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ENTREVISTA | TARSO GENRO, GOVERNADOR DO RS

“A segurança e o transporte popular são a chave da campanha eleitoral”

Para o governador gaúcho, um dos fundadores do PT, essas duas questões serão cruciais

O Governador do Rio Grande do Sul, Tarso Genro.
O Governador do Rio Grande do Sul, Tarso Genro.Caco Argemi/Palácio Piratini

As placas tectônicas no Brasil estão em forte movimento, o que tem feito os partidos repensarem suas estratégias para se comunicar com uma sociedade muito menos tolerante às velhas mazelas do país, como ficou comprovado desde junho de 2013. Para o governador do Rio Grande do Sul, Tarso Genro, um dos principais expoentes do Partido dos Trabalhadores, acompanhar essa ebulição social é o único caminho para que o próximo presidente, ou presidenta, possa governar a contento. "Seguranca e transporte se tornaram vitais", observa ele, que ocupou três ministério durante o Governo Lula (Justiça, Educação, e Relações Institucionais, além de titular da Secretaria Especial do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social).

Dar uma resposta convincente ao eleitor exige capacidade para reconhecer os erros do próprio partido que está no poder, com Dilma Rousseff. "O PT, com esse tempo que está no poder, se tornou democrático, pragmático, progressista, mas deixou de ser um partido com capacidade transformadora, de responder à utopia democrática de uma forma mais profunda. Hoje o PT tem que se reciclar", avalia. Concorrendo à reeleição ao cargo de governador, Genro trabalha, ainda, para quebrar a tradição do seu Estado de nunca reeleger um governador.

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Pergunta. Quais os grandes desafios do Brasil que você enxerga hoje?

Resposta. A grande questão que se coloca para países como o Brasil hoje, os BRICS em geral, é como que os seus modelos de desenvolvimento recebem a globalização. Porque ela tanto pode ser um impulso econômico e social em determinadas circunstâncias e em outras pode trazer para dentro do país as suas próprias instabilidades. Um país como o Brasil, que tem imensos recursos naturais, um vasto território, uma capacidade produtiva extraordinária, tem condições de receber esse processo de uma maneira virtuosa, mas nem sempre de maneira equilibrada. Estamos em uma fase que começou com a Constituição de 1988, que eu chamo de reestruturação da nossa sociedade de classes. Temos outros sujeitos sociais, novos desejos e o Estado tem novas responsabilidades para assumir.

P. Quais são essas questões?

R. Quatro fundamentalmente: a reorganização do pacto federativo, à beira do esgotamento; como reestruturar o financiamento do desenvolvimento em um país que tem uma responsabilidade com a dívida pública enorme. E ainda, qual reforma política fazer, que é chave para o próximo período e por último, as grandes questões das regiões metropolitanas, particularmente a questão de segurança pública e a questão do transporte popular, mais do que a mobilidade urbana, transporte popular.

P. Mas modificar esses dois pontos demanda uma verdadeira revolução. Estamos num momento em que se estão vivendo linchamentos de pessoas. É algo complicado, não?

R. Há duas leituras possíveis desse fenômeno, uma é a que a grande mídia faz esse fenômeno, destinada politicamente a atemorizar a classe média e deslocar parcelas da população para uma saída conservadora. Portanto é um grande processo de manipulação da informação no Brasil como se nós estivéssemos à beira de uma crise revolucionária ou à beira de um caos social incontrolável. Isso é falso. Os índices de criminalidade e os problemas sociais não aumentaram. Eles estão estabilizados ou diminuíram. Se você vai examinar nas grandes regiões metropolitanas, os índices de insegurança são mais ou menos os mesmos de 20 anos atrás, de 15 anos atrás ou de 10 anos atrás.

Os índices de criminalidade e os problemas sociais não aumentaram. Eles estão estabilizados ou diminuíram

P. Então o que mudou?

R. Hoje existe uma mobilização social nessas grandes regiões metropolitanas que coloca novos sujeitos demandantes que inclusive atemorizam essa classe média a respeito a sua situação de instabilidade. A outra leitura é a seguinte: na escala de necessidades, para estruturar um estado social de direito para o Brasil essas demandas... de segurança e de transportes se tornaram vitais. Nós temos pleno emprego, a gente exige mais, e não é viável para o trabalhador uma viagem de três horas para trabalhar. Depois uma viagem de três horas para voltar para casa. Essas novas exigências, na verdade, se originaram dessas mudanças, então existe sim uma instabilidade social e política no país e coloca sujeitos novos e também respostas novas e é isso que está em jogo no processo eleitoral.

P. Mas é possível fazer uma mudança radical nos próximos quatro anos?

R. Não, não é possível. É possível traçar diretrizes e começar grandes políticas que deem confiança para a população de que a mudança começou e não criar a ilusão de que essas questões são solúveis em quatro ou oito anos. Até porque essas mudanças serão mais lentas porque hoje existe uma crise mundial, não é uma crise só do país. O Brasil continua crescendo, continuamos próximos do pleno emprego, nós continuamos no rumo do desenvolvimento econômico, mas já em taxas menores. O próximo presidente ou presidenta, vai ter que dizer para a população: "estamos iniciando um novo ciclo" e propor um novo pacto político. Isso tem que ser feito criando mecanismos de participação das pessoas, através das redes, de conselhos setoriais, de plenárias deliberativas públicas sobre grandes políticas pública, para que seja reduzida essa distância entre o Estado e a sociedade, separados por barreiras burocráticas.

Nós temos pleno emprego, mas as pessoas exigem mais: não é viável para o trabalhador uma viagem de três horas para trabalhar

P. Você fala com o discurso que sempre encantou os eleitores do PT. Como torná-lo realidade?

R. Primeiro através de uma profunda mudança que o Partido dos Trabalhadores tem que ele mesmo fazer para desenhar uma nova estratégia política para o próximo período. O PT, com esse tempo que está no poder, se tornou um partido democrático, pragmático, progressista, mas deixou de ser um partido com capacidade transformadora, de responder à utopia democrática de uma forma mais forte, mais profunda, mas respeitável perante a sociedade. Hoje o PT tem que se reciclar. Eu integro uma visão - que não é dominante no partido, embora tenha um respaldo bastante grande - de que é preciso, não retornar à suas origens, mas ele tem que buscar nas suas origens a sua atualização, o que é completamente diferente. No início era um partido corporativista sindical, orientado por uma elite intelectual particularmente da universidade de São Paulo. Foi muito positivo naquela época. Hoje a questão é outra. É como governar o estado de direito para se transformar em estado social, numa relação de diálogo para produzir políticas públicas com a nova frente política, com a nova unidade política. Aí entra a questão das alianças, que hoje refletem arranjos regionais de interesses local e regional. E não uma visão de nação. O PT tem que pautar isso para o próximo período.

P. A presidenta também partilha dessa visão de que é preciso voltar às origens?

R. A presidência tem de ser produto desse processo. O partido no governo da presidenta Dilma não criou uma personalidade suficientemente forte para dar sustentação a ela, e também para interferir nos rumos do governo. Ficou como partido notarial, registrador. Ele tem de se religitimar, perante a própria presidenta, para interferir e fazer propostas.

É possível traçar diretrizes e começar grandes políticas que deem confiança para a população de que a mudança começou e não criar a ilusão de que essas questões são solúveis em quatro ou oito anos

P. Todas as lideranças políticas concordam sobre a necessidade de uma reforma política. Se é consenso, por que não anda?

R. Te respondo com uma pergunta. Por que o governo português e o governo espanhol foram meros repassadores da política do Banco Central alemão? Por falta de maioria política para resistir e buscar outras alternativas. Eu enviei [como ministro da Justiça] uma reforma política ao Congresso durante o governo Lula com a proibição de financiamento privados de campanhas, alianças verticais para acabar com a relação oligárquica regional da política brasileira e a proibição de transferência de tempo de televisão para evitar as siglas vendedoras de tempo de TV e uma cláusula de barreira que reduzia o número de partidos para 11. Nós mandamos e tivemos resistência até dentro da nossa bancada do PT. A ampla maioria dos parlamentares que estão aí se elegeram através das deformidades do sistema político e não por suas ideologias ou programas. Ou se faz uma reforma política ou nós vamos chegar a um determinado momento em que vai haver um cerco dos movimentos sociais, dos intelectuais, dos sindicatos e inclusive de parte da classe empresarial por uma constituinte que reorganize o sistema político do país.

P. O que mudou no Brasil para que agora as pessoas saiam na rua e faça protestos?

R. Primeiro, a sociedade de classes não é mais a mesma. Temos, hoje, novos sujeitos sociais originados da inclusão social de setores extremamente pobres que passaram a comer e ir para a escola. Esta mudança gerou no país um novo tipo de movimento em que o conflito não é mais de classe contra classe, no seu sentido tradicional. Há muito tempo você já não vê mais aquelas greves importantes de operários. Podem haver greves pontuais, mas nenhuma como as que ocorriam nas décadas de 70, 80. Os conflitos hoje são deste novo contingente sobre o Estado. Querem que o Estado lhes diga o que vai proporcionar agora. E o Estado que está aí é despreparado para fazer estas reformas. Não só em função da natureza dos compromissos que o Estado tem, como sua dívida pública o pagamento da rolagem, como também com compromissos assumidos e necessários para responder a dramáticas situações (crise financeira internacional) às quais nós estamos respondendo bem. É esta transição que está em jogo na sociedade brasileira. Acho que a minha presidenta está entendendo isto, mas é necessário que isto fique claro, que a presidenta, ou do presidente eleitos, cheguem na posse e digam: 'agora nós temos esta e esta tarefa'. E, para mim, a segurança e o transporte público nas regiões metropolitanas são a chave do que chamamos de revolução democrática do Brasil.

Aqui no Brasil tem um terço da população que jamais votaria no Lula, na Dilma, na esquerda

P. Essas são as duas chaves, assim como foi a estabilidade para Fernando Henrique, e a inclusão social para o governo Lula?

R. O modelo que eu chamo carinhosamente de 'Lulodesenvolvimentista' já se realizou. E a sua realização propõe novas demandas e novas políticas. A situação de pleno emprego, por exemplo, que vivemos em nosso país. O que ela fez? Encheu de gente as regiões metropolitanas, que têm sistemas de transporte, saúde e segurança insuficientes para dar conta de um atendimento minimamente digno a estas pessoas, como na grande São Paulo, a grande Salvador, Recife ou Rio de Janeiro. Nestas grandes regiões metropolitanas existem situações que estão próximas de uma inconformidade radical, questão de segurança nacional. Então o governo tem de responder, de forma rápida e dura, dizendo: 'vai ser feito isto em tal período'. Tem de se dialogar com estes novos sujeitos. A ampla maioria deles está disposta ao diálogo, mas desde que se tenham respostas concretas.

P. A presidenta tem uma rejeição de 30% nas pesquisas. Como reverter o desgaste de 12 anos do PT no governo?

R. Tem de se renovar. Reacender as esperanças em propostas que apontem para o futuro e não apenas legitimem o passado. Toda sociedade democrática tem um contingente da população que é de direita ou de centro-direita, embora conviva bem com a democracia. Quando a sociedade amadurece mais, mais se classifica no sentindo de compor uma estrutura de classe média definida, mais esta direita aparece de uma maneira organizada. É o que está acontecendo no país, aqui tem um terço da população que jamais votaria no Lula, na Dilma, na esquerda.

P. É o mesmo de sempre?

O Rio Grande do Sul tem esta tradição de rebeldia política interna, que cria uma resistência aos governos seja de que partido for

R. É o mesmo de sempre, é claro que há resistência em determinado ponto de vista maior e em outros menor. Num momento de uma certa movimentação social e estabilidade social no país, este contingente se agrupa mais. E uma pequena parte dele até começa a pensar em tentações totalitárias. Mas não é significativo. É um eleitorado que resiste às teses fundamentais da esquerda e que se incomoda inclusive com o progresso social de contingentes grandes da população. Eu já vi gente nos aeroportos se irritar por ter pobre andando de avião. E setores da classe média superior e até alguns empresários dizerem que o bolsa família é um incentivo à vagabundagem. Mas não acho que isto aí seja significativo para a eleição da Dilma. Acho que significativo é o fato de ela ter mantido, em meio à crise, 40%, 37% (das intenções de voto). A situação está desenhada dentro de uma situação política positiva e acho que ela tem todas as condições de ganhar esta eleição.

P. E como está a sua disputa para reeleição a governador?

R. Reproduz mais ou menos o que ocorre no país. Aqui no Rio Grande do Sul, tradicionalmente, tem uma polarização entre esquerda e centro esquerda e centro direita e direita. Isto vai ocorrer nesta eleição. Tem uma candidata [Ana Amélia] que não vem propriamente da esfera da política, vem da esfera da comunicação. É uma pessoa conhecida e que representa muito bem estes setores mais conservadores. E uma pessoa que tem boa fala. Vai ocorrer um grande debate. Nós vamos, nitidamente, ter aqui um debate programático de fundo, onde o que vai ser colocado para a população é o seguinte: a população quer retornar ao governo Yeda Crusius ou Antônio Brito, mais característicos da direita ou centro-direita? Ou quer continuar com esta proposta desenvolvimentista de diálogo popular amplo, como o que nós estamos fazendo?

P. O Rio Grande do Sul tem a tradição de não reeleger governadores. O que explica esta característica tão pendular dos eleitores?

O que nós temos de fazer é colar o governo estadual e o governo federal para nos alimentarmos reciprocamente

R. Aqui não tem uma hegemonia definida. As eleições aqui são muito marcadas ideológica e programaticamente, ora os projetos de um lado ou do outro possuem mais possibilidades de execução em função do compartilhamento nacional ou não. Isto influi no pensamento do eleitor. De outra parte, o Rio Grande do Sul tem esta tradição de rebeldia política interna, que cria uma resistência aos governos seja de que partido for. Nesta eleição, isto está um pouco diferente. Vou dar um exemplo concreto: ontem nós encerramos a consulta, via internet, sobre o orçamento público do Estado. Isto aí, somado a participação em voto e em plenárias diretas, dá para o sistema de participação do Estado a participação de 1,2 milhão de pessoas. No ano passado, 174.000 participaram. Isto é uma mudança radical, significa uma consciência crescente de grande parte da população de que eles têm condições de produzir e interferir politicamente sobre os caminhos do Estado. De outra parte, existem também números que apontam que o Estado está numa situação diferente de antes.Vínhamos crescendo menos que o País, a metade. A partir de 2012, começou a crescer o dobro do país ou bem mais.

P. Em 2010, a presidenta foi derrotada no Rio Grande do Sul. Qual estratégia ela deve adotar para vencer no Estado?

R. O governo da presidenta Dilma tem uma aprovação de 54% no Estado. O meu governo tem uma aprovação de 52%, uma boa aprovação, e rejeição é a metade disto. O que nós temos de fazer é colar o governo estadual e o governo federal para nos alimentarmos reciprocamente. Nas eleições anteriores, houve um certo equívoco de análise do staff do partido, que sustentava que a colagem da presidenta Dilma com a nossa campanha iria prejudicá-la pelo fato de o Rio Grande do Sul ser polarizado. Foi uma estratégia, eu diria, infantil, de quem não conhece o Estado. O que houve foi que eu me elegi no primeiro turno e a presidenta não chegou aos 50% [no Rio Grande do Sul]. Eu presumo que isto vai ser corrigido.

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