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O estranho efeito QWERTY: quando as teclas ditam as emoções

As palavras com mais letras do lado direito do teclado são melhor avaliadas

Miguel Ángel Criado

Um grupo de psicolinguistas descobriu em 2014 um fenômeno estranho: os pais escolhem nomes para seus bebês recém-nascidos que contêm mais letras do lado direito do teclado. Essa melhor avaliação para as teclas à direita é chamada de efeito QWERTY. Agora, uma pesquisa confirma que o pais não são uma exceção. Do Amazon ao YouTube, passando pelo Yelp ou sites pornográficos, os produtos, vídeos e páginas na Internet cujos nomes se apoiam à direita são mais valorizados do que aqueles que estão mais à esquerda.

Sugerido pela primeira vez em 2012 por Kyle Jasmin, do Instituto de Neurociência Cognitiva da Universidade College de Londres, e Daniel Casasanto, então no Instituto Max Planck de Psicolinguística, o efeito QWERTY teria surgido com a máquina de escrever. Quando o inventor Christopher Sholes criou sua primeira máquina em 1868 concebeu a distribuição do teclado para que as teclas mais usadas ficassem bem distribuídas e distantes do centro para evitar que o mecanismo travasse. Com o passar do tempo, a popularização primeiro das máquinas e depois dos computadores, o efeito QWERTY foi se ampliando.

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Jasmin e Casasanto conduziram uma série de experimentos para comprovar a sua ideia. Eles estudaram uma base de dados de 1.000 palavras em inglês avaliadas por voluntários como mais ou menos positivas, e viram que as que tinham mais letras no lado direito tendiam a ser melhor cotadas. O mesmo experimento também foi realizado com o espanhol, o holandês, o português e o alemão. Este último caso é importante porque o teclado alemão é um pouco diferente. O teclado QWARTZ mudou algumas letras de posição adaptando-se à frequência de utilização em alemão. Mas o mais importante é que tem quase tantas letras à esquerda do que à direita. No QWERTY, o lado esquerdo do teclado é mais povoado. Mas tanto em um como no outro, o lado direito ganha do esquerdo em emoções positivas.

"Minha abordagem para a hipótese do efeito QWERTY era cética, eu não podia acreditar que era possível", diz o pesquisador do Instituto Federal de Tecnologia de Zurique (ETH), David García. Junto com seu colega do Instituto Leibniz de Ciências Sociais (em Colônia, na Alemanha), Markus Strohmaier, García tem pesquisado até onde realmente chega o efeito QWERTY. "Queria comprovar se a tecnologia pode ter um impacto sobre essas coisas fundamentais como a forma de associar as palavras com significados", acrescenta.

O efeito QWERTY foi percebido em experiências em inglês, alemão, poruguês, holandês e espanhol

Para comprovar a força do efeito QWERTY, García e Strohmaier idealizaram uma forma de medição que não precisasse de milhares de pessoas escrevendo palavras e outras milhares as avaliando. Então foram para a Internet. Na rede há grandes plataformas com base nisso, as avaliações dos usuários da Internet. Os produtos do Amazon são avaliados por usuários, assim como os milhões de vídeos do YouTube, as 55.000 lojas e restaurantes que estão no Yelp, os mais de 300.000 filmes do Internet Movie Database (IMDb), os 150.000 livros do BookCrossing... assim até uma dúzia de páginas.Todas têm algum sistema para avaliar cada item.

Questionaram então se, controlando outras variáveis, tais como preço, novidade, número de vendas, etc, o nome do produto ou negócio poderia influenciar em sua avaliação. Comprovaram que o efeito QWERTY se manifestou em quase todas as páginas analisadas. "Ao final tive que me render às provas e aceitar que parece haver uma relação entre a forma como as palavras são digitadas e a nossa forma de avaliá-las", diz García, que acaba de apresentar seu estudo na conferência anual World Wide Web. "Esse é o resultado principal, em vários contextos de informações online, as coisas cujos nomes ou títulos têm mais letras no lado direito do teclado são avaliadas ligeiramente de forma mais positiva", afirma.

De fato, das 11 plataformas analisadas, todas mostram uma proporção de teclas à direita superior a 0,4. Não chega a 50%, mas é preciso levar em conta que das 26 teclas do teclado inglês em que se baseia o estudo (também acontece em espanhol e português), 15 estão localizadas no lado esquerdo e apenas 11 no direito. Assim, concentrando a maioria das teclas e algumas das letras mais comumente usadas, como o a, a margem esquerda é comparativamente menos usada para escrever palavras com significado emocional mais positivo.

Os pais em EUA nomeiam a seus filhos com nomes com maioria de letras do lado direito do teclado. Aqui, os 10 mais populares em 2014.
Os pais em EUA nomeiam a seus filhos com nomes com maioria de letras do lado direito do teclado. Aqui, os 10 mais populares em 2014.

No entanto, existem alguns desvios nessa relação para ajudar a compreender a possível relevância do efeito QWERTY. No Amazon, por exemplo, os produtos mais vendidos ou os que usam palavras especialmente escolhidas são menos afetados. "Parece que quando os nomes são menos espontâneos ou foram projetados para o marketing, o efeito desaparece", diz o pesquisador espanhol. "Além disso, produtos com palavras e letras pouco comuns têm um efeito mais suave, quase zero", acrescenta.

No Redtube, um dos sites de vídeos para adultos analisados, o índice de teclas é diferente. Aqui o efeito QWERTY é reverso, e os vídeos cujos nomes têm mais letras do lado esquerdo são os melhores avaliados. "É possível que as palavras que têm significado negativo em outros contextos sejam utilizadas com um sentido positivo no contexto dos vídeos para adultos", diz García.

Mais interessante é o caso do BookCrossing, a plataforma para compartilhamento de livros. Como tecnologia anterior à máquina de escrever e ao teclado, poderia delimitar as margens do efeito QWERTY. Em seu estudo, Casasanto e Jasmin descobriram que esse efeito era mais marcado quanto mais nova era uma palavra. A tendência geral que viram é que os termos positivos nascidos após a invenção de Sholes são, comparativamente, mais povoados de letras à direita.

"O BookCrossing é um conjunto menor de dados e não tem tanto potencial, mas é interessante que justamente esse seja o que não deu resultados. Parece que os livros, sendo produtos culturais mais antigos, já têm um valor avaliativo na sociedade anterior ao teclado. Não podemos esperar que o efeito apareça em todas as partes, mas é curioso que seja exatamente nos livros onde menos acontece", diz o pesquisador espanhol.

Para Casasanto, um dos descobridores do efeito QWERTY, tem sido uma grande satisfação que outros pesquisadores de fora do seu trabalho "tenham encontrado um amplo reflexo do efeito no mundo real". Entre as explicações para o fenômeno, uma possibilidade é a maior destreza que a maioria das pessoas tem com a mão direita. Isso tornaria mais confortável escrever com as teclas do lado direito, o que acabaria gerando mais carinho por elas. Mas o agora professor de psicologia na Universidade de Chicago acredita que na verdade existe algo mais psicológico e cultural do que essa explicação mecanicista.

"Há alguns anos nosso laboratório descobriu que as pessoas associam implicitamente os conceitos positivos com o lado da sua mão dominante e os negativos com a não dominante", diz Casasanto. E acrescenta que, "como 90% da população é destra, prevemos que, ao longo do tempo, a digitação deve mudar o significado das palavras: as que têm mais letras à direita se tornarão positivas e as à esquerda mais negativas. Isso é o que os nossos dados mostram em várias línguas, com palavras inventadas, letras simples ou os nomes dos bebês".

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