Em 2014, Sabesp vendeu água do Cantareira com desconto
Empresa adicionou demanda de 120 milhões de litros mensais a um sistema já em colapso
Um terço dos contratos premium assinados no ano passado, em meio à pior crise de abastecimento da história de São Paulo, usam água do sistema Cantareira. É o que mostra o mais recente pedido de acesso à informação feito pela Agência Pública à Sabesp. Segundo os dados enviados pela empresa de saneamento paulista, esses contratos respondem por mais da metade da demanda de água (120 milhões de litros, de um total de 220 milhões) dos novos contratos para grandes consumidores assinados em 2014.
Em fevereiro daquele ano, a Sabesp reconheceu oficialmente a crise no sistema Cantareira e suspendeu a obrigatoriedade de consumo mínimo das empresas, pré-condição para os descontos que chegavam a até 75% da conta. Quanto maior a faixa de consumo, maiores os descontos.
Mesmo assim, a empresa continuou assinando tais contratos ao longo do ano, e os descontos continuam até hoje, assim como os contratos, renovados automaticamente. Os últimos foram assinados em novembro de 2014, quando a ex-presidente da Sabesp Dilma Pena já havia reconhecido a severidade da crise no abastecimento de água em depoimento à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Câmara Municipal de São Paulo.
Mais de um terço dos 43 novos contratos assinados em 2014 utiliza água do sistema Cantareira, sendo que 16 deles têm um total 120 milhões de litros por mês reservados. Desses, cinco contratos usam exclusivamente o sistema já sobrecarregado, enquanto o resto também recebe água de sistemas diversos, como o Guarapiranga e Tietê. No total, os novos contratos de demanda firme foram responsáveis, em dezembro do ano passado, pelo uso de 222,6 milhões de litros de água.
Dentre os três clientes recentes campeões em consumo de água, dois têm fornecimento assegurado em parte pelo Cantareira. Um deles, cujo contrato foi assinado em 11 de agosto, com vigência para 5 anos, consumiu 86,2 milhões de litros durante 2014, nas suas 18 ligações de água, usando, além dos sistemas já citados, também o Rio Claro. O outro, cujo contrato foi assinado em 24 de janeiro, usou 70 milhões de litros em suas 13 ligações, provenientes da Cantareira e Guarapiranga.
Não é possível saber quem são essas duas empresas, já que a Sabesp, pela terceira vez, enviou em resposta ao pedido da Lei de Acesso à Informação uma tabela incompleta que esconde os nomes dos seus maiores clientes. Também se negou a dar o endereço das ligações de água. “A Sabesp preserva a relação comercial estabelecida com seus clientes e portanto adota a política de resguardar as informações referentes ao cadastro comercial”, escreveu a companhia. As tarifas com desconto, aplicadas a cada um dos contratos, também não foram fornecidas.
Na verdade, a Sabesp desobedece mais uma vez a uma determinação da Controladoria-Geral da Administração (CGA) proferida em janeiro deste ano. O ex-Corregedor Geral da Administração Gustavo Ungaro ordenou a entrega dos contratos até dia 26 de fevereiro. “A liberação dos contratos conhecidos como demanda firme (…) permitirá à sociedade o aceso ao modus operandi da Sabesp no que diz respeito à prestação de serviços públicos de saneamento básico”, diz a decisão da CGA. Um mês depois, Ungaro foi retirado da CGA e substituído pelo promotor de Justiça Ivan Francisco Pereira Agostinho. Em março, a Sabesp chegou ao cúmulo de escanear e publicar no seu site 536 contratos de demanda firme assinados com os maiores consumidores de água do Estado. Mas censurou todas as informações de interesse público. Estão riscados nos documentos os nomes das empresas e de seus representantes, o valor total dos contratos, a vigência, a tarifa praticada e até mesmo a equação utilizada para chegar a tal tarifa. Nem a data de assinatura escapou da canetada da Sabesp. Sem essas informações não é possível fazer uma análise consistente sobre a política de demanda firme.
É impossível saber quem são os maiores favorecidos, quem são as empresas que mais consomem água no estado e quanto de desconto elas estão recebendo – ou o quanto a Sabesp está deixando de arrecadar por causa desse favorecimento aos grandes consumidores. Ou seja, como os demais consumidores estão pagando a conta. No começo de abril a companhia comunicou aos seus investidores que pretende reajustar as contas de água em 22,70% em razão da redução de receita motivada pela queda no consumo, fruto da colaboração da população diante da crise de abastecimento. A agência responsável pelo setor de água e energia no estado de São Paulo, Arsesp, já aprovou um aumento de 13,87%.
Outras empresas agem de modo diferente: respondendo a um pedido de acesso à informação, a SPTrans enviou um contrato imediatamente.
O nível atual do Cantareira está em 20,1%. Embora esteja sendo tratado com naturalidade, as chuvas de verão recuperaram apenas o segundo volume morto; o sistema ainda está 9,2% abaixo do nível de normalidade. O volume continua bem abaixo do registrado no mesmo período no ano passado, quando o sistema estava 11% acima do volume útil.
Baixe aqui a tabela com os dados sobre contratos de demanda firme assinados em 2014.
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