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Crise econômica aprofunda a diferença salarial na Espanha

Salários de diretores subiram 10%, enquanto os dos empregados caíram 0,6% Executivos mais bem pagos ganharam 104 vezes mais do que seus funcionários

David Fernández
LUIS TINOCO

A crise aprofundou a diferença salarial na Espanha, e o fim da recessão está aumentando ainda mais essa lacuna. O ano fiscal de 2014 foi de recuperação para a economia espanhola, com o consequente aumento dos lucros corporativos. A melhora do cenário se transportou de imediato para a folha de pagamento da elite empresarial, mas o modelo de remuneração ainda não consegue transferir os incipientes ganhos para os bolsos dos trabalhadores. Enquanto os salários de presidentes e diretores do alto escalão cresceram a uma taxa de dois dígitos no ano passado, a remuneração dos empregados continuou caindo.

Essa defasagem é explicada de uma forma muito gráfica: em 2013, o salário médio das pessoas mais bem pagas de empresas listadas no índice de ações Ibex representava 75 vezes o gasto médio por empregado dessas mesmas companhias; em 2014, a desigualdade subiu para 104 vezes.

“Embora possa parecer paradoxal, é provável que se a economia continuar se recuperando, o resultado seja um aumento da diferença salarial. Entre os executivos havia certa irritação, porque a crise havia sido longa e muitos bônus não foram pagos. Agora, se a situação melhorar, é provável que os primeiros a notar sejam os executivos do alto escalão”, reconhece Rafael Barrilero, especialista da consultoria Mercer.

O aumento da remuneração dos diretores foi a tendência generalizada no ano passado, independentemente do tamanho da companhia. Em 2014, o salário médio dos presidentes das empresas de capital aberto totalizou 375.949 euros (cerca de 1,27 milhão de reais), um aumento de 17,5% em relação ao ano anterior, segundo um estudo elaborado pelo EL PAÍS a partir dos dados registrados pelo órgão regulador CNMV. Analisando mais de perto apenas os presidentes das empresas listadas no Ibex 35, a remuneração média foi de 612.036 euros (2 milhões de reais), 24,1% a mais; quando se analisa a folha de pagamentos de administradores de empresas de média e pequena capitalização, os salários subiram 7,97% comparados a 2013, ficando em 197.202 euros, em média.

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Esse mesmo padrão se repetiu entre os executivos da alta direção. Em 2014, o salário médio de diretores de alto escalão de empresas com ações na bolsa totalizou 599.088 euros, 12,03% a mais do que em 2013. Levando em conta o tipo de empresa, os diretores dos grupos listados no Ibex tiveram um aumento de salário de 12,14%, para 949.083 euros, em média. No caso de companhias negociadas fora do Ibex, o salário médio de um alto executivo foi de 237.426 euros, o que representou uma melhora de 9,28%.

A tendência da remuneração para o resto da folha de pagamentos, no entanto, foi oposta. O gasto médio por funcionário —essa medida inclui salário, impostos da previdência e outros custos trabalhistas— do conjunto de empresas listadas foi de 43.088 euros (145.000 reais) em 2014, cerca de 0,64% a menos do que no ano anterior. Detalhando os números pelo tipo de companhia, o gasto com os trabalhadores de grupos no Ibex caiu 1,04%, para 46.552 euros por pessoa, em média. No restante de empresas com capital aberto, alta foi de apenas 1,43%, para 29.585 euros por empregado.

Resumindo essa diferença salarial: os presidentes das empresas listadas ganharam, em média, 8,72 vezes mais do que seus funcionários, enquanto a defasagem salarial entre os empregados e a alta direção aumentou 13,9 vezes.

“Não existem bases econômicas que justifiquem esse salários. Qualquer indicador que você utilize vai dizer que essa diferença não promove a sustentabilidade da empresa a longo prazo. Seria bom que fossem adotadas cláusulas pelas quais, se o conselho se beneficia da boa evolução da companhia, deveria acontecer o mesmo com o restante das categorias salariais”, diz Andrés Herrero, economista do sindicato UGT. “A distribuição de bônus para os diretores é quase automática, se o grau de cumprimento das metas é alto. No entanto, o esforço é notado nos grupos de trabalhadores de [categorias] mais baixas, onde realmente os negócios são gerados”, acrescenta Herrero.

No total de empresas com ações em bolsa, houve 100 diretores-presidentes que ganharam mais de um milhão de euros (3,4 milhões de reais) em 2014, e 50 deles superaram dois milhões de euros na remuneração total (salário mais contribuição previdenciária). Em 15 casos (Abengoa, Abertis, Acciona, ACS, Santander, BBVA, Caixabank, FCC, Ferrovial, Iberdrola, Inditex, Jazztel, Mapfre, Sacyr e Telefónica), o salário do executivo mais bem pago representou 100 vezes o gasto médio por empregado dessa companhia.

O presidente-diretor da Jazztel ganhou 1.000 vezes mais que seus trabalhadores em 2014

“É difícil estabelecer qual deveria ser o limite máximo da diferença salarial, mas se observarmos o que é feito em outros países, a remuneração superior a 40 vezes o salário médio dessa empresa já estaria no limite do escândalo”, afirma Ricard Serlavós, professor do departamento de direção de pessoas e organização da escola de negócios ESADE. Em sua opinião, ninguém gera tanto valor para merecer esses mega salários, e isso tem mais a ver com o poder de negociação salarial dos diretores do que o valor agregado de suas funções. “Se uma empresa quer reforçar o compromisso de seus empregados, esse tipo de mensagem não ajuda muito, porque o que se transmite é que a contribuição de um grupo reduzido de pessoas é infinitamente maior ao da maioria”, acrescenta Serlavós.

O administrador mais bem pago em 2014 foi Juan María Nin. O ex-diretor-presidente do Caixabank ficou no cargo apenas seis meses e recebeu ao sair da empresa uma indenização de 15,01 milhões de euros (50,6 milhões de reais), que, somados ao salário e à pensão, alcançaram um total de 16,49 milhões. Essa quantidade representa 202 vezes o gasto médio por empregado do Caixabank.

O segundo maior salário foi de José Miguel García. O diretor-presidente da Jazztel recebeu um total de 14,5 milhões de euros, graças especialmente ao exercício de opções de ações concedido pela companhia. O terceiro lugar nesse ranking salarial é ocupado pelo ex-diretor-presidente da elétrica Endesa, Andrea Brentan, que graças ao acerto de contas por sua saída da empresa conseguiu uma remuneração total de 12,5 milhões de euros. Em quarto lugar está um executivo de uma empresa que não pertence ao Ibex. Fernando Basabe, diretor-presidente da Applus, recebeu 10,93 milhões de euros, 10 vezes mais do que em 2013, devido a um programa de incentivos vinculado à abertura de capital da empresa.

Há apenas três mulheres entre os 150 executivos mais bem remunerados da Bolsa espanhola

Abaixo desses salários —um tanto distorcidos por fatores atípicos (como indenização por demissão ou bônus que dificilmente vão se repetir)—, estão os de executivos das grandes companhias espanholas com ações em bolsa. Pablo Isla, presidente do Inditex, ganhou 9,55 milhões de euros entre salário e pensão; José Ignacio Sánchez Galán (Iberdrola) recebeu 9,12 milhões de euros; Ana Botín (Banco Santander) ganhou 8,86 milhões de euros considerando sua remuneração total; o ex-número dois do banco, Javier Marín, 8,4 milhões de euros; enquanto César Alierta (Telefónica) recebeu 7,75 milhões de euros e, Ángel Cano (BBVA), 6,51 milhões.

Além dos diretores-presidentes, outro grupo com salários muito acima da média dos trabalhadores é o dos membros da alta direção das companhias. Nesse caso, a legislação não obriga que sejam publicadas de forma individualizada, mas as cifras globais sugerem que muitos deles têm lugar no clube de um milhão de euros. A alta direção melhor remunerada é a da Telefónica, que em média ganhou 4,46 milhões de euros (15 milhões de reais), embora esta cifra esteja um pouco distorcida devido à saída do ex-presidente da Telefónica Digital, Mattew Key, que recebeu 15,1 milhões de euros. Em segundo lugar está o alto escalão do Banco Santander, que ganhou em média 3,67 milhões de euros, seguido pelos executivos da IAG (1,78 milhão de euros), Ferrovial (1,71 milhão de euros), Jazztel (1,61 milhão de euros), Repsol (1,56 milhão de euros), Iberdrola (1,53 milhão de euros) e BBVA (1,46 milhão de euros).

Juan María Nin foi o administrador mais bem pago do ano passado graças à indenização por sua saída do Caixabank

Para contar com o aval de uma entidade independente, as comissões de bônus das empresas costuma contratar os serviços de uma firma de consultoria que certifique o pacote de remuneração de conselheiros e altos diretores. Essas firmas, claro, não costumam colocar obstáculos às propostas. “Devemos ficar orgulhosos das empresas que temos, muitas das quais são líderes mundiais. Nesse sentido, se compararmos o salário dos executivos dos grandes grupos espanhóis com o de seus homólogos internacionais, poderemos concluir que eles estão sendo sub-remunerados”, afirma Jaime Sol, sócio responsável por remuneração e pensões da KPMG Advogados.

“Em 2014, houve um aumento generalizado de salários dos conselheiros e altos diretores. O que ocorreu foi que, finalmente, começaram a cumprir muitos objetivos, e isso se traduziu em um aumento dos bônus”, diz Manuel Montecelos, diretor de talento e benefícios da Towers Watson na Espanha. “Hoje, todo o mundo está mais rico do que há alguns anos. Isso não elimina o fato de que a diferença salarial possa aumentar em alguns casos”. Montecelos defende que todos os trabalhadores, incluindo os diretores, tenham o direito de fazer acordos sobre suas condições de trabalho. “A partir daí, são os acionistas que devem aprovar os salários e, por enquanto, nenhum conselho recusou os bônus aos executivos. Mas é evidente que o nível de escrutínio aumenta a cada ano”, conclui.

A alta direção da Telefónica foi a melhor remunerada, com uma média de 4,46 milhões de euros

A empresa com maior desigualdade salarial na Espanha em 2014 foi a Jazztel, da área de telecomunicações. O gasto médio por empregado foi de apenas 14.560 euros, ou seja, 1.000 vezes menos que o salário de seu diretor-presidente e 110 vezes inferior à remuneração recebida pela alta direção da companhia. Outra sociedade com uma diferença salarial significativa é a Inditex. O presidente do grupo têxtil ganhou 431 vezes a mais do que os 22.134 euros que a empresa destinou como média a seus empregados, enquanto a diferença entre a base e a alta direção foi de 54 vezes. Também deve-se notar o desequilíbrio de renda no Banco Santander (onde o funcionário mais bem pago ganhou 159 vezes a mais do que o empregado médio, e a alta direção 65 vezes mais) e na Telefónica (a maior renda foi 131 vezes maior ao salário médio e os principais diretores ganharam 75 vezes mais).

Por outro lado, as empresas do Ibex com menor diferença salarial foram o Bankia e a Red Eléctrica. No caso do banco, e devido às restrições a bônus impostas naquelas entidades onde a maioria do capital está nas mãos públicas, o presidente José Ignacio Goirigolzarri ganhou apenas 7,4 vezes a mais do que o empregado médio, enquanto a proporção da alta direção foi de 5,7 vezes a mais do que o salário médio. Já José Folgado, presidente da Red Eléctrica, recebe 9,7 vezes mais do que seus funcionários, enquanto a diferença entre os diretores e o resto dos trabalhadores foi de 4,7 vezes.

No ano passado, houve 100 administradores que ganharam mais de 1 milhão de euros

A escassa presença de mulheres nos postos de comando tem seu reflexo em uma representação quase testemunhal na escala salarial. Apenas três mulheres aparecem entre os 150 membros de conselho melhor remunerados da Espanha. Trata-se da já mencionada Ana Botín (que ocupa o sétimo lugar no ranking), Eva Castillo, da Telefónica, que ganhou um total de 6,18 milhões de euros, situando-se na 13a posição, e a diretora-executiva do Bankinter, María Dolores Dancausa, que com um salário de 1,09 milhão de euros, está no posto de número 90 no ranking.

Diferentemente do que ocorrem em outros países, na Espanha o pagamento em dinheiro ainda domina os pacotes de bônus. Em 2014, isso representou 76.66% dos benefícios totais de todos os conselhos das empresas do Ibex 35. É verdade que houve uma queda no pagamento em dinheiro em relação a 2013, onde ele representava 83,9% do total, mas sua ponderação continua sendo muito superior a outras formas de compensação, como as pensões (10,1%), as ações (7,9%) ou as opções sobre ações (5,2%).

78 executivos têm 500 milhões de euros em pensões

No pacote de bônus dos executivos espanhóis cada vez tem mais peso o aporte que a empresa faz a seu plano de previdência. O total acumulado para a aposentadoria desses diretores está cada vez maior. Só no ano passado, por exemplo, as empresas aportaram a esses sistemas de pensões 34,24 milhões de euros. Com esse dinheiro, as pensões de 78 executivos somavam um total de 492,3 milhões de euros no fechamento do balanço de 2014.

Os executivos do setor bancário são os que mais acumulam direitos. A maior pensão é a de Francisco González, presidente do BBVA. Apesar de a entidade não realizar aportes para ele desde 2009, quando completou 65 anos, González têm 79,7 milhões de euros em uma apólice. As quantias mais volumosas a seguir são as de dois diretores do Banco Santander: Matías Rodríguez Inciarte (47,2 milhões de euros) e Ana Botín (40,1 milhões de euros).

Fora do setor financeiro também há planos milionários para os diretores. É o caso de Florentino Pérez, presidente da ACS, que em 31 de dezembro passado acumulava direitos sobre 36,7 milhões de euros. Também é significativa a aposentadoria que receberá César Alierta. Em troca de renunciar a sua blindagem na Telefónica, a empresa colocou em seu fundo de pensão um aporte “extraordinário e único” no valor de 35,5 milhões de euros. Outro executivo com uma pensão de peso é Thomas Enders, presidente-diretor da Airbus (que tem sede na França mas também cotiza na Bolsa espanhola), no valor de 18,5 milhões de euros.

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