_
_
_
_
_

Exército conclui até novembro caso do capitão apontado como infiltrado entre manifestantes

Corporação evoca lei de 2014 como base legal da operações de inteligência em manifestações

O Exército brasileiro tem até novembro para concluir as investigações sobre o envolvimento do capitão Willian Pina Botelho com manifestantes que acabaram detidos em São Paulo e consideram o militar um infiltrado em suas atividades. A apuração do caso, segundo o Exército, foi aberta no dia 09 de setembro, data em que o EL PAÍS e a Ponte Jornalismo revelaram que o militar estava entre um grupo de manifestantes presos antes de um ato "Fora, Temer", no dia 04 deste mês. O capitão Botelho, que usava o nome falso de Balta Nunes, foi o único, no conjunto de 22 pessoas, que não foi levado para a delegacia naquele dia, o que reforçou as suspeitas de que ele estaria infiltrado.

O capitão Willian Pina Botelho, que se apresentava como Balta Nunes.
O capitão Willian Pina Botelho, que se apresentava como Balta Nunes.
Mais informações
PM: militar apontado como infiltrado não foi preso por falta de “indícios”
Juiz solta manifestantes: “Brasil não pode legitimar ‘prisão para averiguação”
Ministério Público Federal investigará suposto infiltrado do Exército em manifestação
Por que a polícia não prendeu o militar apontado como infiltrado?
EL PAÍS Brasil “Quero milhões de beijos por essa ação heróica”, disse o capitão

De acordo com a corporação, o prazo para a conclusão da sindicância é de 30 dias a partir da data da abertura, podendo ser prorrogados por mais 20. A data limite seria dia 29 de outubro. Depois disso, o comandante militar do Sudeste - o general Mauro César Lourena Cid - , onde o capitão Botelho está lotado, tem até dez dias úteis para analisar, concluir e "se for o caso, solicitar diligências complementares" sobre o caso. O prazo final termina no dia 14 de novembro.

O Exército evocou a Garantia de Lei e da Ordem (GLO) para justificar as operações de inteligência em manifestações de rua pelo país. "A utilização permanente da inteligência tem assegurado a eficácia nas operações, o emprego proporcional da força e minimizado os efeitos colaterais na população", diz a nota, enviada pela assessoria de imprensa da corporação.

A GLO é uma lei de 2013, sancionada pela ex-presidenta Dilma Rousseff em março de 2014. Camila Marques, advogada e coordenadora do Centro de Referência Legal em Liberdade de Expressão e Acesso à Informação da ONG Artigo 19, lembra do histórico dessa lei, estabelecida sem discussão prévia com a sociedade e organismos que defendem os direitos humanos. “A GLO soou como uma reposta às jornadas de junho e teve duas versões”, explica. “A primeira, de 2013, sofreu várias críticas da sociedade civil e dos parlamentares, que deixavam claro o caráter conservador das Forças Armadas. A portaria foi revisada e aprovada em 2014, mas o espírito continua o mesmo: a possibilidade de o Exército atuar contra civis e criminalizarem manifestantes”.

Um dos pontos críticos da GLO é o que se caracteriza como “perturbação da ordem”, situação onde, de acordo com a lei, as Forças Armadas podem atuar. “Alguns organismos internacionais consideram que manifestações se inserem no conceito de ordem daquela cidade”, explica Camila. Isso excluiria os protestos de rua do conceito de “perturbação da ordem”, mas é algo que, por enquanto, só está em discussão fora do Brasil. “A GLO é uma portaria arbitrária. Muitas das repressões e ações abusivas do Estado são justificadas pela manutenção da ordem”, diz Camila.

A finalidade da GLO é estabelecer orientações para o uso das Forças Armadas para "garantir ou restaurar a lei ou e ordem". O texto da lei afirma que é de "capital importância que a população deposite confiança na tropa que realizará a operação".

O texto também prevê que operações atuam de forma integrada, com a possibilidade de participação das Forças Armadas, órgãos de segurança pública, do poder Executivo, Judiciário, Ministério Público entre outros órgãos e agências. As detenções ocorridas no dia 04 de setembro foram realizadas pela Polícia Militar, mas a secretaria de Segurança Pública de São Paulo nega a existência de uma operação conjunta naquele dia.

O Ministério Público de São Paulo, o Ministério Público Federal, a Câmara dos Deputados e o Ministério da Defesa também abriram investigação sobre o caso. Nenhuma delas foi concluída até o momento.

O capitão Botelho se apresentava como Balta Nunes nas redes sociais e de relacionamentos, como o Tinder, para se aproximar de manifestantes. No dia 04 de setembro, se uniu a um grupo de mais de 20 jovens para seguirem juntos ao ato pelo Fora Temer na avenida Paulista. Antes da manifestação ocorrer, porém, 21 deles foram detidos e levados para a Delegacia de Investigações Criminais (Deic), onde ficaram por quase 24 horas. No dia seguinte, o juiz considerou as detenções ilegais.

Embora estivesse com o grupo no momento da batida policial, o capitão Botelho disse a interlocutores que foi levado para outra delegacia, pois estava com o documento falso. Mas a versão foi desmentida pela Polícia Militar uma semana depois, quando, por meio de nota, a secretaria de Segurança Pública disse que Botelho não foi levado com os demais porque não apresentava "indícios" e não "se enquadrava do mesmo perfil" dos demais.

Desde o dia 09 de setembro, quando o caso foi revelado, o site da Escola de Inteligência Militar do Exército (EsIMEx), por onde o capitão Botelho passou em 2013, está fora do ar. Em novembro daquele ano, o capitão escreveu um artigo na Revista A Lucena, uma publicação da escola de inteligência, onde discorreu sobre A inteligência em apoio às operações no ambiente terrorista. O documento também foi retirado do ar.

Mais informações

Arquivado Em

Recomendaciones EL PAÍS
Recomendaciones EL PAÍS
_
_