‘Amores livres’, ou os novos modelos de família ‘moderna’
Séries como a brasileira 'Amores Livres', da GNT, mostram que os laços afetivos e sexuais são experiências únicas e inclassificáveis
Minha filha Lena está um pouco cansada de ter que explicar no colégio que seu irmãozinho não é só “o filho da namorada do papai”. Às vezes, suas amigas a ajudam a esclarecer: “São um trio!” Outras vezes ela diz que sim, é isso. Desde que tornamos pública nossa relação a três e o nascimento de Amaru – filho biológico de meu marido e minha mulher, e filho tão meu como deles – é lógico que o foco seja colocado mais sobre nós e que os membros de nossa família tenham necessidade de explicar quem somos e, em outras ocasiões, de simplesmente seguir adiante.
A única anormalidade é a incapacidade de amar
Tenho recebido várias mensagens expressando interesse em nossa vida porque “há demanda por essas histórias”. Já sabemos que, quando padrões relativamente novos tornam-se visíveis, os mecanismos da tendência começam a funcionar. Num mundo em que as coisas se dividem entre as que estão em alta e as que estão em queda, o primeiro sinal de que estamos ante uma dissidência é que logo alguém a transformará em moda. As relações estabelecidas fora da monogamia não são uma exceção. Para elas, existe um belo leque de etiquetas: trios, poliamor, as ressuscitadas relações abertas e até as anárquicas. O abuso de rótulos e as modas aplicadas aos vínculos afetivos costumam ser perigosos. Um amigo escritor dizia num artigo recente que poliamor soava como um “polígono industrial”. “Por que tudo o que tem a ver com esse tema me cheira a lugares desordenados e tristes?”
Três mulheres brasileiras – uma empresária, uma gerente administrativa e uma dentista, que moram juntas e dormem na mesma cama – conseguiram registrar como união civil a primeira relação estável de três pessoas no Brasil. Na Tailândia, três homens gays se casaram, transformando-se no primeiro casamento triplo legal da história. A série documental Amores Livres (GNT/Rede Globo, que estreou em agosto de 2015) – sim, outra vez Brasil, o país com mais católicos do mundo – narra em seus episódios uma história de livres amores reais (swingers, amigos carinhosos e poliafetividades diversas) com altos índices de audiência. Graças a esses e outros casos, muitas pessoas agora sabem que existem pessoas atrás das anomalias, com nomes e sobrenomes, caras e pelos, trabalhos e crenças, famílias que, embora não sejam simples de compreender, amam e se configuram de uma maneira diferente do que a norma dita.
Embora brincadeiras maldosas sempre existam, de um tempo para cá os próprios círculos que praticam o amor livre direcionam, com um saudável sentido de humor, sua artilharia contra si mesmos. A humorista feminista Alicia Murillo já catalogou uma espécie como polimacho, “um sujeito que se infiltra nos círculos poliamorosos embora tenha namorada, mas que expulsa os outros caras da cama, protege o traseiro e espera que só nós, mulheres, nos liberemos sexualmente”. Murillo também trata de outro fenômeno que chamou com tom irônico de polirromântico: são as pessoas que “fazem um trio e já querem se mudar para a praia, ter filhos e que ninguém transe fora do grupo”, “monogâmicos com mais gente, enfim”, sentencia. Brigitte Vasallo, outra especialista na matéria, militante das relações não-monogâmicas, escritora e feminista, denuncia que também nesses universos supostamente libérrimos se reproduzem muitas vezes as mesmas dinâmicas patriarcais de ciúme e possessão.
O abuso de rótulos e as modas aplicadas aos vínculos afetivos costumam ser perigosos
Ante a aluvião de amores múltiplos, a partir de outro ângulo também aparecem legítimas tentativas de reinvenção. A “monogamia”, por exemplo, deu lugar ao monoamor, em que é o sentimento exclusivo e excludente, não o acordo, que governa o casal. Segundo os ativistas do Amor Libre Spain, um monogâmico diz a você “não estou com ninguém se você tampouco está”, enquanto um monoamoroso lhe diria “não quero estar com ninguém mais, mas não proíbo você de estar”.
A única anormalidade é a incapacidade de amar, dizia Anaïs Nin. Talvez não devamos esquecer que os laços afetivos e sexuais produzem experiências únicas e processos singulares. E que, como tais, são muitas vezes inclassificáveis. Essa é a verdadeira conquista da diversidade.
Gabriela Wiener é uma escritora, poeta e jornalista peruana e vive na Espanha.
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