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Opinião
Texto em que o autor defende ideias e chega a conclusões basadas na sua interpretação dos fatos e dados ao seu dispor

O que a Grécia conseguiu

Como pano de fundo do drama grego há uma economia europeia que, apesar das cifras positivas, ainda dá a impressão de estar caindo numa armadilha deflacionária

Duas moedas de um euro, uma delas cunhada na Grécia, fotografadas diante do parlamento alemão, em Berlim.
Duas moedas de um euro, uma delas cunhada na Grécia, fotografadas diante do parlamento alemão, em Berlim.EFE

Na semana passada, depois de muito teatro, o novo Governo da Grécia chegou a um acordo com seus credores. No começo desta semana os gregos deram alguns detalhes sobre o modo pelo qual pretendem cumprir as condições. Então, como foi?

Bem, se levássemos em conta muitas das notícias e artigos de opinião publicados nos últimos dias pensaríamos que foi um desastre; que foi uma "rendição" por parte do Syriza, a nova coalizão que governa em Atenas. E parece que algumas facções do próprio Syriza também pensam assim. Mas não é verdade. Pelo contrário, a Grécia saiu-se bastante bem nas negociações, embora as grandes batalhas ainda estejam por vir. E, ao se sair bem a Grécia, fez um favor ao resto da Europa.

Para encontrar sentido no que aconteceu é preciso entender que a controvérsia mais importante tem a ver com uma só cifra: a magnitude do superávit primário da Grécia, a diferença entre as receitas e os gastos públicos, sem contar os juros da dívida. O superávit primário mede os recursos que a Grécia transfere de fato a seus credores. Todo o resto, inclusive o valor nocional da dívida — que neste momento é uma cifra mais ou menos arbitrária, que incide pouco na quantia que se espera que a Grécia pague — só tem importância na medida em que afete o superávit primário que a Grécia se vê obrigada a assumir.

O fato de que a Grécia tenha um superávit — dada a crise com proporções de depressão em que está afundada e o efeito dessa depressão sobre as receitas — é um êxito extraordinário, consequência de incríveis sacrifícios. Não obstante, o Syriza sempre deixou claro que tem a intenção de continuar acumulando um pequeno superávit primário. Se ficam incomodados que as negociações não tenham deixado margem para a abolição completa da austeridade, uma guinada para o estímulo fiscal keynesiano, é que não estavam prestando atenção.

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Na realidade, a pergunta era se a Grécia se veria obrigada a impor ainda mais austeridade. O Governo grego anterior tinha concordado em aplicar um programa que triplicaria o superávit primário nos próximos anos, o que teria um custo imenso para a economia e os cidadãos gregos.

Por que qualquer Governo aceitaria algo assim? Por medo. Na essência, os sucessivos dirigentes da Grécia e de outros países devedores não se atreveram a questionar as exageradas exigências dos credores por medo de serem castigados (de que os credores lhes deixassem sem financiamento ou, ainda pior, afundassem seu sistema bancário caso se mostrassem resistentes a cortes orçamentários cada vez mais drásticos).

Então, o atual Governo grego recuou e concordou em tentar alcançar esses superávits demolidores para a economia? Não. De fato, a Grécia conseguiu para este ano uma flexibilidade que não tinha, e a forma de referir-se aos superávits futuros é pouco clara. Talvez possa significar algo como nada.

E os credores não fecharam a torneira. Ao contrário, puseram à disposição da Grécia um financiamento que lhe permitirá avançar durante os próximos meses. Por assim dizê-lo, controlaram a Grécia com rédeas curtas e isso significa que a grande batalha sobre o futuro ainda não aconteceu. Mas o Governo grego não consentiu que o expulsasse a chutes e isso é, por si só, uma espécie de vitória.

A que se deve então tanta informação negativa? Para falar a verdade, a política fiscal não é o único problema. Também havia e há debates sobre coisas como a privatização dos bens públicos, sobre a qual o Syriza concordou em não revogar os pactos já assinados, e a regulação do mercado trabalhista, onde parece que serão mantidas algumas das “reformas estruturais” da época da austeridade. O Syriza também concordou em punir com dureza a evasão fiscal, embora me escape a razão pela qual arrecadar impostos parece ser uma derrota para um Governo de esquerda.

Mesmo assim, nada do que acaba de acontecer justifica essa retórica do fracasso que se impôs. De fato, minha impressão é que estamos assistindo a uma infame aliança entre os analistas de esquerda com expectativas pouco realistas e a imprensa empresarial, que gosta da história da derrota grega porque isso é o que supõe que aconteça com os devedores arrogantes. Mas não ocorreu nenhuma derrota. Ao menos por enquanto a Grécia parece ter posto fim ao ciclo de austeridade cada vez mais desumana.

E como disse, com isso a Grécia fez um favor ao resto da Europa. Lembremos que como pano de fundo do drama grego há uma economia europeia que, apesar das cifras positivas que registra ultimamente, ainda dá a impressão de estar caindo numa armadilha deflacionária. A Europa em seu conjunto necessita desesperadamente acabar com a loucura da austeridade e esta semana houve alguns indícios ligeiramente positivos. Em especial, que a Comissão Europeia decidiu não multar a França e a Itália por ultrapassarem seus objetivos de déficit.

Impor essas multas teria sido uma loucura dada a realidade do mercado; a França pode obter empréstimos de cinco anos com uma taxa de juros de 0,002%. Isso mesmo, 0,002%. Mas vimos muitas loucuras similares nos últimos anos. E é preciso perguntar se a história grega teve algo a ver com esse surto de sensatez.

Enquanto isso, o primeiro devedor real que se rebelou contra a austeridade começou com o pé direito, embora ninguém acredite. Como se diz em grego: “Tranquilos, e adiante”?

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