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Coluna
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Dormir de conchinha com a ignorância

A campanha que este cronista lança é para salvar a sanidade e o romantismo entre os casais militantes

Manifestação contra o Governo Temer nesta quinta-feira, em São Paulo.
Manifestação contra o Governo Temer nesta quinta-feira, em São Paulo.NELSON ALMEIDA (AFP)

Você acorda e o debate sobre a conjuntura não lhe deixa gastar sequer a religiosa ereção matinal, desculpa, baby, foi mal...

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O debate do racha das esquerdas ferve antes da chaleira e aquele café da manhã dos campeões, quem dera, nunca mais... Só resta mascar o frio sucrilho da política... Haja polêmica, haja sustança para um embate por minuto, haja saco.

Depois da passeata, amor, quem sabe, mesmo com todo aquele excitante gás-pimenta da PM, é hoje, tomara... Ela grita “Diretas já” e você, democraticamente brocha, salta de banda, comete mais um textão no Facebook contra vento, mídia e maré... Agora é fazer plantão nos comentários...

Isso não significa que o amigo não seja um cara decente, preocupado com o país, não que você não tenha sido um eterno fofo com a moça, mina que também não dá mole pra coxinha ou golpista... Nada disso, a campanha que este cronista —envelhecido em barris de carvalho e dialética— lança é apenas para salvar a sanidade e o romantismo entre os casais militantes. Se você estiver solitário, capturando por aí o frio Pokémon do desespero, também vale.

Como diz a amiga Jô Hallack, em estado de assembleia permanente, precisamos dormir de conchinha com a ignorância uma vez por semana. Precisamos fazer nem que seja um papai-mamãe com a alienação. Pelo menos um beijo na boca da leseira e um dengo no “zen-bodismo” —a arte de meditar em uma rede nordestina.

Uma siesta, no mínimo, de costelas grudadas com o tô-nem-ai etc. E, por favor, um passeio ao fim da tarde assobiando aquela dos Mutantes, “ando, meio desligado, eu nem tenho, os pés no chão...” Tudo é válido, pelo menos até o próximo “Fora Temer”.

Todo cuidado, porém, é pouco: não confunda dormir de conchinha com a ignorância com o acabar na cama com um coxinha que ignora. Pode ser apenas um banal jogo de palavras, mas que rebordosa. Não há engov ou chá de boldo para ressaca ideológica!

Os sonhadores

Ora, até os maoístas de maio de 68 na França tinham esse direito sagrado... Os comunas existencialistas que andavam com o enfezado Jean-Paul Sartre idem, ibidem. Mirem-se no exemplo daquela garotada que praticava a mais revolucionária ménage à trois durante as mesmas barricadas de Paris, como os jovens do filme “Os Sonhadores” (2002), de Bernardo Bertolucci.

Pelo direito de esquecer a política do dia-a-dia, não a história, pelo menos em uma bela noite de amor e sexo. Relax, meu rapaz, pelo menos hoje, domingo voltamos com tudo contra os golpistas e os vampiros das conquistas sociais brasileiras.

Pelo direito de uma noite do mais alienante e recompensador dos gozos. A pequena felicidade de acordar mais atrasado (em termos factuais) do que jornal impresso, longe dos memes da hora e colado nos mimos urgentes da moça...

Vou pedir um café pra nós dois, te fazer um carinho e depois... Pé sobre o pé da amada ou futura desalmada, você comendo aquelas coisas saudáveis para impressioná-la... Cafa! Você mostrando que, talvez, todo amor comece com pequenas mentiras e desabe com as malditas e grandes verdades...

Pelo direito de dormir de conchinha com a ignorância pelo menos uma vez por semana. Pelo prazer de seguir a borboleta amarela da crônica do Rubem Braga e não o protesto que segue o mesmo itinerário pelo centro do Rio agora mesmo.

Xico Sá, escritor e jornalista, é autor de “Os machões dançaram -crônicas de amor & sexo em tempo de homens vacilões”, entre outros livros. Comentarista de televisão nos programas “Papo de Segunda” (GNT) e “Redação Sportv”.

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