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Propaganda do Boticário testa o risco de tomar uma posição no Brasil

"Se está na sociedade, deve estar na publicidade”, diz publicitário Washington Olivetto

Gil Alessi
Casal homossexual em propaganda da Gol.
Casal homossexual em propaganda da Gol.Reprodução

O vídeo de 30 segundos da propaganda do O Boticário com casais homossexuais, que foi ao ar na TV na semana passada, comprou uma briga com homofóbicos e ultraconservadores nas redes sociais. No dia de hoje, ou se é contra ou a favor do reclame. De olho em um público com alto poder aquisitivo — casais gays têm, proporcionalmente, renda média mensal superior à de casais heterossexuais, segundo o censo do IBGE —, a empresa de cosméticos não recuou, apesar das críticas nas redes, e ainda lançou uma campanha em sua página do Facebook para avaliar de perto a reação das pessoas sobre a sua estratégia de comunicação.

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Há poucas semanas, a empresa aérea Gol também lançou uma campanha ousada, abordando o dia das Mães de casais homossexuais com filhos. Os vídeos ficaram restritos ao YouTube, o que manteve a polêmica controlada. O Boticário, por sua vez, veiculou sua propaganda na TV aberta, provocando reações conservadoras. O pastor evangélico ultra-conservador Silas Malafaia, que lidera cruzadas anti-gay e anti-aborto, foi um dos primeiros a criticar a campanha, e conclamou, também em vídeo, um boicote à empresa. Depois, em entrevista à Folha de S. Paulo, ele comparou o homossexualismo a um crime: a pedofilia. Estimulados por uma de suas principais lideranças, telespectadores religiosos denunciaram a campanha ao Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária – o conselho de ética da entidade tem até 45 dias para decidir se retira a propaganda do Boticário do ar -, e uma batalha de 'curtidas' e 'descurtidas' tomou conta do vídeo no YouTube (até o momento eram 300.000 gostei contra 170.000 não gostei).

Fernando Quaresma, presidente da Associação da Parada LGBTT de São Paulo, vê a iniciativa da marca com bons olhos. “Claro que ela está querendo ganhar consumidores, empresa não é movimento social”, diz. Mas para ele, O Boticário ajuda “a comunidade gay ao levantar esta bandeira, coisa que poucas empresas fazem”. Quanto às críticas feitas à propaganda, Quaresma afirma que “quando a pessoa vive em comunidade, ela precisa respeitar toda a diversidade, inclusive a religiosa”.

Com menos alarde a fabricante de equipamentos eletrônicos Motorola também lançou uma campanha voltada para a Parada Gay de São Paulo, que acontece neste domingo na avenida Paulista. Além de instalar totens com sinal de Internet sem fio no local durante o ato, a marca divulgou em sua conta no Instagram um vídeo apoiando a Parada – inclusive com um logotipo com as cores do arco-íris, símbolo do movimento LGBTT.

“A conquista e ampliação de direitos se dá pelo consumo”, afirma Marcelo Cerqueira, presidente do Grupo Gay da Bahia, um dos mais antigos do país. Ele cita o exemplo da comunidade homossexual dos Estados Unidos, que segundo ele “patrocina campanhas políticas e compra produtos apenas de empresas que apoiam a causa. “Estamos de mãos dadas [com O Boticário], no consumo e nos direitos”. Segundo Cerqueira, “a sociedade está mudando, e crucificar uma empresa por acompanhar o trem da história é não entender isso”.

Para o publicitário Washington Olivetto, há uma “total e enorme hipocrisia” em torno do comercial do Boticário, e lembra já ter passado por algo parecido em sua carreira, mas "como não tinha Internet na época a repercussão foi menor. E olha que foi no final dos anos de 1970!".

Se vitoriosa na veiculação da propaganda —o primeiro teste serão as vendas do Dia dos Namorados, o Boticário será também uma das poucas marcas a brigar contra um preconceito no Brasil. “A publicidade dificilmente pode ser vanguarda da sociedade”, diz Olivetto. “Ela deve estar colada no para-choque traseiro da vanguarda, sempre. Se está na sociedade, deve estar na publicidade”. E a população gay definitivamente existe no Brasil.

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