O Brasil aprova a Constituição da Internet
Após uma polêmica negociação para aprovar o Marco Civil, que garante a neutralidade da rede, o projeto passa na Câmara e deve ir para o Senado
Depois de três anos de negociações e polêmicas e dias depois de celebrar os 25 anos da criação da Rede, o Brasil tem a primeira Constituição de Internet, para alguns a mais avançada do planeta. A Câmara dos Deputados aprovou ontem o chamado Marco Civil da Internet por maioria, com a exceção do PPS que se posicionou contra. O Projeto de Lei nº 2126/2011 passou por votação depois de o Governo obter o apoio da bancada do PMDB na última semana. O projeto agora segue para o Senado que terá 45 dias para votá-lo. O relator petista Alessandro Molon (RJ) se diz confiante em relação à “outra Casa”, onde afirma ter ouvido “coisas positivas” de membros da oposição.
O PMDB, principal aliado do PT, que apontava restrições ao projeto original do Molon, insistiu na sua aprovação. Segundo ou líder da bancada no Congresso, Eduardo Cunha (RJ), a postura do Governo de dialogar e de ceder em dois pontos – o fim da obrigatoriedade dos data centers no Brasil para armazenar dados, aspecto mais polêmico da lei, e a mudança na regulamentação da neutralidade da web-, colaborou para que o partido passasse a aprovação do projeto nesta terça-feira. “Quando o governo sentou à mesa para negociar, o PMDB veio para o debate”, disse. “Entendemos que não estamos produzindo o regulamento ideal e, na minha avaliação pessoal, ideal seria não ter regulação,” afirmou Cunha, pouco antes de votar.
O líder do PMDB foi um dois mais ferrenhos opositores ao projeto, chegando a abrir uma crise com o Planalto. A votação do projeto, que aconteceria na semana passada, acabou sendo adiada para hoje. O plenário teve a companhia de ativistas digitais que celebraram o resultado. “Parabéns à Internet: dias depois do aniversário dá WEB ou MARCO CIVIL passa!!. Esforço estoico do @alessandromolon”, tuitou Demi Getschko, um dois pioneiros da Internet no Brasil e diretor-presidente do Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR.
O sociólogo Sergio Amadeu da Silveira, que foi presidente do Instituto Nacional de Tecnologia da Informação (ITI) da Casa Civil, disse que esperava a aprovação depois da negociação que se estabeleceu na semana passada. “Era preciso aprová-lo o mais rápido possível ou enquadramento civil. Pois quanto mais tempo passava, pior ele ficava”, diz Amadeu. “É uma grande vitória num ano difícil porque o poder de financiamento de campanha da tevê é muito grande”, completa. Segundo ele, dois pontos que passaram no projeto da Câmara que segue para o Senado abrem brechas perigosas. “A necessidade de guardar os registros de navegação e a obrigação de remover conteúdo (de ordem sexual) sem a necessidade de ordem judicial pode gerar precedentes de censura”, acredita. Isso porque se alguém solicitar que algum material seja tirado da rede, um provedor não vai fiscalizar se efetivamente a razão alegada faz sentido.
Um comunicado da Associação Brasileira de Provedores de Internet e Telecomunicações (ABRINT) se manifestou contra as mudanças efetuadas no texto: "A flexibilização do texto do Marco Civil revela que o Legislativo e o Executivo cederam às exigências das gigantes do setor, que querem explorar comercialmente o acesso parcelado à Internet". O presidente da ABRINT, Basílio Perez, afirmou que "qualquer negociação que preveja exceções já coloca a Internet em risco".
As negociações avançaram em uma semana por que alterou-se a redação do texto que tratava da neutralidade da rede. O Governo retirou a palavra “por decreto” presidencial e em seu lugar disse que se faria de acordo ao artigo 84 da Constituição, dizendo que isso só ocorreria pelo “fiel cumprimento da lei”. No caso de data centers, que se tornaram um cavalo de batalha do Governo de Dilma Rousseff, o Governo cedeu e agora permitirá que os dados dos brasileiros sejam armazenados no exterior, mas que seus depositários deverão cumprir a legislação brasileira, algo que preocupa muitos usuários por que as grandes empresas de Internet poderiam não colaborar com a Justiça. Nada se disse, no entanto, sobre os planos para criar um cabo submarino alternativo que evitaria o território dos Estados Unidos, mas ligaria o país com a Europa, a Ásia e a África, e do anúncio da própria Rousseff no seu Twitter sobre a criação de um correio eletrônico criptografado, dependente de uma rede local que não atravesse o solo norte-americano.
Nesta segunda-feira, o criador a Word Wide Web, Tim Berners-Lee afirmou em um comunicado que “a aprovação do projeto seria o melhor presente para os usuários em Brasil diante da celebração dos 25 anos da criação de Internet”.
“Eu espero que, com a aprovação dessa lei, o Brasil consolidará sua reputação de líder mundial na democracia e no progresso social e ajudará a inaugurar uma nova era, na qual os direitos dos cidadãos em todos os países do mundo sejam protegidos por leis digitais de direitos”, dizia a nota de Berners-Lee.
Em meados de outubro de 2013, os Governos do Brasil e da Alemanha pediram à ONU que promovesse o direito à privacidade de Internet em seus países, um projeto que queriam expandir para o resto do mundo. A iniciativa de ambos países ocorreu depois das revelações do ex-analista da Agência de Segurança Nacional dos Estados Unidos (NSA, na sigla em inglês), Edward Snowden, que tornou o público que ao menos 16 países do mundo e vários chefes de Estado, entre eles a presidenta Dilma Rousseff e sua homóloga alemã Angela Merkel, eram vigiados através de programas especiais.
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