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A recessão se sente na fábrica

A contração da economia argentina ainda é menos grave que nas crises de 2008 e 2012

Alejandro Rebossio
Protesto em Buenos Aires por demissões na empresa de autopeças LEAR.
Protesto em Buenos Aires por demissões na empresa de autopeças LEAR.Ricardo Ceppi

Eram seis horas da manhã de quarta-feira passada no norte de uma Buenos Aires invernal. Centenas de operários e estudantes universitários desafiavam o frio tomando mate e com pneus ardendo que bloqueavam a rua que dá acesso à fábrica da empresa americana de autopeças Lear, que despediu 140 operários em maio. Ameaçavam bloquear também a Rodovia Pan-Americana, mas centenas de policiais a protegiam. Depois de três horas de tensão, uma caravana de 25 carros bloqueou de surpresa quatro das cinco vias de saída de Buenos Aires. Ficaram ali por mais de uma hora, causando um congestionamento de seis quilômetros, e foram embora com uma multa.

Esse foi o último protesto no setor automotivo e de autopeças, cujas fábricas suspenderam temporariamente 12.000 operários das linhas de montagem (eles ainda recebem 75% do salário) e demitiram 500 da produção de componentes. A Argentina está em recessão desde o fim de 2013. Entre abril e junho deste ano caíram a indústria, a construção e o comércio. Mas a recessão ainda é mais leve que a debacle argentina de 2001 e 2002 ou o impacto da crise mundial de quatro anos atrás. Será preciso ver o efeito de uma eventual suspensão do pagamento da dívida na quarta-feira. Nesse dia vence o prazo dado pela Justiça dos EUA para o pagamento dos “fundos abutres” que rejeitaram uma reestruturação da dívida.

Um dos militantes de esquerda opostos ao Governo de Cristina Fernández de Kirchner que protestavam na quarta-feira era Roberto Amador, de 35 anos, pai de um filho, despedido em maio junto com outros 66 operários da empresa alemã Gestamp. “A produção tinha baixado um pouco depois de bater recordes, mas começaram a robotizá-la”, explicava Amador. Seus companheiros dispararam um rojão enquanto ele recordava os cinco dias durante os quais ocuparam a Gestamp, que na semana passada suspendeu as atividades porque a Volkswagen, sua cliente, também fez isso. Amador agora vive da solidariedade de deputados e militantes e de seu ofício de ferreiro: “Compro o necessário, nada de roupa, já não encho o chango (carro) do supermercado”.

A inflação é de 32,2% e a média dos aumentos salariais formais, 29,7%

A passos dali, na lama que separava a rua da rodovia, estava Daiana Álvarez, de 23 anos, uma das 57 despedidas em janeiro de outra fábrica alemã de autopeças, a Kromberg & Schubert. “Demitiram-nos por baixa produção, mas naquela época não havia baixado”, conta Álvarez, que conseguiu duas decisões da Justiça para anular sua demissão. Enquanto espera que a Kromberg & Schubert a reincorpore, vive da indenização: “Gasto o mínimo, para carregar o Sube (cartão para o transporte público), comer e pronto. Não pego empréstimos”.

Mais adiante, militantes levavam cartazes que diziam: “Enquanto os ianques nos roubam com a dívida, seus patrões abutres querem deixar 200 famílias na rua”. Entre eles, professores portenhos que estiveram em greve durante todo o mês de março e voltaram a parar um dia há duas semanas. “Deram-nos um aumento baixo”, conta Marina Alonso, professora de 48 anos. A inflação é de 32,2% e a média dos aumentos salariais formais, 29,7%. “Também paramos porque o Governo portenho (kirchnerista) não destinou mais fundos para a infraestrutura. Minha escola está cheia de buracos, há tetos caídos, há cortes de luz e água e faltam cadeiras”, relata essa professora de uma escola de um bairro pobre. “Não vejo tanta deterioração na situação das famílias dos alunos, que vivem da bolsa universal por filho”, que aumentou 40% este ano, “mas sim na dos trabalhadores formais, que antes já tinham de fazer contas para que o salário chegasse ao fim do mês”, opina Alonso.

“As pessoas que vão ao supermercado não chegam ao dia 15 do mês, as que vêm ao Mercado Central chegam ao 40”, gaba-se o vice-presidente dessa feira de alimentos frescos, Alberto Samid. “Há uma diminuição do consumo: as pessoas ganham o mesmo que ganhavam, mas os preços aumentaram. Não se vende como há seis meses e isso dos abutres nos faz mal, as pessoas esperam antes de investir”, lamenta Samid.

Em sua casa no bairro portenho da Illia, Sandra García, feirante de 48 anos, com três filhos e dois meninos sob seus cuidados, montou um restaurante comunitário chamado Un Nuevo Comienzo (Um Novo Começo). Em 50 minutos de entrevista, 40 moradores recolhem 168 refeições doadas por outro restaurante. “Vem mais gente que no ano passado”, assinala García, que na feira mantém suas vendas de alfajores, mas vê que se vende menos roupa. “Os 100 pesos de antes equivalem agora a 10”, diz, referindo-se à inflação. Vizinhas a ajudam no restaurante, como Karina Moya, de 37 anos e mãe de três filhos. “Uma boliviana me encomendava bonecas, mas este ano já não há encomendas”, lamenta Moya.

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