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“Parece que vivemos em um estado de exceção”, diz a jovem agredida no metrô

A estudante de 24 anos afirma que não se surpreendeu de ter sido socada por um segurança O funcionário foi demitido

A estudante Joana, que foi agredida no metrô.
A estudante Joana, que foi agredida no metrô.A.B.

O dia 24 de junho era para ser especial para Joana, nome fictício de uma jovem estudante de biologia da Universidade de São Paulo que também trabalha com a educação ambiental de crianças. Nesse dia, ela festejaria com amigos seu 24º ano de vida, não conseguiu. Foi nessa data que ela ficou conhecida por aparecer na internet em um vídeo em que é a protagonista, caída no chão de uma estação do metrô de São Paulo com o nariz ensanguentado.

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Joana, corpo de esgrimista, desarmada, tentou ingressar no metrô sem pagar nada. Foi socada por um homem que era pelo menos duas vezes maior do que ela, quase um pugilista. Esse cidadão passou por cursos de autodefesa e imobilização, vestia um colete a prova de balas e portava um cassetete. Era um segurança da Via Quatro, a administradora da linha amarela do metrô paulistano.

Aquele que era para ser um dia feliz, já começou errado para Joana. Ela acordou um pouco atrasada e teve de tomar seu suco verde rapidamente, antes de percorrer uma hora e meia em três conduções da sua casa, na zona oeste, até o trabalho, na sul. Correu para não chegar muito tarde. Tomou um ônibus até a estação Butantã, na linha amarela do Metrô, e colocou dez reais em créditos no seu Bilhete Único (o cartão que permite usar o transporte público paulistano). Quando foi passar pela catraca, porém, o equipamento travou. Pediu orientação a um funcionário da estação que disse para ela ligar para um 0800 da empresa que carrega o bilhete na máquina.

“Eu estava sem tempo. Ia me atrasar para meu trabalho e as crianças iam ficar me esperando. Pensei em comprar um bilhete comum e depois resolver isso, mas a fila estava enorme. Foi quando avisei o funcionário que iria pular a catraca”. E pulou.

Assustado esse funcionário se comunicou com três seguranças, que tentaram impedir que a estudante se locomovesse até a plataforma de embarque. Conversaram em um tom agressivo, a imobilizaram com as mãos para trás e, enquanto ela se debatia e gritava, um típico escândalo, um dos funcionários desferiu um murro no seu rosto.

A sociedade, principalmente de São Paulo, está muito sem paciência. É uma violência gratuita

Joana ficou inconsciente por um breve momento. Vários usuários sacaram seus telefones celulares e começaram a filmá-la caída no chão, desnorteada e com sangue escorrendo pelo nariz. Alguns xingaram o segurança, que foi rapidamente retirado do local por seus colegas.

“Não esperava ser agredida. Mas não me surpreendeu”. Por qual razão alguém iria agredi-la? “A sociedade, principalmente de São Paulo, está muito sem paciência. É uma violência gratuita”.

O dia atípico da jovem estudante não acabou por aí. Enquanto um tumulto inicia, alguém liga para a polícia. Os policiais chegam e Joana é socorrida no ambulatório da estação. Lá, segundo sua versão, ela é orientada a assinar um documento dizendo que se preferia ir para a delegacia a ser levada para um hospital.

“Imaginei que seria levada como vítima porque tomei um soco no rosto. Mas logo um policial começou a me revistar e entrei na delegacia como uma infratora”, disse ao EL PAÍS durante uma entrevista exclusiva de aproximadamente duas horas ao lado de uma estação de metrô, no centro.

Na mochila dela, os policiais dizem ter encontrado 3,4 gramas de maconha, o suficiente para fazer mais ou menos três baseados (cigarro da droga). Por causa disso, foi registrado um termo circunstanciado com três infrações: vias de fato (agressão), porte de drogas e fraude. As penas dos três crimes somadas totaliza, em caso de condenação, cinco meses de detenção e/ou prestação de serviços comunitários.

“Se eu soubesse que seria agredida, jamais teria pulado aquela catraca. Mas ainda acho que o segurança deve ter algum problema psicológico para agredir alguém daquela maneira”, afirmou. Para Joana, a violência que a polícia demonstra rotineiramente contra manifestantes nas ruas chegou ao subsolo paulistano. “Parece que vivemos um estado de exceção”.

Agora, a jovem, politizada e vaidosa, espera dois resultados que podem mudar sua vida. Um é o da investigação policial contra ela e o outro o do exame ortodôntico para avaliar se terá algum problema, já que alguns de seus dentes ficaram moles após o soco. Além disso, um advogado de Joana prepara uma ação judicial com pedido de compensação financeira pelo dano sofrido.

Demissão

O agressor, que não teve o nome divulgado, foi punido, mas não criminalmente. Uma semana após a agressão, a Via Quatro anunciou por meio de uma breve nota, que demitiu o segurança por considerar a atitude de seu funcionário inaceitável. A empresa, porém, não respondeu a uma série de questionamentos feitos pela reportagem, entre eles, sobre como é feito o treinamento de seus funcionários.

Já o Metrô, que concedeu esse serviço a um grupo privado, informou que há uma comissão responsável por avaliar o andamento das concessões e permissões públicas, mas não disse se esse caso será avaliado pela companhia. Reafirmou também que o segurança foi demitido. A Via Quatro e o Metrô não disseram se haverá uma intensificação no treinamento de seus servidores.

Linha custou 3,4 bilhões de reais

A linha 4 Amarela foi uma das primeiras Parcerias Públicos Privadas do Brasil. Custou cerca de 3,4 bilhões de reais, 70% do valor pago pelo Estado de São Paulo e o restante pelo grupo que administra o ramal. Liderada pela empresa CCR, o consórcio que forma a Via Quatro tem outras cinco companhias.

Apesar de questionados pela reportagem, nem o Metrô nem a Via Quatro informaram qual o valor mensal repassado pelo Estado ao consórcio pelo gerenciamento dos nove quilômetros de extensão. Pelo contrato, a maior parte do pagamento dos tíquetes é entregue à Via Quatro.

A única informação é que cerca de 700 mil pessoas por dia usam o serviço de metrô nas seis estações da linha. Parte ingressa diretamente nessas estações, pagando os três reais da passagem, e outra parte migra das outras três linhas do metrô, da Companhia de Trens Metropolitano e de ônibus.

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