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Alemanha em crise

O voto populista distorce as negociações para formação de Governo

Angela Merkel no BundestagMichele Tantussi (Getty Images)
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O fracasso das negociações para formar um Governo de coalizão na Alemanha ameaça criar sérios problemas não só para a chanceler, Angela Merkel, mas para várias políticas cruciais da União Europeia que precisam, para avançar, da estabilidade em uma das locomotivas do projeto da comunidade.

Podemos afirmar que, infelizmente, a Alemanha não ficou imune à distorção que está provocando o voto populista nos diferentes países onde consegue representação parlamentar. E no caso alemão essa distorção foi causada pelo surgimento meteórico no cenário político da xenófoba e antieuropeia Aliança pela Alemanha (AfD). O resultado é que um país importante, caracterizado até agora por sua estabilidade política e econômica, entra em um cenário desconhecido.

Não há dúvidas de que o resultado das eleições legislativas realizadas em 24 de setembro deixou pouca margem de manobra para uma negociação positiva para Merkel. A chamada coalizão Jamaica (por causa das cores preto, amarelo e verde da bandeira do país caribenho, que correspondem às cores dos democratas-cristãos, liberais e ecologistas alemães) significava um importante esforço por parte dos partidos envolvidos. Mas não era algo totalmente impossível. Afinal, liberais e verdes – especialmente os primeiros – já estiveram em várias coalizões de Governo tanto em nível federal como de alguns Estados.

O problema é que o sucesso conseguido pelo discurso populista da AfD – que passou de zero a 94 parlamentares e deslocou o Partido Liberal para o quarto lugar em nível nacional – deixou em pânico uma formação liberal que se mostrou incapaz de sucumbir aos cantos de sereia demagógicos em questões como o problema das centenas de milhares de refugiados que a Alemanha acolheu. Este é o verdadeiro perigo da situação. Na verdade, a repatriação familiar para os solicitantes de asilo provou ser um dos obstáculos insuperáveis nas negociações.

Infelizmente, os liberais abandonaram um elemento central de sua identidade e abraçaram um discurso soberanista e anti-imigração típico da extrema direita. Que um partido com uma grande tradição democrática questione alguns de seus pilares ideológicos para não perder votos mostra a magnitude do problema que enfrentam as democracias europeias.

A entrada da Alemanha no clube dos países com Governos fracos é uma péssima notícia para a Europa, que enfrenta situações importantes que devem ser resolvidas. A primeira é a negociação do Brexit – outro exemplo dos estragos causados pelo voto populista – onde agora a voz da Europa estará consideravelmente mais fraca. A segunda é o impulso integrador que deviam capitanear Berlim e Paris, e que agora corre o risco de ser adiado pela enésima vez. Talvez seja um exemplo do grau de integração que alcançou o continente, mas é um fato que, com uma Alemanha gripada, o projeto de integração não vai avançar ao ritmo que precisamos.

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