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Coluna
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Primavera dos enganadores

A questão não é se os republicanos escolherão alguém habituado a dizer mentiras, mas qual será o tipo de enganação

Paul Krugman
Os candidatos do partido Republicano Marco Rubio (esq.), Donald Trump e Ben Carson, durante o debate da CNBC esta semana.
Os candidatos do partido Republicano Marco Rubio (esq.), Donald Trump e Ben Carson, durante o debate da CNBC esta semana.ROBYN (AFP)

Em um momento do debate republicano da última quarta-feira, perguntaram a Ben Carson sobre a sua relação com a Mannatech, uma empresa de suplementos nutricionais que faz afirmações malucas sobre os seus produtos e se viu obrigada a pagar sete milhões de dólares (27 milhões de reais) para chegar a um acordo, depois de ser questionada por práticas enganosas. O público começou a vaiar, e Carson negou ter qualquer relação com a empresa. As duas reações dizem muito sobre as forças motrizes que fazem funcionar a política americana.

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Acontece que Carson mentiu. Teve uma relação estreita com a Mannatech e fez muito para promover seus produtos. O site PolitiFact correu para qualificar sua afirmação de falsa, sem cerimônias. Mas as bases republicanas não querem ouvir falar do assunto, e o candidato parece acreditar, provavelmente com razão, que pode se limitar a negar descaradamente o que é evidente. Nesses momentos, no seu partido, ser um mentiroso não é nenhum inconveniente e pode até ser uma vantagem. E isso não vale apenas para os candidatos independentes como Carson e Donald Trump. Políticos de carreira como Marco Rubio participam de um tipo de enganação diferente, com mais estilo, e em parte se veem encorajados pelo modo como os enganadores degradaram a noção de respeitabilidade.

No que diz respeito ao fraudador: comecemos pelo nível mais baixo, no qual os comerciantes utilizam a afinidade política para vender planos para enriquecer rapidamente, curas milagrosas e outras coisas do gênero. É o caso de Carson, e ele é apenas o último exemplo de uma longa tradição. Como documentou o historiador Rick Perlstein, “a aliança estratégia de vendedores de fumaça e verdadeiros crentes conservadores” acontece há meio século. O envio direto de publicidade a endereços postais selecionados durante as campanhas políticas deu lugar ao correio eletrônico, mas o jogo é o mesmo.

Em um nível um pouco superior, encontram-se as campanhas publicitárias mais ou menos vinculadas ao que se faz passar por análise política. As advertências da direita sobre a hiperinflação iminente, unidas às petições de que voltemos ao padrão do ouro, foram ventiladas por personagens da imprensa como Glenn Beck, que utilizava seu programa para fazer publicidade da Goldline, uma empresa que vende moedas e barras de ouro a preços inflados. Evidentemente, Beck aprova Ted Cruz, que fez do regresso à era do ouro uma das suas propostas políticas mais características.

Ah, e o ex-deputado Ron Paul, que há décadas adverte sobre a inflação descontrolada e não se abala diante do fato de que isso ainda não se materializou, está muito envolvido com a venda de livros e vídeos que ensinam a nos protegermos do desastre financeiro que se avizinha. Em um nível ainda mais alto, continuam existindo operações que, em princípio, têm a ver com a atividade política, porém que parecem servir mais para gerar faturamento aos seus organizadores. Semana passada, o New York Times publicou uma reportagem investigativa sobre alguns comitês de ação política que coletam dinheiro em nome de causas conservadores antissistema. A reportagem deixa claro que a maior parte do valor que é recolhido por esses comitês acaba servindo para cobrir custos administrativos e os honorários dos consultores, e muito pouco é destinado ao seu aparente propósito. Por exemplo, apenas 14% do que gasta a Fundação de Liderança do Tea Party está “dedicado aos candidatos”.

Seria de se pensar que essas revelações seriam devastadoras do ponto de vista político. Mas o público alvo dessas estratégias sabe que os meios de comunicação majoritariamente liberais não são confiáveis, que quando contam histórias negativas sobre os heróis conservadores, fazem isso para calar os que realmente dizem a verdade. É um círculo vicioso informativo que é impossível de ser rompido. E muita gente vive fechada nesse círculo. Segundo os últimos cálculos, Carson, Trump e Cruz, juntos, contam com o apoio de aproximadamente 60% dos eleitores republicanos.

Além disso, o êxito dos enganadores tem um efeito profundo sobre o partido como um todo. Como disse, degrada a noção de respeitabilidade. Pensem em Rubio, que se converteu no candidato de mais destaque da convenção graças à má sorte de Jeb Bush. Houve uma época em que a insistência de Rubio em dizer que 6 bilhões de dólares em cortes de impostos seriam de alguma forma amortizados sozinhos fez com que ele parecesse pouco sério, principalmente por causa da maneira como o seu partido batia na tecla dos males do déficit orçamental. George W. Bush, durante a campanha de 2000, pelo menos fingiu repartir orçamentos de uma maneira convencional, devolvendo parte do superávit orçamentário previsto.

Mas as bases republicanas não se importam com o que a grande imprensa fala. De fato, depois do debate de quarta-feira, a internet estava cheia de comentários que afirmavam que John Harwood, um dos moderadores, mentiu sobre o plano tributário de Rubio. Não foi assim. E, em todo caso, Rubio parece sensato comparado com tipos como Carson e Trump. Logo, não é castigado pelas suas fantasias fiscais.

A questão é que não deveríamos nos perguntar se o partido Republicano terminará nomeando alguém acostumado a dizer mentiras, contanto que os fiéis do partido não percebam; mas qual será o tipo da enganação.

Paul Krugman é Nobel de Economia de 2008.

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