
A história por trás das 15 rodagens mais tumultuadas do cinema
A maioria é de obras-primas que gostamos de ver e rever. O que desconhecíamos é o ambiente tão intoxicado em que foram criadas

Qual era a ideia? Deslumbrar o público com o luxuoso Tecnicolor: O filme tinha as cores mais brilhantes do cinema até aquele momento. Exigiu cinco diretores.
O que deu errado? A toxicidade, literal e metafórica. Os ‘munchkins’ acabaram se revelando um bando de “cafetões, prostitutas e jogadores”, segundo as crônicas da época, que passaram as filmagens bêbados brigando entre eles. Tanto a atriz que interpretava a bruxa quanto sua dublê sofreram queimaduras e intoxicações por causa da maquiagem (os dois atores que faziam o homem de lata também foram contaminados). Judy Garland, de 17 anos, foi colocada em uma dieta de sopa e cigarros, lhe davam adrenalina para ficar mais eufórica e soníferos durante os intervalos e foi assediada sexualmente tanto pelos produtores quanto pelos ‘munchkins’.
Como a coisa acabou? Hoje esta fábula é um cânone cultural: os irmãos Coen afirmam que todos os filmes norte-americanos são remakes de O Mágico de Oz.Na imagem, Judy Garland e um macaco voador no set de O Mágico de Oz, em 1939.
Cordon
Qual era a ideia? Uma versão aquática de Mad Max de série B que custaria três milhões de dólares. No final, esse foi o valor pago apenas para os figurantes: com 175 milhões de dólares (705 milhões de reais), Waterworld foi o filme mais caro até aquela época.
O que deu errado? Os dois catamarãs em que navega o protagonista (Kevin Costner) eram tão grandes que só podiam ser transportados de avião, então o estúdio construiu uma pista de aterrissagem na ilha. Um furacão destruiu o atol, que teve de ser reconstruído e deslocado 500 metros todas as manhãs da costa até o alto mar. Os constantes atrasos técnicos e os enjoos dos atores (50 doentes por dia) aumentaram a duração das filmagens de 65 para 157 dias.
Como a coisa acabou? A imprensa passou meses afiando suas facas e dava no mesmo se o filme fosse bom ou não. Waterworld é considerado um dos maiores fracassos de Hollywood e afundou a carreira de todo o elenco: Kevin Costner, Jeanne Tripplehorn, Tina Majorino e Dennis Hopper.
Na foto, Kevin Costner em uma cena do filme.
Cordon
Qual era a ideia? Transformar Star Wars em uma fábrica inesgotável de marcas registradas, expandindo sua mitologia por meio de histórias que aconteceram antes, durante e depois da saga original.
O que deu errado? O protagonista, Alden Ehrenreich, não foi capaz de imitar a icônica atitude de Harrison Ford e um professor foi designado para monitorar cada gesto, movimento e postura. Depois de dois meses de rodagem em que os diretores (Phil Lord e Chris Miller) se dedicaram a improvisar e a se divertir, o estúdio os demitiu, substituindo-os por Ron Howard, um artesão da velha escola que passou o período de promoção do filme explicando que fez o que pôde com o roteiro que lhe deram. “Passamos de não saber o que estávamos fazendo para uma zona de conforto”, explicou a atriz Emilia Clarke.
Como a coisa acabou? A rodagem foi muito mais interessante do que o próprio filme, sobre o qual também não havia muito a dizer. Ehrenreich está tão tenso e calculado que acaba perdendo o que fez de Han Solo um mito: sua naturalidade irônica. No final, os únicos que se divertiram na filmagem foram Lord e Miller. E acabaram pagando caro, porque ninguém deveria se divertir com Solo. Nem sequer, tendo em vista a catástrofe nas bilheterias, o público.
Na imagem, o ator Alden Ehrenreich interpretando 'Han Solo'.Cordon
Qual era a ideia? John Huston estava tão farto de Hollywood que foi rodar o mais longe possível, no Congo e em Uganda, para que o deixassem em paz. Cuidado com o que você deseja.
O que deu errado? “A histeria de cada cena era um pesadelo. O motor parava, os cabos eram conectados, as vespas nos atacavam”, lembrou Katherine Hepburn em sua autobiografia. Para desestressar, Huston desaparecia durante dias e ia caçar elefantes. Humphrey Bogart encarou aquilo como uma lua de mel com Lauren Bacall com as despesas pagas. E toda a equipe sofreu dezenas de picadas, malária ou disenteria por causa da água, com duas exceções: Bogart e Huston. A razão? Eles só bebiam uísque.
Como a coisa acabou? Ninguém quis perder duas superestrelas se apaixonando durante uma aventura de barco e, algo que nunca acontecia no cinema romântico, suando. Bogart finalmente ganhou o Oscar por este papel.
Na foto, Katherine Hepburn e Humphrey Bogart em um fotograma do filme.
Cordon
Qual era a ideia? Reunir duas estrelas dos anos 40, Joan Crawford e Bette Davis, depois de vários anos esquecidas por Hollywood em um drama de horror na esteira do sucesso de Psicose, dois anos antes.
O que deu errado? Crawford e Davis se detestavam, uma rivalidade alimentada pelo estúdio que acabou beneficiando o filme. A tensão, a competitividade e a agressividade com que Baby Jane trata sua irmã ficaram como testemunho de uma inimizade recontada no ano passado pela série Feud. Crawford se recusava a aparecer descuidada (“levamos uma manhã inteira para convencê-la a não pintar as unhas”, disse Davis), apesar de interpretar uma inválida que não saía de casa há 20 anos. Para chateá-la, Davis instalou uma máquina de Coca-Cola grátis na filmagem (Crawford era casada com o presidente da Pepsi).
Como a coisa acabou? Quando Crawford ligou para sua colega para perguntar sua opinião sobre o filme, Davis respondeu: “É bom e estou sensacional”. Como nem sequer mencionou o trabalho de Crawford, esta cancelou a turnê promocional para não ter de olhar para a cara da outra. Quando Davis foi a única indicada ao Oscar, Crawford fez questão de pegar o prêmio em nome da vencedora (Anne Bancroft) para irritar sua inimiga.
Na foto, Bette Davis e Joan Crawford no filme.
Getty Images
Qual era a ideia? Que Leonardo DiCaprio ganhasse um Oscar de uma vez por todas.
O que deu errado?O diretor Alejandro González Iñárritu queria uma experiência física e isso incluía rodar apenas com luz natural, atores vestindo casacos de pele de 50 quilos e submergindo em águas geladas. Quando a neve acabou no Canadá, as filmagens foram transferidas para a Argentina. No total, nove meses em que DiCaprio teve que comer fígado de bisão cru, apesar de ser vegetariano, e Tom Hardy terminou aos socos com o diretor.
Como a coisa acabou?A campanha de promoção foi baseada na crueza das filmagens, DiCaprio ganhou o Oscar para regozijo de todo o planeta e Hardy fez uma camiseta dele pegando Iñárritu pelo pescoço. Na imagem, Leonardo DiCaprio e diretor mexicano Alejandro González Iñárritu durante as filmagens de 'O Regresso'.

Qual era a ideia? Que Brad Pitt estreasse em filmes de ação com a adaptação, produzida por ele mesmo, de um best-seller sobre uma invasão de zumbis
O que deu errado?Depois de a filmagem terminar, perceberam que o filme durava 70 minutos. Começaram com um orçamento de 110 milhões de dólares (445 milhões de reais) e 8 semanas de rodagem e terminaram com 190 milhões de dólares e 28 semanas divididas em um ano e meio. Quando chegaram a Budapeste (para filmar uma cena ambientada na Rússia), as autoridades os impediram porque importaram 85 armas sem declará-las à alfândega. Finalmente, as cenas na Rússia e outra em que se descobria que o surto de zumbis vinha da China foram eliminadas para não irritar seus respectivos governos e todo o terceiro ato foi filmado novamente. O papel de Matthew Fox foi reduzido a uma efêmera aparição de três segundos.
Como a coisa acabou? 'Guerra Mundial Z' arrasou nas bilheterias e, desde então está sendo preparada uma continuação (que Bayona esteve prestes a rodar) que efetivamente adapte o romance, porque com tantas remontagens o primeiro filme não tinha nada a ver com ele. Na foto, Brad Pitt durante as filmagens de 'Guerra Mundial Z'.

Qual era a ideia? Que ninguém jamais voltasse a se banhar na praia com total tranquilidade.
O que deu errado?O tubarão mecânico nunca funcionava e, quando isso acontecia, provocava mais risos do que terror. Spielberg rodava durante o dia todo e à noite reescrevia o roteiro para adaptá-lo ao seu novo plano: insinuar a presença do predador com a câmera, as sombras e a música de John Williams. O efeito foi arrepiante. Quase tanto quanto trabalhar com um Robert Shaw que se embriagava todos os dias (tirando do sério principalmente seu companheiro Richard Dreyfuss) e rodar em um barco que se partiu em alto mar. Enquanto isso, na Austrália, um dos tubarões reais utilizados nas filmagens destruiu uma gaiola tentando escapar e quase provoca um remake de Tubarão em ação real.Como a coisa acabou?O enorme sucesso do filme deu origem ao formato do blockbuster: estrear superproduções espetaculares para todos os públicos no verão. No começo era um por ano, em 2018 foram 14. Na imagem, Roy Scheider e Richard Dreyfuss durante as filmagens de 'Tubarão'.Getty Images

Qual era a ideia? Retratar o terror, o sangue e o absurdo da guerra. Depois de 14 meses de filmagem, o diretor Francis Ford Coppola disse: “Este não é um filme sobre o Vietnã, este filme é o Vietnã”.
O que deu errado? Um tufão, durante o qual “tudo ficou branco e as árvores se inclinaram a 45 graus”, arrasou os cenários (um mês de trabalho). Marlon Brando apareceu tão acima do peso que Coppola rodou os primeiros planos com o ator em um fundo preto e mudou o final para evitar ter de mostrar seu corpo (nos planos abertos é um dublê). Martin Sheen sofreu um ataque cardíaco e se arrastou por 400 metros até encontrar ajuda. Como não havia efeitos digitais na época, Coppola dinamitou uma floresta real coordenando o plano com os caças que sobrevoavam a área. O diretor hipotecou sua casa para cobrir as despesas e chegou a pedir dinheiro a George Lucas para poder terminar o filme.
Como a coisa acabou? Embora a crítica não tenha sido unânime, Apocalypse Now ganhou a Palma de Ouro em Cannes, arrecadou cinco vezes o seu orçamento e hoje é considerado não só uma das grandes obras do cinema como também uma das maiores experiências sensoriais e intelectuais que um ser humano pode ter. Na imagem, o ator Martin Sheen e o diretor Francis Ford Coppola durante as filmagens de 'Apocalypse Now'.

Qual era a ideia? O filme mais caro da história do cinema espanhol até o ano de 1988 (1 bilhão de pesetas, cerca de 6 milhões de euros ou 28,2 milhões de reais) recorria a um dos mais fascinantes aspectos da nossa cultura e, paradoxalmente, menos explorados pelo cinema: a história anterior ao século XX.
O que deu errado? Para revisitar o mito pré-colombiano da cidade perdida de El Dorado, Carlos Saura filmou na Costa Rica, mas acabou enfrentando sua própria façanha. O clima destruiu os cenários, a chuva e o calor tornaram a experiência extenuante, as greves de alguns dos 400 figurantes locais (que reclamavam das condições insalubres, da comida ruim e das jornadas de 12 horas diárias com roupas pesadas e encharcadas) e os atrasos prolongaram as filmagens até cinco meses. A tensão entre Saura e sua equipe (“o diretor de fotografia preparava 300 figurantes para uma grande cena épica e o diretor só rodava planos fechados, íntimos”, lembrava um ator) era diária e o orçamento foi ultrapassado. As festas, isso sim, também eram diárias segundo contavam os trabalhadores.
Como a coisa acabou? 'El Dorado' estreou em Cannes, foi um fracasso de bilheteria e perdeu as nove indicações técnicas aos prêmios Goya em que concorreu.
Na imagem, o ator Omero Antonutti com uma muito jovem Inés Sastre em uma cena do filme.

Qual era a ideia? Rodar uma imensa epopeia que transformaria seu protagonista e produtor, Kirk Douglas, em um mito de Hollywood.
O que deu errado? Depois de algumas semanas, Kirk Douglas achou que o diretor Anthony Mann não estava à altura dessa produção com cenas de até 8.000 figurantes. Então pagou seu salário e o demitiu. Precisava de um diretor que se deixasse manipular pelo estúdio e, sabe Deus por que, achou que essa pessoa era Stanley Kubrick. O “galinho do Bronx”, como Douglas definiria Kubrick, substituiu Sabine Bethmann por Jean Simmons e tentou eliminar a hoje icônica cena do “Eu sou Spartacus”. Simmons teve de ser operada com urgência no meio da filmagem, Tony Curtis foi engessado e Charles Laughton ameaçava diariamente processar Douglas. Quando contrataram 8.500 soldados espanhóis (a cada um dos quais Kubrick dava indicações concretas) para as cenas de batalha filmadas em Colmenar Viejo (Madri), Francisco Franco exigiu um pagamento em dinheiro para a organização caritativa de sua esposa.
Como a coisa acabou? Kubrick renegaria o filme, o único de sua carreira em que não teve controle total sobre a montagem. Na imagem, Kirk Douglas em uma cena no filme.

Qual era a ideia? Em 1989, o diretor Terry Gilliam, ex-Monty Python, começou a adaptar a obra de Miguel de Cervantes. Depois de 29 anos de tentativas, o projeto de sua vida quase lhe custou a própria.
O que deu errado? No fim de 1998, a produção começou com Johnny Depp, Vanessa Paradis e Rossy de Palma. Mas as inundações que transformam o deserto de Bardenas (Navarra) num lamaçal, os ensurdecedores voos de treinamento dos caças da OTAN e uma lesão do ator que interpretava Dom Quixote levaram o cineasta a exclamar: “Em duas décadas trabalhando nunca vi semelhante acúmulo de má sorte.” O seguro não cobria tais contratempos, a filmagem foi cancelada e, em 2002, o documentário Lost in La Mancha conta este infeliz projeto. Gillian continuou sonhando em retomá-lo, mas não tinha os direitos sobre o roteiro por causa de uma cláusula com o produtor. Quando os recuperou, não conseguiu investidores. E quando, em 2015, contratou John Hurt, este foi diagnosticado com um câncer de pâncreas que paralisou a produção. No ano seguinte voltou a rodar, mas as divergências com o produtor suspenderam as filmagens e Gillian sofreu um ataque cardíaco. Finalmente, em 2016, conseguiu filmar com o apoio da produtora espanhola Tornasol. Rossy de Palma aparece no filme.
Como a coisa acabou? Embora o produtor problemático tenha tentado impedir a estreia nos tribunais, O Homem que Matou Dom Quixote foi exibido em Cannes. Dias depois, todo mundo parece ter esquecido o filme. Esse foi o desenlace mais quixotesco possível para essa história. Na foto, os atores Adam Driver (à esquerda) e Jonathan Pryce em um fotograma do filme de Terry Gilliam.

Qual era a ideia?Adaptar a mitologia dos cavaleiros e princesas às sagas familiares popularizadas pelas telenovelas e fantasias de ficção científica.
O que errado? Como não chovia havia 50 anos na Tunísia, a rodagem não estava preparada para isso. Spoiler: choveu a cântaros. As tempestades de areia e as doenças da equipe atrasaram e encareceram a produção. Carrie Fisher (intérprete da princesa Leia) reclamou que George Lucas, o diretor, só tinha duas indicações (“mais rápido!” e “mais alto!”); Alec Guinness escreveu em seu diário que os diálogos eram infantis e Harrison Ford concordou com ele, a ponto de gritar ao diretor em plena cena “o fato de você poder escrever isso não significa que eu possa dizê-lo”. O estúdio, pouco impressionado com o resultado, ameaçou transformá-lo em série de televisão.
Como a coisa acabou? O filme de maior bilheteria da história mudou o rumo de Hollywood e transformou George Lucas —um jovem insolente (32 anos de idade quando o filme foi rodado) que abdicou do salário para cortar custos em troca de 100% dos lucros do merchandising (foi a primeira vez que um filme deu origem a brinquedos)— no homem mais feliz de toda Hollywood, embora pelas pré-sequências que rodou 20 anos depois não parecesse.

Qual era a ideia? Adaptar o romance de terror psicológico de Stephen King em que um pai de família perde a cabeça trabalhando em um hotel fechado durante o inverno.
O que deu errado?Kubrick, que rodou as cenas em ordem, levou um ano para concluí-lo. Bateu o recorde de maior repetição de tomadas (127, para a cena do taco de beisebol), usou 60 portas diferentes para que Jack Nicholson as atravessasse com um machado (as primeiras eram de mentira, mas o ator era tão forte que as quebrava demasiado rápido) e constrangeu emocionalmente Shelley Duvall insultando-a e fazendo-a se sentir insignificante a ponto de a atriz ter ficado doente por vários meses e ter perdido cabelo durante as filmagens. As mudanças no roteiro durante a rodagem, em algumas ocasiões várias vezes ao dia, eram tão frequentes que Nicholson parou de se preocupar em tomar conhecimento das cenas até minutos antes de filmar. A cena do bar foi ensaiada durante seis semanas e Kubrick ligava para King de madrugada para perguntar-lhe, entre outras coisas, se acreditava em Deus.
Como a coisa acabou? Vilipendiada pela crítica da época, O Iluminado é hoje um dos maiores filmes cult da história e originou muitas teorias da conspiração: trataria do controle da mente exercido pela CIA, seria sobre o Holocausto ou sobre o extermínio dos nativos americanos. Mas a teoria mais difundida é que seria um pedido de desculpas de Kubrick por ter filmado o falso pouso lunar da Apollo 11.
Na foto, o ator Jack Nicholson e Stanley Kubrick fazendo um gesto maligno, durante as filmagens de 'O Iluminado'.
Getty Images