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Por que rosa é de menina e azul é de menino?

Não há raízes ancestrais ou razões genéticas que justifiquem tais preferências

Jaime Rubio Hancock
Menina mostra seus brinquedos cor-de-rosa.
Menina mostra seus brinquedos cor-de-rosa.JEONGMEE YONG (GETTY)

O fotógrafo JeongMee Yong ficou surpreso com fato de sua filha de 5 anos só querer roupas e brinquedos cor de rosa, e por isso ele começou a interessar pela forma como os fabricantes e publicitários segmentam sua oferta por gênero. Assim surgiu o The Pink & Blue Project, uma série fotográfica – que de vez em quando volta a viralizar na Internet – na qual meninos e meninas mostram seus objetos rosa e azuis.

Menino mostra seus brinquedos azuis.
Menino mostra seus brinquedos azuis.JEONGMEE YONG (GETTY)

Não se trata de um padrão exclusivamente infantil: uma ida a qualquer shopping confirma que, para muitas empresas, vender produtos para mulheres consiste em pintar a embalagem de rosa.

Mas o fato é que essa cor nem de longe está associada biologicamente ao sexo feminino. É uma convenção arbitrária, e nem tão antiga quanto pode parecer. Em Pink and Blue: Telling the Girls From the Boys in America (“Rosa e Azul: diferenciando meninas de meninos nos EUA”), a historiadora Jo B. Paoletti explica que só durante a Primeira Guerra Mundial os tons pastéis começaram a ser usados para bebês – antes, optava-se simplesmente pelo branco.

Além disso, naquela época o rosa era a cor dos meninos, por ser “mais decidido e forte”, ao passo que as meninas deviam vestir azul, “mais delicado e amável”. É preciso levar em conta que o rosa estava associado ao vermelho, a cor do sangue e do vigor.

As descrições acima constam num artigo da revista Earnshaw’s, voltada para profissionais do varejo, conforme citação feita por Paoletti, mas saíram também na Ladies’ Home Journal, de acordo com o The Guardian. O jornal britânico menciona ainda um texto de 1914 do The Sunday Sentinel aconselhando “o rosa para o menino e o azul para a menina, a serem seguidas as convenções”.

Os tons pastel (tanto o azul como o rosa) eram os habituais para os bebês europeus. E, quando havia alguma diferença, nem sempre se seguia o critério atual. Os orfanatos franceses usavam azul para os meninos e rosa para as meninas, mas na Bélgica, na Suíça e em parte da Alemanha era ao contrário. Na verdade, como explica Eva Heller em seu livro A Psicologia das Cores, essa distinção só surgiu na Alemanha nos anos 1920, generalizando-se na década de setenta.

Nos Estados Unidos, a diferenciação atual começa a se instituir depois da Segunda Guerra Mundial. Em 1927, a Time publicou um quadro (também citado por Paoletti) detalhando qual era a oferta preferencial de cores nas lojas de departamentos norte-americanas. Essa tabela reflete que o critério ainda não estava claro (embora claramente houvesse a busca por um). Mas 60% das lojas de departamentos preferiam o rosa para meninos.

Em Cleveland, não gostavam do azul.
Em Cleveland, não gostavam do azul.Gender Mystique

A partir dos anos oitenta, o rosa se impôs definitivamente na paleta de cores em milhares de produtos para meninas, deslocando outras possibilidades. A tal ponto que, segundo Paoletti, já existe hoje muito mais diferenciação de cores por gênero do que há algumas décadas.

Ou seja, não há raízes ancestrais que justifiquem tais preferências. E tampouco existem razões genéticas. As crianças com menos de dois anos preferem as cores intensas, como o vermelho e o azul, segundo Anne Fausto-Sterling, e não as cores suaves e pastel.

Há um estudo (um só) sugerindo que as mulheres preferem os tons vermelhos, lilases e rosados, já que há milhares de anos elas são as encarregadas de colherem frutas. E isso também seria útil para observar mudanças de tom na pele de seus filhos e detectar uma possível febre.

Mas tais explicações são meramente especulativas: o estudo identifica preferências, não capacidades perceptivas, e também recorda que a cor favorita da maioria de pessoas (homens e mulheres) é o azul, o que estaria relacionado, aparentemente, com a importância que damos ao céu claro e às águas azuis e limpas.

De fato, as preferências de cores entre homens e mulheres são similares: em geral, segundo uma pesquisa de Eva Heller, também publicada em A Psicologia das Cores, nós gostamos do azul, do verde e do vermelho, e nos desagradam o marrom, o rosa e o cinza. O rosa só é a cor favorita de menos de 5% das mulheres. No entanto, é preciso levar em conta uma possível reação de “rebeldia” na hora de responder a essa pesquisa, já que o rosa estaria associado a estereótipos existentes.

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Flamingos surpresos ao descobrirem que o rosa é a cor favorita de menos de 5% das mulheres

Não se pode esquecer que as convenções sobre os significados de cada cor são arbitrárias, além de mudarem com o tempo. Assim, o vermelho está habitualmente identificado com vida, saúde e vigor, por ser a cor do sangue. Parece quase lógico, mas se trata de um viés: associamos as características de coisas diferentes simplesmente porque são parecidas.

Às vezes, a conotação da cor nem sequer tem a ver com alguma semelhança física: o roxo é associado à nobreza e aos reis simplesmente porque essa tintura era cara.

É óbvio que os significados das cores muitas vezes variam de uma cultura para outra. Amarelar é no Brasil sinônimo de se acovardar (Judas em muitos quadros aparece vestido de amarelo), mas, em lugares como China e Egito, essa cor também está associada ao sol e, portanto, à felicidade e à nobreza.

É verdade que a sensibilidade a respeito disso está mudando. Pouco a pouco. Um exemplo famoso: esta menina que no Natal de 2011 manifestou sua insatisfação com as opções de cores disponíveis nas lojas de brinquedos.

"The companies making this try to trick the girls into buying pink stuff instead of stuff that boys want" ("As empresas que fabricam isto querem enganar as meninas para que elas comprem coisas rosa em vez de coisas que os meninos querem")

Para não falar das críticas que a Lego recebeu ao lançar sua linha Friends, voltada para meninas e com embalagens cor-de-rosa. Mas o fato é que o sucesso de vendas dessa linha de brinquedos foi incontestável. E também continua sendo fácil saber quais pacotes são para meninos e quais são para meninas.

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