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O dia do paraíso paulistano

Há poucas coisas mais importantes na vida de alguém do que ver com impotência a sua própria vida escapar dentro de um carro

Antonio Jiménez Barca
Trânsito habitual no centro de São Paulo.
Trânsito habitual no centro de São Paulo.BOSCO MARTÍN

Quinta-feira passada, dia do jogo entre Brasil e Croácia, em São Paulo, um taxista feliz explicava a um cliente que a manhã tinha começado perfeita: um sol de outono, uma brisa suave, um jogo memorável em poucas horas...

Como, além disso, era feriado (em dias de jogo do Brasil o Governo decreta ponto facultativo nas cidades que acolhem a partida), o motorista apontou para as avenidas desimpedidas, as pessoas correndo calmamente na ciclovia, uma mãe passeando com o bebê no carrinho, e exclamou, ainda mais sorridente, numa espécie de desabafo existencial:

– Hoje, São Paulo é o paraíso.

Era verdade: nesse dia a cidade mostrava um rosto doce que em outros dias esconde.

Nem é preciso ir muito longe: dois dias antes, na greve dos metroviários, São Paulo registrou um engarrafamento enorme, inimaginável para quem não é daqui. A palavra é a mesma, mas acreditem quando lhes digo que um congestionamento em São Paulo não significa o mesmo que em Madri ou Paris. Em São Paulo há sete milhões de veículos, incluindo carros, caminhões, ônibus e motocicletas. Nos últimos anos, a nova e pujante classe média brasileira foi incentivada a comprar carros, mas as obras de infraestrutura para absorver os novos veículos não seguiram em paralelo. Na verdade, os muito ricos se deslocam de helicóptero nesta megacidade de onze milhões de habitantes.

Na terça-feira, dia do Grande Engarrafamento Deste Mês, teve gente que levou três horas para chegar ao trabalho e mais três horas para voltar para casa. Uma senhora que falava sobre isso num jornal brasileiro exclamou: “Passei mais tempo indo e vindo do que trabalhando; isso é um absurdo”.

Contemplar a cidade da janela de um carro nesse dia às seis da tarde, em horário de pico, tinha algo de apocalíptico: as ruas pareciam cimentadas com carros, batalhões de carros surgiam em cada rua, de cada avenida, de cada garagem. Todas as vias da cidade se encontravam bloqueadas, com muralhas de veículos detidos. Havia milhares de carros bufando, mas ninguém buzinava, dando a entender que todos já se acostumaram a esta fatalidade.

Há alguns meses, em um artigo sobre o futebol brasileiro na The New Yorker, um morador de São Paulo assegurava haver estudos que preconizam que, a continuar nesse ritmo, dentro de vinte anos acontecerá um congestionamento definitivo, que deixará a cidade paralisada para sempre. Só os muito ricos em seus helicópteros revoarão de lá para cá nessa tarde final.

Por isso, não surpreende a ninguém que o estopim dos protestos contra a Copa que sacudiram o país há um ano tenha sido um aumento mínimo na tarifa do insuficiente transporte público das cidades brasileiras. Tampouco que a mobilidade urbana será um dos temas cruciais nas próximas eleições, em outubro. Quando se vive um congestionamento com as dimensões colossais como as que se deram aqui na terça-feira, compreende-se que há poucas coisas mais importantes na vida de alguém do que ver com impotência a sua própria vida escapar dentro de um carro parado.

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