_
_
_
_
_

‘Mito Lula’ é sacudido por denúncias e rejeição ao seu nome aumenta

Busca e apreensão de documentos foi autorizada na casa do filho, Luís Claudio, na Operação Zelotes

Lula, em congresso dos Pequenos Agricultores.
Lula, em congresso dos Pequenos Agricultores.Ricardo Stuckert (Instituto Lula)

O ex-presidente Lula passou incólume pelo primeiro grande caso de corrupção do governo PT, o mensalão, em 2005, que levou à prisão de dirigentes históricos do partido, como Zé Dirceu e José Genoino. As investigações, naquele momento, não apontavam nenhuma ligação direta de Lula com o caso.

O cenário parece mudar com duas operações conduzidas pela Polícia Federal neste momento, que atingem o ex-presidente e sua família. Nesta segunda, a Operação Zelotes, que investiga lobby feito por montadoras de veículos, atingiu Luís Cláudio Lula da Silva, filho do ex-presidente. Luís Claudio, proprietário da LFT Marketing Esportivo, recebeu 2,4 milhões de reais em pagamentos da consultoria Marcondes & Mautoni, envolvida em esquema de compra de Medidas Provisórias que favoreceram o setor automotivo no final do Governo Lula. A MP 471, que estendia benefícios fiscais das montadoras, passou a vigorar no início de 2011. A PF autorizou a busca e apreensão de documentos na casa de Luís Claudio nesta segunda, segundo informações do jornal O Estado de São Paulo e O Globo. A PF não confirma.

A Operação Lava Jato também começa a incomodar o líder petista. Seu nome tem aparecido em algumas delações, embora nenhuma, até agora, que o confirme comprovadamente como autor de atos ilícitos. Na semana passada, tornou-se pública a delação do lobista e doleiro ligado ao PMDB, Fernando Antonio Falcão Soares, o Fernando Baiano. Ele afirmou que uma nora do ex-presidente teria sido beneficiada por propina de quase dois milhões de reais, numa intermediação feita pelo empresário José Carlos Bumlai, amigo de Lula. Baiano não soube apontar a qual das quatro noras do ex-presidente ele se referia. Em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo, Bumlai negou a história e disse que nunca intermediou dinheiro para algum familiar do ex-presidente, e que na verdade havia solicitado recursos a Baiano num momento de dificuldade de suas empresas.

Segundo o depoimento do doleiro do PMDB, Bumlai tinha pressa quando o procurou. Ele "estava sendo pressionado para resolver um problema", disse Fernando Baiano. O empresário, segundo ele, era cobrado por uma nora do ex-presidente Lula "para pagar uma dívida ou uma parcela de um imóvel".

Independentemente do resultado das investigações, a imagem intocada de Luiz Inácio Lula da Silva, sindicalista e fundador do maior partido de esquerda da América Latina sairá, no mínimo, arranhada

Desde julho, Lula também é alvo de uma investigação sobre tráfico de influências na Procuradoria Geral da República do Distrito Federal por supostamente favorecer a empreiteira Odebrecht. A Justiça busca indícios de que o ex-presidente ajudou a construtora a fechar negócios em países como República Dominicana, Gana, Cuba e Angola. Segundo a revista Época, Lula teria recebido dinheiro da Odebrecht para facilitar investimentos da empresa no exterior, durante e depois de seu governo. O esquema, segundo a revista, passava pela contratação de Lula como palestrante. Ele viajava a alguns países da América Latina, Caribe e África, bancado pela Odebrecht, para fazer palestras e aproveitava a viagem para negociar com outros chefes de Estado investimentos da empresa naquele país. Meses depois, o BNDES financiava as operações da Odebrecht para o país onde Lula havia estado.

No total, Lula teria recebido até quatro milhões de reais para facilitar os negócios da companhia. Por meio de nota, o Instituto Lula afirma que "o ex-presidente não recebe remuneração para defender empresas brasileiras, de qualquer setor, no exterior. Faz isso porque acredita na importância disso para o desenvolvimento do Brasil. Fez quando era presidente e continuará fazendo como ex-presidente". Lula também é acusado de ter entregue em 2011 ao então ministro do Desenvolvimento Fernando Pimentel uma carta de Cuba pedindo um financiamento do BNDES para pequenos produtores cubanos.

Mais informações
Pedro Campos: “Pagamento de propina na Petrobras transcende o PT e o PSDB”
Lula confirma seu retorno à arena política: “Voltei a voar outra vez”
Contra pressão do PT para tirar Levy, Dilma repete seis vezes que ele fica
Singer: “A democracia vai pagar um preço alto se o impeachment vingar”
Alvo da Lava Jato, agora Odebrecht é investigada por Arena Pernambuco
Lula vai a Brasília e volta à linha de frente de defesa de Dilma na crise
PT paralisado vê escalada da crise sem ‘mea culpa’ e panelaço contra Dilma
A Odebrecht e a imagem do Brasil no exterior
'O declínio do gigante brasileiro', por JULIO MARÍA SANGUINETTI

Defesa

O ex-presidente montou uma verdadeira estratégia de guerra para se defender contra as acusações em que se vê arrolado. No último dia 15, compareceu ao Ministério Público Federal, por iniciativa própria, para prestar depoimento sobre suas viagens ao exterior e as palestras financiadas pela empreiteira Odebrecht, cujo presidente Marcelo Odebrecht está preso. Disse que não se lembrava da carta a Pimentel, mas que "pode ter recebido e entregue" ao ex-ministro. Também afirmou que imaginava que a Odebrecht, que bancou sua viagem a Cuba, em fevereiro do ano passado, teria interesse em investir em usinas de etanol na ilha, mas que não sabia de nenhum pedido específico de financiamento do BNDES para o setor sucroalcooleiro daquele país.

Por meio de nota, a assessoria de imprensa do Instituto Lula afirma que o ex-presidente "nunca atuou como intermediário de empresas em contratos, antes, durante ou depois de seu governo". Também disse que nenhuma das noras do ex-presidente "recebeu, direta ou indiretamente, qualquer quantia ou favor do réu Fernando Baiano".

Pensando nos respingos da Operação Lava Jato em sua família, Lula determinou que fosse realizada uma auditoria informal dos bens dele e de todos os filhos e cônjuges. Para Pedro Ribeiro, cientista político da Universidade Federal de São Carlos (Ufscar), embora esta não seja a primeira vez que o nome de Lula aparece em notícias envolvendo denúncias, o desgaste que o PT vem sofrendo nos últimos meses corrobora para que a figura do ex-presidente não seja mais intocável como já foi em outro momento. E como as acusações estão vindo de diferentes lados, o PT e seu presidente de honra terão que lidar com o ônus de explicar cada uma dessas histórias.

Independentemente do resultado das investigações, a imagem mitificada de Luiz Inácio Lula da Silva, sindicalista e fundador do maior partido de esquerda da América Latina, já começa a ser sacudida. Segundo pesquisa do instituto Ibope realizada neste mês, 55% dos brasileiros não votariam no ex-presidente "de jeito nenhum", um salto quando comparado com os resultados de uma pesquisa de maio de 2014, que colocavam a rejeição ao seu nome em 33%. O número de pessoas que votariam hoje em Lula é de 23%, abaixo dos 33% registrado em maio do ano passado.

Como as acusações estão vindo de diferentes lados, o PT e seu presidente de honra terão que lidar com o ônus de explicar cada uma dessas histórias

Já é consenso no meio político que o arsenal de denúncias para manchar a imagem do petista alimenta um jogo de longa duração: após quatro derrotas sucessivas nas eleições presidenciais, a oposição ganha munição para que o eleitorado rejeite o PT em 2018.

Com Lula sob a mira da Justiça, os opositores parecem finalmente ter encontrado o caminho das pedras para o Palácio do Planalto. Num primeiro momento, a estratégia era desgastar a imagem da presidenta Dilma Rousseff, considerada um alvo político fácil, pelos seus erros de gestão. Mas, o temor do “Volta Lula” e o capital afetivo do mito com a população da baixa renda era um obstáculo constante, que começa a ser removido, pelo menos por enquanto.

Ainda que as acusações sejam todas falsas, como defende Lula e o PT, ambos terão de trabalhar duro se quiserem permanecer no poder em 2018.

Segundo Pedro Ribeiro, cientista político da Ufscar, é possível que agora Lula se afaste do Governo, assim como o PT vem fazendo, para tentar sair do centro dos holofotes. "Mas não sei até que ponto isso tem chance de êxito", diz. Para ele, Lula não pode simplesmente virar as costas para o Governo que ele mesmo elegeu. Ao mesmo tempo, Dilma não pode se desvencilhar totalmente de Lula. "É como um casal que tem um filho menor de idade: Você se separa, mas não pode se desvencilhar totalmente", diz. "O Lula e a Dilma têm um filho pequeno pra criar".

Mais informações

Arquivado Em

Recomendaciones EL PAÍS
Recomendaciones EL PAÍS
_
_