“O crescimento na América Latina vai do sul ao norte”
Economista do BID diz que na América Latina uns países pisam no freio e outros não
As últimas previsões do FMI reduziram as perspectivas de crescimento para a América Latina. A expansão regional será de apenas 0,9%, principalmente por causa da debilidade do mercado de matérias primas, e três de suas principais economias (Brasil, Argentina e Venezuela) entraram em recessão. No entanto, José Juán Ruiz, economista chefe do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) alertou na 31ª Reunião do Círculo de Economia, realizada recentemente em Sitges (Barcelona), que enquanto alguns países acionam o freio, outros pisam no acelerador.
Pergunta. Há duas velocidades diferentes de crescimento na América Latina?
Resposta. Sempre pensamos nas sete grandes economias, mas há 26 países, com diferentes níveis de desenvolvimento e de exposição aos quatro grandes impactos que condicionam as economias emergentes. O grande pincel não serve para pintar o que acontece em todo o continente. Há dois grandes grupos de países: os que crescem e os que estão em recessão. Venezuela, Argentina e Brasil, que reúnem 51% da economia da região, estão em crise. Os 49% crescem a uma taxa média de 3,4%.
A China é o grande mercado dos países do sul; para o norte é os Estados Unidos”
P. Quais são esses quatro impactos?
R. O primeiro é o lento crescimento da economia mundial, que é assimétrico: os EUA crescem mais e Europa e Japão menos, enquanto a China já não se expande a 10%, mas a 6,5%. Segundo, a queda do preço do petróleo, dos alimentos e dos minerais; terceiro, as expectativas de crescimento de taxas nos Estados Unidos, e quarto, um dólar mais forte.
P. E por que o impacto é desigual?
R. O sul [Chile, Colômbia, Peru, Argentina e Brasil] é formado por países exportadores de commodities (matérias primas), enquanto que o norte é importador de energia e alimentos. Alguns fecham o superciclo das commodities e outros agora veem como isso os ajuda. O crescimento está indo de sul a norte no continente. Por outro lado, a China é o grande mercado dos países do sul, enquanto que para o norte é o Estados Unidos. Uma grande parte do PIB da América Central vem do turismo e das remessas de imigrantes. Se os Estados Unidos voltarem a crescer em taxas elevadas, os que vivem nesse país terão melhores trabalhos e enviarão mais dinheiro. Em El Salvador, por exemplo, as remessas são 18% do PIB.
P. Essa crise será diferente daquelas que esses países sofreram anteriormente?
Os ajustes não podem ser feitos ao custo de reverter os avanços sociais”
R. Há países que criaram instituições e regras para serem mais previsíveis – como Chile, Colômbia, México e Peru –, enquanto que o ciclo de outros é mais volátil, porque suas instituições são mais frágeis ou porque têm menos credibilidade com os mercados. Em uma crise dos anos 80 ou 90, o prêmio de risco saltava 600 pontos. Desta vez, o Brasil, com todos seus problemas de crescimento e inflação, teve um crescimento de nove pontos básicos no seu prêmio de risco no conjunto dos emergentes.
P. Isso tudo é mérito das reformas?
R. Quando aconteceu a desaceleração econômica, o Governo permitiu que o banco central atuasse de forma independente, e o Ministério da Fazenda anunciou um programa de ajuste fiscal para que o superávit primário retorne aos 2% em dois anos. Há capacidade de resposta institucional, e essa é a grande mudança da América Latina em relação ao passado.
P. Necessitarão de ajustes orçamentários drásticos?
Venezuela, Brasil e Argentina estão em crise; o resto cresce a uma taxa média de 3,4%”
R. Não, porque estão em uma melhor posição e o tipo de mudança absorve parte dos ajustes. E embora tenham um grau de impacto, a rapidez de resposta os torna mais digeríveis. A última década, de modernização social, mostrou que não há oposição entre a eficiência e a equidade. O Lula do Bolsa Família, mas também do superávit primário e da conta corrente, é o modelo que a América Latina considera como seu.
P. O crescimento implicou uma redução da desigualdade?
R. Sim. De dez pontos [medidos pelo coeficiente Gini]. A pobreza caiu de 30% para 21% e a população que vive com renda entre quatro e dez dólares diários é de 45%. Gente que não é de classe média, mas também não é pobre. E isso condiciona a forma como serão feitos os ajustes. Serão menos intensos porque os desequilíbrios são menores, as instituições são mais fortes e porque eles não podem ser feitos ao custo de reverter os avanços sociais de uma década. Na América Latina, não há a possibilidade de outra década perdida.
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