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Coluna
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E se Cunha tivesse salvado Dilma?

Se tivesse salvado Dilma, Cunha talvez seria hoje apenas mais um dos acusados pela Lava Jato, à espera, como tantos outros de seus correligionários, do moroso parecer do STF

Juan Arias

Não vou defender Eduardo Cunha. Simplesmente porque não existe defesa possível. Ele já deveria estar na cadeia. Já denunciei, nesta coluna, a aberração adicional que significa um evangélico, como ele, colocar no nome da Jesus.com seus carros de luxo comprados com dinheiro da corrupção, assim como o descalabro vergonhoso do luxo exibido por sua mulher.

Eduardo Cunha, presidente afastado da Câmara, nesta terça-feira em Brasília.
Eduardo Cunha, presidente afastado da Câmara, nesta terça-feira em Brasília. ADRIANO MACHADO (REUTERS)

Cunha já foi condenado pela opinião pública com mais contundência do que pelos próprios tribunais. É uma fera ferida de morte politicamente. Até mesmo os seus próximos começam a se afastar dele, já que o seu poder se esvaziou e os políticos corruptos sentem rapidamente o cheiro de quem perdeu o jogo.

Isso tudo, porém, não deve nos impedir de constatar a hipocrisia que ronda em torno do personagem político mais odiado pela sociedade por parte dos políticos que hoje o atacam. É bastante grave, por exemplo, a ser verdade, o que ele próprio relatou aos jornalistas em Brasília, contando como o então ministro da Casa Civil, Jacques Wagner, em três encontros com ele, ofereceu-lhe os votos dos três membros petistas da Comissão de Ética do Congresso, que deveria julgá-lo, assim como a benevolência do presidente dessa comissão. Tudo isso em nome do Governo, com a condição de que Cunha não levasse adiante o processo de impeachment de Dilma Rousseff.

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A pergunta que não quer calar é a seguinte: o que seria de Cunha hoje se ele tivesse aceitado a chantagem proposta pelo Governo, se não tivesse aberto o processo de deposição de Dilma, que ainda estaria, assim, à frente do Governo?

Por que outros políticos que possuem uma quantidade ainda maior de processos contra si continuam sem ser levados a julgamento?

Hipocrisia do poder de plantão e hipocrisia da oposição, já que o PSDB, por exemplo, demorou para condenar Cunha, esperando que ele abrisse o processo de impeachment.

Hipocrisia também, hoje, do Governo interino de Michel Temer, que ainda não se pronunciou abertamente contra Cunha nem parece estar pressionando para que ele renuncie à Presidência da Câmara, da qual já foi afastado pelo Supremo. Cunha ainda dá medo a alguém? Por que o PMDB ainda não o expulsou do partido?

A opinião pública está certa ao não perdoar esse político por todas as suas malfeitorias, manipulações e ações corruptas. A sociedade já o condenou inapelavelmente. E nessa sentença popular não há hipocrisia alguma. Os fatos simplesmente a impuseram.

Não se pode dizer o mesmo, no entanto, da classe política, que usou e abusou de Cunha e de sua falta de escrúpulos e descaramento na manipulação de leis e regulamentos, segundo os seus próprios interesses e na medida do poder que exercia.

Se tivesse salvado Dilma, Cunha talvez seria hoje apenas mais um dos acusados pela Operação Lava Jato, à espera, como tantos outros de seus correligionários, do moroso parecer da Suprema Corte, que não costuma pecar pela pressa na condenação de políticos com foro privilegiado, prerrogativa que não existe mais em quase nenhum outro país do mundo.

Que Cunha seja, assim, condenado. Mas sem esquecermos de condenar, também, a hipocrisia daqueles que usam os corruptos enquanto podem para ocultar a sua própria nudez.

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