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AQUECIMENTO GLOBAL

O mundo sem abelhas polinizadoras

Vitais para alguns cultivos, ela desaparecem por causa das mudanças climáticas Especialistas propõem uma insólita migração assistida pelo ser humano para salvá-las

Manuel Ansede
Uma mamangaba comum se agarra a uma flor em Nottingham (Inglaterra).
Uma mamangaba comum se agarra a uma flor em Nottingham (Inglaterra).Jeremy Kerr

“Um mundo sem mamangabas seria silencioso, triste e mais pobre”, lamenta o biólogo Jeremy Kerr, referindo-se a esse tipo de abelha. “Muitas espécies de plantas entrariam em declínio, e os jardins e a agricultura da América do Norte e Europa sofreriam perdas econômicas. Não acredito que alguém não seja capaz de imaginar quantos prejuízos haveria”, continua. “Os tomates, por exemplo, dependem das mamangabas.”

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Kerr, da Universidade de Ottawa (Canadá), não está preparando um livro de ficção científica. Sua equipe acaba de constatar que o planeta fica pouco a pouco sem mamangabas, esses insetos polinizadores que pululam pelo campo em busca do néctar e em seu périplo intercambiam pólen entre as partes feminina de uma flor e as partes masculinas. Sem essa polinização, e a realizada pelas abelhas em geral e outros animais, não haveria reprodução vegetal. Não haveria frutos nem sementes. Um total de 35% da produção mundial de alimentos procede de cultivos que dependem dos polinizadores.

O biólogo e seus colegas pesquisaram 423.000 observações sobre mamangabas pertencentes a 67 espécies da Europa e América do Norte, feitas por diferentes especialistas e instituições durante mais de um século. Seu estudo revela que o aquecimento global está expulsando as mamangabas de muitas de suas zonas históricas. Os insetos desaparecem aos poucos do sul de sua antiga faixa de distribuição, mas não se mudam para o norte, como ocorre com outros animais afetados pelas mudanças climáticas – as mariposas, por exemplo. O habitat das mamangabas simplesmente míngua.

O biólogo Jeremy Kerr.
O biólogo Jeremy Kerr.U. Ottawa

“As regiões nas quais esses efeitos são piores, com perdas numa faixa de distribuição de até 300 quilômetros, estão no sul da Europa e da América do Norte. Lugares como a Espanha e o sul da França”, alerta Kerr. Seu estudo está sendo publicado nesta sexta-feira na revista Science.

As mamangabas desapareceram nas últimas três décadas da franja sul que ocupavam entre 1901 e 1974, quando o clima era menos cálido. “Tão somente nos últimos 35 anos as áreas que temos estudado se aqueceram entre dois e três graus”, observa o biólogo. “Nossos resultados sugerem que espécies como as mamangabas simplesmente não são capazes de se adaptar a essas mudanças; Estão desaparecendo”, adverte.

“Esses efeitos são independentes das mudanças de uso da terra e dos pesticidas”, ressalvam os autores na Science. O desaparecimento foi detectado também nas zonas sem agricultura nem polêmicos inseticidas como os neonicotinoides. Onde puderam, explicam os cientistas, as mamangabas escalaram as zonas mais altas, uns 300 metros em média.

A Espanha é um dos países mais afetados, com perdas da faixa de distribuição de 300 km para o sul

Na Espanha, a equipe de Kerr empregou dados de Leopoldo Castro, um professor de inglês de um instituto de Teruel que, em seus “momentos livres”, se transformou em um dos principais estudiosos das mamangabas na península ibérica. Tem umas 2.000 em sua casa, pertencentes a 40 espécies presentes na península. Além do mais, Castro é autor do livro Riesgo Climático y Atlas de Distribución de los Abejorros Europeos (Risco Climático e Atlas de Distribuição das Mamangabas Europeias”, uma obra recém-publicada que também alerta para a ameaça a esses polinizadores.

“Um bicho só encontrado a partir dos 2.000 metros de altitude em área mediterrânea tem muito pouca margem de sobrevivência. Se sobe pelo calor, fica sem território”, afirma Castro.

Kerr faz uma proposta ousada para salvar as mamangabas, que vai além da redução das emissões de CO2 para deter o aquecimento global. O professor canadense propõe “uma migração assistida”, ou seja, extrair de seu habitat natural as colônias ameaçadas e levá-las a regiões menos cálidas no norte. “Isso nunca foi tentado em escala continental nem para um grupo grande como este, mas chegamos ao ponto no qual é necessário discutir a questão.”

O caso das mamangabas, porém, dificilmente pode ser extrapolado para outros insetos, segundo José Ramos Obeso, catedrático de Ecologia da Universidade de Oviedo. “As mamangabas são muito particulares, são polinizadores característicos de climas frios. Nos trópicos, as abelhas em geral são mais diversificadas, mas a maior diversidade de mamangabas aparece no Himalaia”, explica Obeso, que desconhece o novo estudo. As outras abelhas, afirma ele, só podem voar com temperaturas acima dos 13 graus. As mamangabas, por sua vez, podem empreender o voo a partir de dois graus.

As mamangabas preferem climas mais frios, nos trópicos há mais diversidade de abelhas

O ecólogo, diretor da Unidade Mista de Pesquisa em Biodiversidade em Mieres (Astúrias), já mostrou em 2013 que as mamangabas da cordilheira Cantábrica estavam distribuídas numa faixa maia alta, em resposta a um aquecimento regional de 0,8 graus nas últimas duas décadas. Duas espécies, a Bombus cullumanus e a Bombus laesus, se extinguiram localmente. O novo estudo da Science “é muito valioso para estabelecer pautas em escala global do que já sabíamos para determinados lugares da Europa e América do Norte”, segundo Obeso.

O trabalho de Kerr, no entanto, deixa uma lacuna, na avaliação do pesquisador espanhol: por que as mamangabas fogem do sul e não colonizam novos lugares mais ao norte?” Há uma hipótese muito clara. Para colonizar elas têm que encontrar suas fontes de alimento, as plantas que elas polinizam, mas os vegetais não se deslocam na mesma velocidade”, conjectura. Essa hipótese obrigaria a planejar muito bem a migração assistida defendida por Kerr.

O inimigo das mamangabas talvez não seja exatamente o calor, mas os parasitas, especula o ecólogo espanhol. “As mamangabas em lugares de maiores temperaturas apresentam mais parasitoses, embora isso, por ora, seja só uma hipótese”, reconhece.

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Documento: 'Climate change impacts on bumblebees converge across continents'

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