Cursinho online para driblar falta de dinheiro nos estudos para o vestibular
Alunos optam por plataformas na internet para estudar no próprio ritmo e reforçar as matérias mais difíceis
Allan Kardec Cunha precisava trabalhar para ajudar nas contas de casa. Sem muito tempo disponível, encontrou nas vídeoaulas da Internet uma maneira viável e mais interessante de se preparar para o vestibular. Queria cursar ciências da computação na Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), na capital do Estado onde mora, há 350 quilômetros de sua cidade natal, Apodi. Havia tentado passar logo que saiu do ensino médio, em 2014, apenas com o conteúdo que aprendia em sala. Mas não foi daquela vez.
Em 2015, pagou quatro meses de cursinho, 140 reais cada um, mas logo desistiu. "Eu não estava conseguindo me organizar. Era muito conteúdo para tão pouco tempo. As aulas eram parecidas com as que eu tive no colégio. O professor falava por horas, não tinha espaço para debate. Eu não conseguia aprender direito dessa forma", afirma Cunha. Começou a assistir videoaulas em diversos sites gratuitos, como Geekie e Me Salva, e até em canais do YouTube, como o Descomplica, e percebeu que compreendia melhor a matéria quando ela era segmentada, mais curta e dinâmica. "Eu conseguia assimilar as informações melhor no meu próprio tempo, tirando dúvidas pela Internet. Comecei a pesquisar as matérias que mais caíam no Enem e montei uma grade de estudos diários", complementa.
Para evitar dispersões pelas redes sociais e nem cair na tentação de assistir a vídeos que não tinham relação com o vestibular (e também para conseguir um estímulo a mais para se dedicar), Cunha chamou um grupo de amigos, ex-colegas da escola, para estudarem juntos. "Cada um estudava a sua maneira, mas nos juntávamos para discussões de alguns temas interessantes para redação e até conteúdos de história, política. Com os debates a gente conseguia assimilar melhor", explica. Um dos temas que debateram, inclusive, caiu na redação do Enem que prestaram: violência contra a mulher. "Por meio de recortes de matérias de jornais, discutimos diversas opiniões. Para mim, foi importante porque eu consegui reunir vários dos argumentos que debatemos para embasar esse texto".
Doze meses de estudos depois, Cunha - assim como seus amigos de estudos - conseguiu passar no curso e na faculdade que queria. Hoje, aos 20 anos, segue para o segundo semestre da graduação. "A tecnologia é só uma ferramenta, mas cabe o mundo dentro dela. Pela internet eu consigo ler fontes diferentes de informação sobre um mesmo assunto. Às vezes o professor não sabe tirar a minha dúvida, mas na internet existem diversas outros que podem saber". Um exemplo, segundo Cunha, são as aulas de inglês. "Tudo o que a gente tem na escola é o verbo to be". Mas, na internet, ele aprendeu bastante por meio de músicas, filmes, jogos e até por bate-papo com estrangeiros. "Há muitas formas interessantes de aprender em rede", justifica.
A experiência de Cunha tem se tornado cada vez mais comum, visto que o perfil do aluno de hoje é bem diferente em relação ao de seus pais na época que eram estudantes. Os jovens da chamada geração millenium (nascidos nos anos 1990, década em que os computadores começaram a se popularizar), dificilmente se sentem atraídos por conteúdos formatados em lousa, que absorvem sentados por horas nas carteiras enfileiradas, ao som monótono de um professor centralizador de conhecimento. Pela Internet, é possível aprender em um ritmo mais personalizado, já que nem todo mundo está no mesmo nível dentro de uma sala, e buscar informações em diversos formatos diferentes, desde livros virtuais até vídeos e games.
Para Danilo Bardusco, diretor exectivo da Geekie Games, divisão da Geekie responsável pela plataforma de cursos preparatórios para o Enem, o segredo para captar a atenção dos jovens hoje está no dinamismo. "Fizemos várias experiências e descobrimos que os estudantes se interessavam mais pelos conteúdos mais rápidos. Segmentamos as matérias ao máximo, em vídeos curtos, que contemplam uma aula. Se estiver cansado, o aluno pode parar e continuar depois", explica. Antes de começar uma aula, o usuário responde a uma série de perguntas sobre o tema, para que a ferramenta personalize o estudo, enfatizando assuntos nos quais o aluno tem mais dificuldades, por exemplo. Ao terminar de ler o material escrito e assistir às videoaulas, o estudante também responde a uma outra bateria de perguntas, para fixar e testar o conhecimento. Se faltou compreender alguma coisa, ou se a dificuldade do aluno dependia de uma base que ele não tinha, a ferramenta apresenta aquilo que lhe falta.
As aulas têm 30 minutos cada, divididos entre vídeos e apostilas virtuais, em power point. A ferramenta também contempla quatro simulados do Enem. O aluno insere qual é o curso e a universidade que quer estudar e pode comparar a sua nota com a nota de corte dos anos anteriores daquela modalidade. O único serviço pago do aplicativo - e optativo - é uma ferramenta que gerencia o conteúdo para o aluno. Uma espécie de mapa de ensino diário, para aqueles estudantes que têm dificuldades de organizar uma agenda de estudos sozinhos.
Neste ano, a Geekie fez uma parceria com o Ministério da Educação e o Sesi para garantir o acesso dos alunos da rede pública nacional à ferramenta, que ganhou o nome de "Hora do Enem". Ainda que não tenha computador em casa, o aluno poderá assistir às videoaulas e fazer o simulado na própria escola.
Segundo Bardusco, 58% dos usuários do aplicativo têm entre 17 e 24 anos. São jovens que buscam um material de apoio às aulas do ensino médio e que já fazem cursinho ou que só tem este meio disponível para se preparar para o vestibular. "Um cursinho é muito caro e a grande maioria não pode pagar. Além disso, o aluno pode estudar de acordo com os seus interesses, pontos fortes e fracos. É um estudo bem mais personalizado e direto. Cada um tem um jeito único de aprender", analisa. Em 2016, 3,8 milhões de alunos se inscreveram no Geekie.
O estudante de Santa Luzia, região metropolitana de Belo Horizonte, Arthur Mapa, de 17 anos, também quer se formar em ciências da computação e virou adepto das videoaulas para complementar o aprendizado em sala de aula. Ele é adepto de várias ferramentas além do Geekie, como a MecFlix - biblioteca virtual do MEC. Onde ele estuda, as aulas ocorrem em tempo integral, então ele utiliza o período da noite para estudar exclusivamente para o Enem pela Internet. Montou a sua grade que, segundo ele, é seguida à risca. De segunda, matemática e simulados. Terça, ciências humanas. Quarta, ciências da natureza. Quinta, redação. Sexta, linguagem. Até os fins de semana são dedicados ao Enem. Aos sábados ele lê notícias de jornal para coletar informações e argumentos para redação. Depois estuda as disciplinas que têm maior peso no vestibular que pretende prestar: matemática e física. "É uma rotina bem puxada, mas você acaba se acostumando. Eu acho que as aulas virtuais ajudam como complemento da escola, mas eu prefiro estudar sozinho, em casa, com silêncio", diz.
Foram os professores que o ajudaram a montar a grade de estudos, intercalando as disciplinas que Mapa mais gosta com aquelas das quais ele fugiria naturalmente. "Minha maior dificuldade hoje é língua estrangeira. Optei por espanhol para o Enem pois tenho essa aula na escola", conta. "A maior vantagem de estudar pela Internet, para mim, está na facilidade de acessar as matérias em qualquer lugar. Eu perco um tempão com o ônibus, então assisto aulas pelo celular no trajeto", exemplifica. Depois que começou a estudar em casa, pela internet, percebeu uma melhora nos simulados do Enem. No primeiro que fez, em março, tirou 720. No segundo, realizado há poucos dias, viu sua nota subir para 796.
Outro mineiro, o estudante Caio Pacífico, de 17 anos, melhorou sua nota no simulado em mais de 70 pontos. Aluno no terceiro ano do ensino médio, quer prestar biomedicina já este ano, em Alfenas, cidade próxima daquela onde vive, Campo do Meio. "Na escola onde estudo não existe aulas de preparação para o vestibular, então eu resolvi fazer cursinho pela internet mesmo. Acesso muitas aulas pelo YouTube e por plataformas gratuitas", conta. Filho de uma dona de casa e de um agricultor, Pacífico não quer trabalhar com agronegócio. "Gosto muito da área da saúde e minhas aulas favoritas são de química e biologia". As matérias em que ele tem mais dificuldades, ele busca estudar com mais afinco. "Comecei a assistir vídeos e percebi que aprendi mais matemática e física pela Internet", diz.
Já Cleverton Bomfim, de Aracaju, no Sergipe, conta que se sente mais motivado a estudar online, em casa, espaço onde sua timidez não lhe impede de fazer perguntas. "Na escola, você tem ajuda dos professores e dos colegas. Mas prefiro estudar no meu ritmo", explica o estudante do terceiro ano. No começo, confessa que se dispersava bastante. "Os alertas de postagem dos amigos no Facebook me distraíam muito. Por causa disso, resolvi cancelar minha conta nas redes sociais. Só tenho Whatsapp", diz. O motivo deste radicalismo" está na dedicação que demanda um vestibular de medicina. "Não tenho dinheiro para pagar cursinho particular, então eu faço um que é custeado pelo Governo, no período noturno. Mas a sala é muito heterogênea, já que tem muitos alunos que estão prestando Enem para conseguir diploma de ensino médio". Nas plataformas de vestibular, estuda no conforto e silêncio da sua casa. Acredita ser mais produtivo desta forma. Acostumar-se a complementar os estudos pela Internet não foi fácil. "No começo eu tive de me esforçar para tornar isso um hábito. Ainda que estivesse cansado para estudar por muito tempo, comecei estudando menos de uma hora por dia, só para pegar costume. Hoje, passo horas estudando sem problemas, até nos fins de semana", destaca. A meta do estudante é a Universidade de São Paulo (USP). "Só não tenho dinheiro, mas força de vontade não falta", brinca.
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