia

Jovens abordados por policiais no shopping Itaquera.
Jovens abordados por policiais no shopping Itaquera.Bruno Poletti (Folhapress)

Seis shoppings do Estado de São Paulo conseguiram ontem o apoio da Justiça para bloquear suas portas automáticas para que policiais e seguranças privados identificassem a quem quisesse entrar. O alvo da discriminação: menores desacompanhados, de baixa renda. Esse é o perfil de quem está colocando em xeque vários centros comerciais do Estado com os chamados rolezinhos, encontros multitudinários de jovens, convocados pelas redes sociais que, mesmo sem intenção de delinquir, incomodam clientes e lojistas.

Não é a primeira vez que os shoppings reforçam a segurança e identificam quem não se encaixa no perfil do consumidor padrão, mas a liminar (decisão provisória) do juiz proibia e previa uma multa de 10.000 reais a quem participasse desse tipo de manifestação convocada ontem em quatro centros comerciais do Estado. No shopping JK Iguatemi, situado na cobiçada avenida Presidente Juscelino Kubitschek, os seguranças chegaram a barrar a entrada de funcionários, jovens que não tinham cara de compradores de um dos shoppings mais caros da cidade.

A convocatória do rolê, com 2.500 pessoas confirmadas no Facebook, se diluiu mesmo antes de começar –a foto da liminar colada na entrada do shopping se espalhou pelas redes sociais antes do evento-, mas houve confronto entre jovens e policiais no centro comercial Metrô Itaquera, onde foi registrado em 7 de dezembro o primeiro episódio do fenômeno, com cerca de 6.000 participantes. A polícia, que estimou que ontem se reuniram cerca de 1.000 adolescentes, agiu com violência para dispersar a multidão. Clientes do estabelecimento registraram dois boletins de ocorrência por roubo e tumulto. Três adolescentes foram presos, mas dois deles já foram liberados, segundo a polícia.

As convocações desses jovens, público visto com desconfiança pelas famílias brancas de classe média-alta que preferem passar a tarde nestes estabelecimentos blindados por seguranças ao lazer na rua, tem marcado o Natal em São Paulo. O rolê de 15 de dezembro no shopping de Guarulhos acabou com 23 presos, que foram liberados pouco depois. Não foram acusados de portar drogas nem de roubo. Houve outras convocatórias como a de 4 de janeiro no Shopping Metrô Tucuruvi, na zona norte, onde a participação de cerca de 400 jovens, segundo a PM, levou aos lojistas a fechar suas portas três horas mais cedo, mesmo sem sinal de tumulto.

O fenômeno dos rolezinhos, com características similares aos chamados flash mobs (concentrações espontâneas de pessoas convocadas pelas redes sociais em um determinado espaço para realizar uma mesma ação) tem, como tantos outros na pauta do país, dividido a sociedade brasileira. Houve quem associasse a liminar dos shoppings ao apartheid. Esses são os que defendem que esses adolescentes da periferia, na maioria negros que beiram o salário mínimo (724 reais), estão colocando o foco na desigualdade entre classes, na opressão, incomodando os mais ricos que procuram nos shoppings consumir com segurança longe da realidade dos moleques. Do outro lado desse debate, estão os que os chamam de vândalos, defensores do espaço privado, ameaçados por um movimento sem lemas e sem objetivos claros que não entendem, e que acreditam que toda essa energia e capacidade de convocação podem ser investidos em outras áreas: desde participar de protestos mais articulados, como os de junho passado, até a procurar empregos.

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