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O dia a dia de uma professora modelo num sistema nada exemplar

A escola em tempo integral, bandeira do PT e do PSDB, tropeça em uma instituição que não dá conta nem de chegar até o recreio

Marina Rossi
Rio Claro (SP) -
Andrea Marangoni.
Andrea Marangoni.M. R.

Embora não trabalhe em uma escola de tempo integral, a rotina profissional da professora Andrea Marangoni ultrapassa 12 horas por dia. Diretora em uma escola municipal de Rio Claro (a 190 quilômetros de São Paulo) durante o dia, e professora de uma escola estadual em Santa Gertrudes (a 10 minutos de Rio Claro) no período da noite, sua rotina se inicia às sete da manhã e termina às onze e meia da noite.

Em meio à troca de ataques entre Dilma Rousseff (PT) e Aécio Neves (PSDB) neste segundo turno, a escola em tempo integral é uma bandeira levantada por ambos quando decidem falar de propostas e não de acusações. Mas Andrea é contra a ideia. “Não existe um projeto que estipule quais seriam essas aulas dadas durante o dia todo”, explica. “O que faremos com os alunos? Como eles fariam para trabalhar? Não há um planejamento claro de como isso seria implantado”, diz a professora de 47 anos que dá aula há 25 anos na rede pública de São Paulo.

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De todos esses anos lecionando, 22 deles foram na Escola Estadual Pedro Raphael da Rocha, na cidade de Santa Gertrudes, com pouco mais de 21.000 habitantes. Lá, ela dá aulas de língua portuguesa para o 2º e o 3º ano do ensino médio, alunos numa faixa dos 16 aos 20 anos. Seu maior desafio é vencer o cansaço da dura rotina, repetida por milhares de outros professores por todo o país, que dobram a carga horária para garantir um salário um pouco maior no fim do mês. “Eu chego cansada. Se eu tiver que brigar com os alunos todas as noites, no dia seguinte eu estou morta”, diz. Por isso, traçou como meta o respeito mútuo entre a classe e ela.

A carga horária é alta por conta do salário que é baixo. Em São Paulo, o piso salarial da rede estadual é de 2.088 ao mês por 40 horas semanais de trabalho para professores da Educação Básica I. Desde 2008, o Brasil tem uma referência mínima para os salários dos professores da educação básica pública que hoje é de 1.697 reais. Embora baixo, um levantamento feito em março deste ano pela Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE) concluiu que sete Estados brasileiros não respeitam esse piso, e 14 cumprem mas não integralmente essa lei, o que significa que não pagam hora-atividade, que deveria representar no mínimo 1/3 da jornada de trabalho do professor.

Uma folha de pagamento pequena é somada a diversos outros problemas: a violência nas escolas, o tráfico, a falta de estímulo dos alunos, falhas no abastecimento da merenda e de material para a manutenção e a infraestrutura que só existe, de fato, em uma parcela pífia das escolas do país: segundo o Movimento Todos pela Educação, apenas 4,2% das escolas da rede pública têm a infraestrutura mínima estipulada pelo Plano Nacional de Educação (PNE) que inclui água tratada e saneamento básico, bibliotecas, quadras, laboratórios, entre outros itens.

Escola estadual em Santa Gertrudes.
Escola estadual em Santa Gertrudes.M. R.

Para Andrea, o problema é que os programas de Governo não são feitos por quem conhece, de fato, a realidade na escola. “Quem tem um belo consultório, com ar-condicionado, móveis de design, mas nunca atendeu em um posto de saúde, não pode trabalhar com saúde pública”, diz. “O mesmo vale para a educação. Quando foi que o Aécio entrou em uma escola pública? ”, diz ela, que votou em Luciana Genro (PSOL) no primeiro turno e votará em Dilma Rousseff no segundo. "Ela tem um lado de guerreira muito forte. Ela não passou mal no debate por fraqueza, mas porque ela foi muito atacada. Então como eu posso votar no Aécio?"

Embora tenha uma candidata declarada, Andrea não acredita que as coisas mudem. “Acho difícil que as coisas melhorem”, diz. Para tentar compreender o valor de seu papel dentro da instituição, fez uma tese de doutorado sobre a escola municipal de Rio Claro onde é diretora desde 2008, a Professora Diva Marques Gouvêa. “Meu questionamento nessa tese foi se o meu trabalho valia a pena”, diz. Para escrever a tese, tirou uma licença de 90 dias.

A energia para seguir em frente, ela tira do carinho dos alunos. Especialmente os mais novos, da escola Diva, que fica em uma região central da cidade e atende a 516 crianças entre seis e 10 anos em dois períodos. No dia do em que estava retornando da licença à direção da escola, os pequenos a abraçavam e beijavam pelo pátio da escola. E sem pedir licença – Andrea dispensa essas formalidades com as crianças – um grupo de cinco alunos entrou em sua sala para uma apresentação. “A girafa é um quadrúpede. A gestação de uma girafa dura 450 dias...”, liam, em forma de jogral.

Segundo ela, o maior desafio da escola não é a falta de investimentos ou os baixos salários, ou a dura rotina, mas sim, lidar com os pais. “Temos pais e mães aqui que são muito agressivos, reclamam, tratam a mim e aos professores com muito desrespeito”, diz. Segundo ela, cerca de 65% das famílias cujos filhos estão matriculados naquela escola recebem o Bolsa Família ou o Bolsa Escola.

Ao final de uma jornada de mais de 16 horas, Andrea recebeu uma notícia. Foi eleita a professora do ano de toda a região, um prêmio anual de reconhecimento organizado pelo Estado. Nesse momento, ela mesma responde ao questionamento feito no doutorado que ainda não foi para a qualificação. “Vale muito a pena”, disse, emocionada.

O que os candidatos prometem

Enquanto Dilma Rousseff se limitou a resumir suas propostas para a educação à ampliação de seus programas que já existem, Aécio Neves propõe algumas iniciativas vagas, podendo dar margem para uma dupla interpretação. Todas as propostas foram tiradas dos programas de governo dos candidatos. As que estão entre aspas foram copiadas fielmente.

Dilma Rousseff

“Educação em tempo integral em 50% das escolas”

Criação de 12 milhões de vagas no Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (Pronatec)

“Valorização, formação e aumento salarial dos professores”

Criação de 100.000 novas bolsas do programa Ciências sem Fronteiras

Aécio Neves

Escola em tempo integral

Eliminação do ensino noturno para quem não trabalha

Planejamento integrado entre o Governo Federal e os Estados e municípios para definir as estratégias de execução do Plano Nacional de Educação

Poupança Jovem. “Para que o aluno tenha uma poupança de até 3.000 reais ao término do Ensino Médio”

Escola Jovem. “Com modelos mais leves, flexíveis e diversificados para o Ensino Médio”

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