‘Rubber Soul’: Um deleite pop de alto nível

Álbum desbancou a música de 'A noviça rebelde' do primeiro lugar em vendas em 1965

Os Beatles nos estúdios Twickenham em 1965. R. McPhedran (Getty Images)

Em vez do pomposo e experimental Sgt. Pepper’s, o álbum universalmente considerado o ápice histórico dos Beatles seria o imediatamente anterior a este, Revolver (1966). Mas os fãs incondicionais do quarteto de Liverpool têm um carinho especial por seu predecessor, Rubber Soul.

Em seu sexto LP, a banda deixava para trás uma etapa do sólida aprendizado como intérpretes de rock and roll e baladas —fugindo também da gritaria ensurdecedora de um exército de jovenzinhas com tendências histéricas— para manifestar plenamente sua inigualável singularidade e prodigiosa capacidade de evolução musical. Primeiro de seus trabalhos gravado de uma vez, sem interrupções para turnês, primeiro também a aludir às versões alheias e a se concentrar em um repertório afinado, o álbum que mostra os quatro distorcidos na capa —obra do fotografo Robert Freeman— já era uma coleção coerente, perfeccionista em sua combinação vocal e instrumental deliciosa, sem o recheio de discos anteriores.

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Paul McCartney está exultante na pegajosa I’m looking through you e no chilique com sua namorada Jane Asher em You won’t see me, mas é John Lennon que dá um passo à frente e abre seu repertório à intimidade pessoal nas autobiográficas Nowhere man e In my life, memória sentida de sua infância desamparada e da raivosa adolescência. Rubber Soul é o álbum das baladas melancólicas: a afrancesada Michelle, a nostálgica Girl de ecos gregos (gags europeias, como define Ian McDonald em seu estudo Revolution in the mind. The Beatles’ records and the Sixties). O disco explora a dualidade entre as bênçãos e os tropeços do amor que separam o leve cinismo de It’s only love do proselitismo por trás de The word, com seu mantra universal “diga a palavra, a palavra é amor”. Do infantil “quero segurar sua mão” viajam para um conceito abstrato. Garotos simpáticos com cortes de cabelo chamativos, que acabaram de descobrir a maconha.

Ringo tem seu momento country em What goes on, e George Harrison se impõe. Consegue incluir suas composições Think for yourself e a brilhante If I needed someone, e toca cítara na memorável Norwegian Wood, destacando seu uso pela primeira vez em um contexto pop. A letra camufla uma relação complicada de John com um jornalista. Elevaram qualitativamente o pop inato que já traziam, com sua jovialidade enérgica e virtuosismo fresco, e resvalam no soul. O título vem da expressão plastic soul, como os afro-americanos chamam os brancos que emulam seu som. O primeiro corte Drive my car tem inspiração de Otis Redding.

Rubber Soul desbancou a música-tema do filme A noviça rebelde do primeiro lugar em vendas de discos no fim de 1965. O mundo estava mudando. Não há nada mais excitante do que sentir essa transformação, mesmo em uma gravação.

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