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Editoriais
São da responsabilidade do editor e transmitem a visão do diário sobre assuntos atuais – tanto nacionais como internacionais

Aos cidadãos de Catalunha (e II)

É preciso preparar o caminho para uma reforma do Estado que beneficie a todos

O presidente do Governo Espanhol, Mariano Rajoy, no domingo anterior à eleição na Catalunha.
O presidente do Governo Espanhol, Mariano Rajoy, no domingo anterior à eleição na Catalunha.Alberto Estévez (EFE)

A eleição de domingo, cujo caráter plebiscitário é ilegítimo, é precedida por fenômenos distorcedores, como certas advertências dramáticas – umas, racionais; outras exageradas –, mas atrasadas, e as blindagens contrárias denunciando sem fundamento um discurso do medo. Também vimos nesses dias a impostura intelectual de transformar a reivindicação provavelmente majoritária de realizar um referendo – algo que acabará acontecendo – como algo igual ao direito de autodeterminação (aplicável apenas nos casos de países coloniais ou submetidos ao genocídio), o direito de decidir (inexistente em Constituições democráticas). A manipulação se estendeu até transformar esse direito inexistente em um clamor pela independência. Este deslize aparentemente ingênuo tem como resultado efeitos perversos: a confusão dos cidadãos, a contagem abusiva em favor do separatismo, a exclusão daqueles que não compartilham esse suposto “sonho”. Se acrescentarmos a isso um calendário de separação express, estamos na presença do famoso procés, ao qual todo bom catalão deveria supostamente apoiar.

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Além desses lamentáveis avatares, temos uma eleição que não será a última estação desse problema. Seja qual for o resultado, a solução para a questão catalã só pode ser obtida através da aplicação de métodos estritamente democráticos, em especial o diálogo e a negociação.

Pode-se entender o inconveniente daqueles que observam na aposta pelo diálogo um voluntarismo ingênuo e se perguntam com razão: mas, negociar, sobre o quê? Sobre a independência? Não é, certamente, a melhor opção, em termos democráticos, porque se trata da fórmula mais extrema e menos provável de ser aceita por amplas maiorias; e porque seria algo irreversível, pois é difícil reconstruir algo para o qual foram espalhadas sementes de dissensão e desconfiança, quando não de ódio. Nem em termos econômicos, pois a sinergia das dinâmicas de coesão acrescenta muito mais ao conjunto do que a soma dos seus elementos originais.

Um cenário de ruptura é incompatível com o necessário processo de reformas em profundidade

Descartada a saída maximalista e prejudicial para os interesses de todos, a melhor opção seria abrir caminho para uma reforma do Estado, não só para que os catalães se sintam mais cômodos nele (um objetivo sensato), mas para beneficiar todos os espanhóis. A partir destas páginas temos defendido uma reforma constitucional em sentido federal, na qual sejam delimitadas as responsabilidades de cada nível de governança, sejam reconhecidos os fatos singulares e cada território seja denominado de acordo com o seu peso e preferências, mantendo sempre a igualdade básica dos direitos sociais para todos os cidadãos; uma reforma em que os sistemas de coordenação federais (Senado) sejam articulados; na qual os altos níveis do Estado demonstrem a riqueza das várias línguas incorporando progressivamente sua prática normal; e na qual se dividam elementos de capitalidade segundo o modelo alemão, mais em sintonia com nosso país que o francês.

Essa reforma é o objetivo para conseguir que o desenvolvimento da Catalunha possa se acomodar melhor. Mas os requisitos formais – consenso e calendário – dificultam realizá-la dentro de um prazo desejável. Uma das possibilidades seria desenvolver com caráter prévio um novo status – modelável em um acordo entre os partidos ou em uma emenda ad hoc à Constituição – que permitisse aos cidadãos da Catalunha ter reconhecido seu caráter nacional. Esse passo poderia servir para confirmar que as competências de autogoverno da Catalunha não serão invadidas, para cotejar que sua contribuição (justa) à caixa comum e à solidariedade interterritorial traga um retorno equitativo que não faça com que percam posições na classificação do financiamento per capita, e que sua língua seja assumida como parte do patrimônio comum.

Os benefícios de ser mais e estar juntos nos torna melhores no político, no econômico e no emocional

Tudo isso pode caber em várias propostas ou fórmulas, e seria bom que o referendo pendente (em todo o território: constitucional; ou em parte dele: estatutário) seja finalmente realizado sobre elas. Mas todas essas fórmulas são contrárias a um cenário de ruptura. Este jornal prefere convidar os cidadãos da Catalunha a impulsionar e pressionar para realizar essas reformas indicadas, em primeiro lugar, indo votar, e elegendo as várias formações que se declaram contra a ruptura. Porque os benefícios de ser mais nos torna mais fortes; e estar juntos nos torna melhores, não só em termos econômicos, políticos e estratégicos, mas também familiares, culturais e emocionais. São valores tão fortes em si mesmos, tão superiores à negação, que nem sequer é preciso destacar os problemas que causaria a ausência de vocês.

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