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Identificadas sete casas clandestinas usadas por torturadores na ditadura

Áreas eram cedidas por civis que apoiaram o regime militar entre 1964 e 1985. Outros dez centros são pesquisados como possíveis locais de agressões contra oposicionistas

Um estudo feito a pedido da Comissão Nacional da Verdade descobriu que a ditadura brasileira manteve em vários Estados sete centros clandestinos de tortura. Nesses locais ao menos 58 pessoas foram vítimas de agressões ou assassinatos praticados por agentes do Estado. Não eram quartéis ou delegacias, mas áreas cedidas por civis que apoiavam o regime militar.

Esse número pode saltar para pelo menos 17 até o fim do ano, quando deve ficar pronto um relatório que está sendo elaborado pela equipe da historiadora Heloísa Starling, professora da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Os dados foram apresentados em São Paulo nesta segunda-feira, durante uma audiência da comissão.

Nem todas as informações da Comissão da Verdade são novas, algumas delas já constam em livros como a série sobre a ditadura militar elaborada pelo jornalista Elio Gaspari. É a primeira vez, porém, que se sistematiza as áreas clandestinas onde ocorriam as torturas contra opositores ao Governo da época. Até então, alguns poucos lugares eram conhecidos, como a casa da morte de Petrópolis (no Rio de Janeiro), onde o coronel Paulo Malhães admitiu no fim do mês passado que matou várias pessoas, e a Casa Azul de Marabá, no Pará, para onde foram levados diversos militantes que atuaram na guerrilha do Araguaia (1967-1974).

Por meio de relatos testemunhais e de documentos que eram mantidos em sigilo pelas Forças Armadas, a historiadora concluiu que para os centros clandestinos eram levados os presos políticos que a ditadura não queria que ninguém soubesse de seus paradeiros. Por exemplo, na Casa de Itapevi, na Grande São Paulo, foram torturados e assassinados oito militantes do Partido Comunista Brasileiro (o PCB) em janeiro de 1975, durante o Governo de Ernesto Geisel. Conforme a pesquisadora Starling, como esses oposicionistas eram ligados ao único partido legal de oposição à ditadura, o Movimento Democrático Brasileiro (MDB, atual PMDB), o Governo temia que eles pudessem concorrer a algum cargo nas eleições parlamentares que se aproximavam, por isso, quando conseguiu prendê-los, decidiu matá-los.

De acordo com o relatório, diversas irregularidades ocorriam nos centros clandestinos, como o assassinato dos presos impedindo que seus corpos fossem identificados (os dedos e as arcadas dentárias eram arrancados), o uso indiscriminado da tortura para obter confissões além de queima ou esquartejamento de corpos.

Além das casas de Itapevi, de Marabá e de Petrópolis, já citadas, o relatório mostra que existiam centros clandestinos na cidade paulista de Embu-Guaçu (chamado Fazenda 31 de Março, em alusão ao dia em que ocorreu o golpe contra o Governo de João Goulart), no bairro carioca de São Conrado, na cidade de Belo Horizonte e no bairro paulistano do Ipiranga. Este último imóvel, em São Paulo, chamou a atenção dos pesquisadores por ser um local onde não ocorriam torturas. Ele era usado como base para recrutar militantes da oposição que mudaram de lado e topavam ser agentes da repressão infiltrados nos grupos oposicionistas. “Não esperávamos que fôssemos encontrar algo como isso. Mas essa casa não chamava a atenção, o que facilitava a cooptação dos infiltrados”, afirmou a historiadora.

Outro fato , até então inédito, explorado pelo relatório, foi a definição da ordem de comando dentro da estrutura de cada casa clandestina. A ideia foi mostrar quem eram os responsáveis pelo centro ilegal desde o topo do organograma, o presidente da época, passando pelos responsáveis das Forças Armadas (comandantes do Exército ou da Marinha) até chegar à base, geralmente um capitão da circunscrição onde estava a casa irregular.

Até agora, outros dez centros clandestinos foram parcialmente identificados , mas dependem de informações documentais e testemunhais para confirmar que eles eram de fatos usados pelo aparelho repressor do Estado. Isso pode ocorrer nos próximos meses, quando algumas comissões estaduais da verdade deverão repassar informações para os pesquisadores. Alguns dos locais já identificados estão em Recife e Olinda (Pernambuco), Goiânia (Goiás), São João do Meriti (Rio de Janeiro), Fortaleza (Ceará), Belo Horizonte (Minas Gerais), Aracaju (Sergipe) e Brasília (Distrito Federal).

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