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conflito agrário

“Versão do confronto para chacina no Pará caiu”, diz titular de Conselho de Direitos Humanos

Após morte de dez trabalhadores rurais, secretaria diz que agentes foram recebidos a bala Missão de vários órgãos, incluindo CNDH e MPF, está no local

Familiares sepultam vítimas da chacina durante operação policial.
Familiares sepultam vítimas da chacina durante operação policial.LUNAE PARRACHO (REUTERS)

Dois dias depois de dez posseiros serem mortos em uma ação policial numa fazenda a mais de 800 quilômetros da capital do Pará, as primeiras informações lançam dúvidas sobre a versão oficial e o proceder dos agentes policiais no episódio.

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Segundo o relato da Secretária de Segurança Pública, uma equipe de 29 policiais militares e civis foi nesta quarta-feira de manhã até a fazenda Santa Lúcia, alvo de disputa agrária, para cumprir com 16 mandados de prisão e busca e apreensão como parte de uma investigação que apura a morte de um segurança da fazenda, no dia 30 de abril. Ao chegar, os policiais contaram que foram recebidos a tiros e que reagiram. No alegado confronto morreram nove homens e uma mulher, mas nenhum policial ficou ferido.

Já no dia seguinte, familiares e amigos das vítimas que não quiseram se identificar contestaram a versão da polícia ao afirmar que os agentes chegaram ao local atirando. "Como é que teve esse tiroteio sendo que nenhum dos policiais foram feridos ou baleados? Nem uma das caminhonetes?", questionou um dos parentes ao G1. Segundo relatos ouvidos por integrantes do Ministério Publico Federal, o Conselho Nacional dos Direitos Humanos (CNDH) e a Defensoria Pública da União, que integram uma missão emergencial que está no local acompanhando a investigação, as vítimas sequer teriam percebido a chegada da polícia. “Temos testemunhas que afirmaram que a polícia cercou e executou um a um”, disse ao EL PAÍS o presidente do CNDH, Darci Frigo. “A versão do confronto caiu por terra para nós. A discussão agora é saber o que motivou as mortes”, disse Frigo.

A lista de questionamentos cresceu com a chegada da missão emergencial que viajou desde Brasília até Pau d’Arco, município de 5.400 habitantes onde se encontra a fazenda. Enquanto os corpos das vítimas eram sepultados em avançado estado de descomposição por não terem sido nem embalsamados, conforme a Folha relatou, depoimentos acrescentavam mais detalhes sobre o massacre.

A força-tarefa apurou que teria havido tentativa por parte das polícias Civil e Militar de registrar as mortes como autos de resistência – resistência à ação policial seguida de morte – para arquivar o caso. “Ao não proceder com a investigação, o que estão querendo esconder? Esse movimento pode ser um indicativo de que não querem que o caso seja de fato investigado e se descubra como se deram as mortes: se foram execuções, se de fato houve confronto, a quantidade de tiros”, afirmou Frigo. Segundo os peritos do Instituto Médico Legal ouvidos pelo G1, em três corpos havia perfurações de bala na cabeça e nas costas.

A Secretaria de Segurança Pública afirmou que o episódio está sendo investigado –as corregedorias da Polícia Militar e Civil estão apurando os fatos– e que os 29 policiais envolvidos na ação que acabou em massacre foram afastados. “Se a investigação depender só deles, vão arquivar o caso”, retruca Frigo.

Nesta quinta-feira, policiais examinam a fazenda onde dez posseiros foram mortos.
Nesta quinta-feira, policiais examinam a fazenda onde dez posseiros foram mortos.LUNAE PARRACHO (REUTERS)

Conforme mais relatos ouvidos pela equipe, que inclui também o Ministério Público Estadual que preside o inquérito, sete das dez vítimas seriam da mesma família. Essa informação é contestada pela Secretaria de Segurança, sob o comando do peessedebista Simão Jatene, que afirma que apenas quatro das vítimas eram parentes. “O fato de eles serem da mesma família pode indicar que quando o grupo de 28 pessoas percebeu a chegada da polícia, se dispersou na mata tentando se esconder. O grupo que acabou sendo assassinado estava escondido junto e teria sido o primeiro a ser encontrado”, descreveu o presidente do CNDH.

Os conflitos por terra no Brasil continuam massacrando dezenas de vítimas todos os anos. Só em 2017 já foram 36 mortes, segundo cálculos da Comissão Pastoral da Terra (CPT). 2016 também foi um ano sangrento com 61 assassinatos, o número mais alto desde 2003, quando a entidade, ligada à Igreja Católica, começou a computar as mortes. Este é considerado o pior massacre por conflito agrário desde a chacina de Eldorado do Carajás, em 1996, na mesma região, quando tropas da PM mataram 19 pessoas que participavam de um ato pacífico organizado pelo Movimento de Trabalhadores Rurais Sem Terra. A impunidade sempre foi comum neste crimes: 21 anos depois, apenas um coronel e um major da PM foram responsabilizados.

A fazenda Santa Lúcia, cenário do massacre, era motivo de disputa entre seu proprietário e dezenas de famílias de trabalhadores sem terra. Desde maio de 2015, havia 150 famílias acampadas no local, que pediram para que o imóvel fosse destinado à reforma agrária. O Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e o proprietário negociaram a venda do imóvel para esses fins, mas as conversas emperraram: o dono exigia 32 milhões de reais, quase 10 milhões a mais que a avaliação oficial. O proprietário chegou a fazer uma segunda oferta, mas ainda acima da avaliação, e acabou desistindo da venda em 2016 para posteriormente entrar na Justiça com um pedido de reintegração de posse. Havia sete meses que o Incra procurava um novo lugar para reassentar as famílias.

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