Pratos do dia: coxinha, caviar, bacon
Picolé de chuchu, esquerda caviar, panelaço, processos que terminam em pizza... O dia em que passei a ficar com fome lendo sobre política nas redes sociais
Talvez porque eu viva de dieta constantemente me pego pensando em comida quando acompanho as discussões políticas nas redes sociais. O menu atende a todos os gostos: um debate que começa com “PT isso” ou “PSDB aquilo” invariavelmente evolui para um amplo cardápio gastronômico que me faz salivar: coxinhas (reaças), (esquerda) caviar, (governador) picolé de chuchu, (impeachment) é meu (z)ovo... No final, para arrematar, o de sempre: pizza. Estômago roncando à parte, não consigo deixar de me perguntar: quando o debate político passou a se resumir a uma lista dos pratos do dia?
Nada contra usar referências culinárias no dia a dia. Eu mesma recorro à técnica nas conversas com amigos à mesa do bar. E, verdade seja dita, não é tão difícil assim inventar algumas gastrogírias toscas. Homem bacon, por exemplo, é como eu poderia me referir àquele cara lindo e irresistível, mas que evito porque faz um mal danado ao coração. Já o homem salada é aquele que todo mundo acha ótimo, você sabe que vai te fazer bem, mas que graça tem?
O que me incomoda é a sensação de infantilização da nossa época. Meses atrás, chego à academia de ginástica e, para a minha surpresa, encontro os instrutores fantasiados de super heróis. Era o dia da minha primeira consulta nutricional e, em uma salinha, tentava manter a seriedade enquanto ouvia a nutricionista vestida de Mulher Maravilha me dar um sermão sobre como eu deveria cortar doces e frituras (adeus, homem bacon!) se quisesse emagrecer. “Você tem que se decidir: quer ser gostosa ou quer encher a cara de cerveja?”, me indagou, com ar sério. Desconcentrada demais pelo suor que brotava debaixo da peruca de nylon da nutricionista, perguntei o porquê das fantasias. “As pessoas precisam de heróis”, me respondeu. Ok, até concordo com a afirmação. Mas sou de uma geração cujos heróis morreram de overdose – e não foi de whey protein. Ainda incrédula, duvidei da encenação e fiquei até o fim da consulta à espera do momento em que a falsa Wonder Woman revelaria a câmera escondida e gritaria: "Pegadinha!". Não foi o que aconteceu.
Não tenho nada contra usar referências culinárias no dia a dia. O que me incomoda é a sensação de infantilização da nossa época. Precisa mesmo desenhar?
Na mesma época, li uma notícia sobre uma animação que se tornou viral na internet ao usar uma metáfora envolvendo uma xícara de chá e um bonequinho para explicar que não significa não: em resumo, o locutor explicava que quando alguém não quer uma xícara de chá, não se deve insistir. A campanha contra violência sexual era genial. Mas chegamos mesmo ao ponto em que é preciso desenhar para fazer com que as pessoas entendam a diferença entre sim e não? É sério mesmo?
Veja bem, não me oponho a acrescentar um pouco de humor às discussões sérias. Como jornalista, não disfarço minha satisfação quando leio matérias bem apuradas, equilibradas e bem escritas, mas que ainda tragam no título trocadilhos inteligentes. Mas, às vezes, tenho a impressão que viramos crianças grandes – ou adultolescentes, como dizem por aí. Se não gostamos do que lemos, lá vem a releitura do menu insosso: coxinha, esquerda caviar, direita pão com ovo, mimimi, vai pra Cuuuuba, e por aí vai. Vamos fazer assim então: devolve a minha bola que eu vou embora do play. Mas antes, um desabafo: ainda não engulo o emprego dado a uma iguaria tão gostosa quanto a coxinha. Com o perdão do trocadilho.
Marina Novaes é jornalista no EL PAÍS Brasil. Não tem nenhum livro publicado, mas é gente fina.
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