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Samuel Klein, o empresário que entendia a alma do povão brasileiro

Morreu nesta quinta o fundador das Casas Bahia, um império do varejo que cresceu oferecendo ‘as prestações que cabem no bolso’ para os pobres

Carla Jiménez
Samuel Klein, fundador da Casas Bahia.
Samuel Klein, fundador da Casas Bahia.Divulgação

Poucas pessoas entendiam a alma do povão brasileiro quanto Samuel Klein, que morreu nesta quinta-feira, aos 91 anos, de insuficiência respiratória. O imigrante polonês que chegou de navio ao Brasil, em 1950, aos 27 anos, ficara preso num campo de concentração durante a Segunda Guerra. Talvez por isso, sabia valorizar como poucos o pouco que os pobres tinham, muito antes que o Brasil tivesse se livrado da inflação, ou da invenção do conceito ‘classe C’. Sua experiência como ambulante em São Caetano do Sul, na Grande São Paulo, quando vendia panelas de porta em porta, lhe ensinou a arte dos olhos nos olhos com os clientes, que podiam comprar fiado na sua carroça. O nome é o único patrimônio do pobre, e ele dá muito valor a isso, raciocinava Klein.

Assim, começou a afiar o tino para o comércio. Ele fundou em 1957 a primeira Casa Bahia, que viria a se transformar num império do varejo, e um case internacional. Isso porque as Casas Bahia cresceram em cima do crédito aos mais pobres, sua principal clientela, uma prática refutada por outras varejistas, principalmente nos tempos de inflação, quando o salário do trabalhador viria a valer menos no final do mês, por conta do custo de vida que subia sem parar. As Casas Bahia cresceram sobre as ‘prestações que cabiam no bolso’, uma mágica que seus clientes, desprezados pelo resto do mercado, adoravam, pois não sentiam os juros cobrados no crediário.

Compravam seus móveis ou eletrodomésticos em dezenas de prestações pequenas, o que tornava o pagamento em dia uma prática quase religiosa para eles. Essa modalidade só ganharia dimensão no Brasil com a estabilidade da moeda em 1994.

Mas bem antes disso, Klein preferia seguir seu instinto. “Nas Casas Bahia, o crédito é uma ciência humana, e não exata”, costumava dizer. “Não importa se o cliente é um faxineiro ou um pedreiro. Se ele for bom pagador, a Casas Bahia dará crédito para que ele resgate seus sonhos”, repetia. O fundador do grupo acreditava que para se dar bem na vida, era preciso ser humilde, saber ouvir, e ter o dom da simplicidade. E Klein efetivamente se deu bem.

As Casas Bahia, que hoje tem mais de 630 lojas espalhadas pelo país, e faturou 18,9 bilhões de reais no ano passado. Seu sucesso chamou a atenção do indiano C.K. Prahalad, autor da Riqueza na Base da Pirâmide, citando o case da varejista brasileira como exemplar. O nome Casas Bahia, aliás, foi dado em homenagem a seus primeiros clientes, baianos que saíam da sua terra natal para tentar uma oportunidade em São Paulo.

Alegre, nunca foi de ostentar riqueza. Trabalhador incansável, mantinha uma cama no escritório para quando se estendia nas jornadas, o que não era incomum. Naturalizou-se brasileiro, país que ele adorava. “Que país abençoado esse Brasil. O povo é pacato e acolheador. O Brasil é um país que dá oportunidades para quem quer trabalhar e crescer na vida. Cresci junto com o Brasil. Dividiu a gestão do negócio com o filho, Michel. Mas, em 2009 a família decidiu vender a rede para o grupo Pão de Açúcar, que viria a se tornar o Via Varejo, junto com a rede Ponto Frio. Os Klein ainda detêm 27,5% das ações da nova holding. Além de Michel, Klein deixa outros dois filhos, oito netos e cinco bisnetos.

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