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Opinião
Texto em que o autor defende ideias e chega a conclusões basadas na sua interpretação dos fatos e dados ao seu dispor

Francos, pânico e absurdos

Suíços passaram décadas cuidando da fortaleza da sua moeda e agora pagam por isso

Paul Krugman
Suíços fazem fila em frente de uma casa de câmbio em Genebra.
Suíços fazem fila em frente de uma casa de câmbio em Genebra.

Ah, Suíça, famosa por seus relógios e moeda forte. Pede que outros países experimentem políticas econômicas radicais, mas não existem surpresas com os suíços.

Até que elas existam. Na quinta-feira, o Banco Nacional Suíço, equivalente à Reserva Federal, surpreendeu o mundo financeiro com dois golpes, ao abandonar a sua política de vincular o franco suíço ao euro e, ao mesmo tempo, baixar a taxa de juros que paga pelas reservas bancárias até alcançar um valor negativo, – 0,75%. Em seguida, começou a tempestade nos mercados.

E há bons motivos para sentir um arrepio de medo, mesmo se nossas finanças não forem afetadas diretamente pelo valor do franco. A razão é que as tributações monetárias da Suíça são uma ilustração em miniatura da dificuldade que é escapar do turbilhão deflacionário que está arrastando a maior parte da economia mundial.

O que precisam entender é que as regras habituais da política econômica mudaram quando eclodiu a crise financeira de 2008; entramos em mundo paralelo do qual não conseguimos sair. Em muitos casos, as virtudes econômicas viraram vícios: a disposição para economizar virou um obstáculo para o investimento; a probidade fiscal é um caminho para a estagnação. E no caso dos suíços, o fato de serem conhecidos pela segurança dos seus bancos e a fortaleza da sua moeda converteram-se em uma grande responsabilidade.

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Funcionou assim: quando a Grécia deu início à crise financeira, no final de 2009, e outros países foram submetidos a uma enorme pressão, o capital em busca de um refúgio seguro começou a ser derramado na Suíça. Isto, por sua vez, disparou o franco suíço, o que teve um efeito devastador para a competitividade da indústria suíça e esteve a ponto de afundar o país - que já tem inflação e taxas de juros muito baixos - em uma deflação similar à japonesa.

De forma que os responsáveis pela política monetária suíça fizeram todo o possível para enfraquecer a sua moeda. Pode-se pensar que é fácil desvalorizar a sua moeda - basta imprimir mais notas, certo? -, mas em um mundo que acaba de passar por uma crise, isso não é nada fácil. Imprimir mais notas e encher os bancos com elas não serve para nada; o dinheiro fica lá e nada mais. Os suíços tentaram um método mais direto: vender francos e comprar euros no mercado internacional, e no processo adquiriram uma enorme quantidade de euros. Mas nem isso funcionou.

Então, em 2011, o Banco Nacional Suíço tentou uma tática psicológica. "A atual e enorme supervalorização do franco suíço", declarou, "representa uma grave ameaça para a economia suíça e nos expõe ao risco de nos colocar no caminho da deflação". Portanto, anunciou que fixaria um valor mínimo para o euro – 1,20 francos suíços – e que, para respeitar esse mínimo, estava "disposto a comprar moedas estrangeiras em quantidades ilimitadas". O que o banco esperava, sem dúvida, era que traçar essa linha vermelha limitaria o número de euros que de fato teria que comprar.

E durante três anos a tática funcionou. Mas, na quinta-feira, os suíços de repente renunciaram a ela. Não sabemos o motivo exato; ninguém que eu conheço acredita na explicação oficial: que se trata de uma resposta ao enfraquecimento do euro. Mas parece provável que uma nova onda de capital em busca de refúgio faça com que o esforço de manter o franco desvalorizado acabe custando caro demais.

Na minha opinião, os suíços acabam de cometer um grande erro. Mas, sejamos francos – francos? –, o destino da Suíça não é o verdadeiro problema. O que importa de verdade é a demonstração de como está difícil lutar contra as forças deflacionárias que agora afetam grande parte do mundo (não apenas a Europa e o Japão, mas muito possivelmente também a China). E apesar de a trajetória dos Estados Unidos ter sido muito boa durante os últimos trimestres, seria tolice supor que o país está imune.

Isso nos diz que é muito, muito importante não ficar próximo demais da beira da deflação; alguém pode entrar nela, e então é extremamente difícil sair. Esta é uma das razões pelas quais cortar drasticamente o gasto público quando a economia está mal é uma ideia ruim: não apenas pelo custo imediato que aparece em forma da perda de postos de trabalho, mas também porque aumenta o risco de se ver preso em uma armadilha deflacionária.

É também um dos motivos pelos quais a cautela é necessária ao subir as taxas de juros quando a inflação está baixa, mesmo sem acreditar que a deflação seja algo iminente. Agora mesmo, as pessoas sérias – as mesmas que, de forma equivocada, decidiram que 2010 era o ano de esquecer o emprego para se preocupar com o déficit – parecem estar chegando ao consenso de que a Reserva Federal deveria começar a subir os juros em breve. Mas por quê? Não há nenhum indício de aceleramento de inflação nos dados atuais, e os indicadores da inflação prevista pelo mercado estão caindo, o que indica que os investidores consideram que há riscos de deflação, embora a Reserva não os veja.

E concordo com o mercado na sua preocupação. Se a recuperação dos Estados Unidos perder força, seja por contágio dos problemas do exterior ou porque nossas variáveis fundamentais não são tão sólidas quanto acreditamos, é muito fácil que a restrição monetária acabe sendo um ato de absoluta loucura.

Foi o que aprendemos com os suíços. Temos que tomar cuidado; passaram gerações protegendo a fortaleza da sua moeda e agora estão pagando o preço.

Paul Krugman é prêmio Nobel de Economia e professor de Economia da Universidade de Princeton.

© The New York Times Company, 2015

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