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“Prestígio de Eduardo Cunha sai abalado e perde poder de barganha”

Para o cientista político David Fleischer o presidente da Câmara ainda tem muito poder

Gil Alessi
Davi Fleischer, cientista político da Universidade de Brasília.
Davi Fleischer, cientista político da Universidade de Brasília.Divulgação

Eduardo Cunha (PMDB-RJ) sentiu nesta terça-feira pela primeira vez o sabor da derrota desde que se tornou presidente da Câmara dos Deputados, em fevereiro deste ano. Até então o parlamentar vinha colecionando uma série de êxitos contra o Governo de Dilma Rousseff, do qual ele se tornou um dos maiores antagonistas. Esta semana Cunha tratorou a comissão especial que discutia a reforma política e levou para o plenário da casa votar os pontos que ele considerava importantes – como o distritão e a constitucionalização das doações empresariais de campanha.

Não deu certo. Apesar de ter deixado o plenário dizendo que não se considerava derrotado, o presidente da Câmara trabalhou nos bastidores para que os pontos fossem aprovados. Para o cientista político David Fleischer, da Universidade de Brasília, Cunha, que possui sua própria bancada na casa, subestimou o pragmatismo dos deputados: “Muitos temeram que não se reelegeriam com as novas regras”.

Pergunta. Como as derrotas sofridas por Cunha impactam seu poder na Câmara?

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Resposta. O Cunha jogou seu prestigio nessa medida e perdeu. Ele avaliou de forma equivocada o poder de articulação política do Governo, e a quantidade de votos que o PT e outros políticos da base conseguiriam arregimentar.

P. O PMDB registrou algumas traições na votação...

R. O problema é que com o distritão defendido pelo presidente da casa, muitos deputados temiam que seriam derrotados na reeleição. Isso desequilibrou as forças na votação, porque a reeleição é a preocupação máxima de um político. E quando alguém quer mudar as regras eleitorais, eles imediatamente avaliam sua situação. Essa é a chave do enigma para entender a derrota de Cunha: os deputados questionam se isso vai ajudar ou prejudica-los. É pragmatismo puro.

P. O distritão poderia prejudicá-los?

R. O problema do PMDB é que inicialmente eles agarraram o distritão achando que isso favoreceria o partido, achando que elegeriam mais peemedebistas. Mas a realidade em cada Estado é diferente. Em alguns pode ser que a composição de eleitos para a Câmara Federal se mantivesse, mas que na assembleia estadual o número de eleitos caísse. É uma questão delicada.

P. Dá para dizer que o poder de Cunha na Câmara pode ‘derreter’?

Essa é a chave do enigma para entender a derrota de Cunha: os deputados questionam se isso [distritão] vai ajudar ou prejudica-los. É pragmatismo puro.

R. A derrota é pontual. Ele ainda tem considerável poder na Câmara. O presidente da casa tem o poder exclusivo de determinar a agenda. Se a Lava Jato carregar ele para baixo, revelando maracutaias e eventuais propinas que ele tenha recebido, isso pode esvaziar o prestigio e o poder dele. Por enquanto a sua bancada supra-partidária ainda o apoia. O prestígio dele sai abalado, e agora ele tem menos poder de barganha para conseguir aprovar os outros pontos da sua reforma, mas de qualquer forma ele continua muito poderoso no legislativo.

P. Os desenvolvimentos da Lava Jato podem isolá-lo?

R. O Severino Cavalcanti (PP) é um exemplo de presidente da Câmara que foi envolvido em um caso de corrupção [conhecido na imprensa como o mensalinho] e perdeu o poder totalmente. Sua situação na casa se tornou insustentável, ele ficou sem todos os seus apoios e precisou renunciar à presidência e até ao seu mandato.

P. A proposta que incluiria na Constituição a doação empresarial também foi arquivada. O ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes analisa há mais de um ano um projeto que impede a doação corporativa de campanha. A decisão do Legislativo coloca pressão na corte para que retome a votação?

R. O Supremo vai ser forçado a passar por cima do Gilmar para finalizar a votação. A maioria do plenário pode exigir a devolução. Isso é raro, mas pode ocorrer. A corte agora terá que judicializar uma questão política e declarar as doações de empresa como ilegais [a maioria dos ministros já votou favoravelmente à proibição]. O plenário pode exigir a devolução do projeto, pode ocorrer. Mendes sempre disse que isso era uma matéria do Legislativo. Agora que a Câmara votou, ele precisará agir.

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