O fenômeno Joaquim Barbosa
O ministro se encaminha ao banco dos reservas num momento em que todos se engalfinham pela camisa de titular
Se já era espantosa a capacidade do presidente da Suprema Corte de ocupar o centro das atenções, o anúncio na última quinta-feira da sua aposentadoria imediata reforçou substancialmente o seu poder e a sua magia.
O mistério em torno dos reais motivos que o levaram a interromper uma fulgurante carreira, as versões logo divulgadas – inclusive supostas ameaças de morte – tudo contribui para alimentar a magistral perícia deste magistrado para surpreender e empolgar.
A opção pela renúncia é, em si, uma formidável alavanca para produzir admirações. Num ambiente marcado pela ambição desmedida, cobiça exorbitante e sofreguidão pelo poder, o simples gesto de abdicar e abrir mão contrasta vivamente com a legião de mãos sorrateiras, prontas para apoderar-se de tudo.
Barbosa conhece a dinâmica do sebastianismo, o magnetismo exercido pelos encobertos, o fascínio dos sumidos. Escolheu o ostracismo como proteção e reforço. Espontaneamente, encaminha-se ao banco dos reservas num momento em que todos se engalfinham pela camisa de titular. Numa paisagem marcada pelo desgaste das lideranças e a evaporação das idéias-força, Barbosa prefere recolher-se para lustrar o capital acumulado.
O horizonte sombrio sugere incertezas, trepidações, fissuras e até rupturas. Não apenas aqui ou no nosso entorno, mas também nos laboratórios do hemisfério norte e nos acervos do Velho Mundo. Os indícios fornecidos no último domingo pelo pleito europeu se avolumam e ganham relevância na medida em que a galeria de lideranças -- independente das colorações partidárias – converte-se em mostruário de nulidades e insignificâncias. As exceções vão por conta de Angela Merkel (interessante mix de pragmatismo, moderação e racionalidade) e Vladimir Putin (com apetite, treino e instinto para audácias), o restante do time de chefes de governo é deplorável: David Cameron, François Hollande e Mariano Rajoy são medíocres, canhestros, o recém-chegado Matteo Renzi ainda não rodou o suficiente para mostrar atributos.
O quase ex-presidente do STF sabe que o nível dos competidores dá dimensão aos torneios, por isso deve aguardar desafios mais qualificados. Na arena do STF seria compelido a desgastar-se com embates menores. Prefere preservar-se. E, periodicamente, fazer intervenções surpreendentes. Tem calibre, saber e senso de oportunidade para cultivar esperanças e expectativas.
Joaquim Barbosa entrou em cena por vontade alheia, o presidente Lula queria um negro na corte suprema. Em apenas onze anos, o ilustre desconhecido tornou-se o mais visível e respeitado chefe do Judiciário de todos os tempos. Diz o que pensa, faz o que lhe dita a consciência e o dever cívico e, como se não bastasse, consegue irradiar sua imagem e mensagens para grande parte da população, sem dispor de qualquer máquina partidária, midiática ou empresarial.
É um fenômeno.
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