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Uma associação contrária ao Mais Médicos dará emprego à cubana desertora

Oferta foi feita pela Associação Médica Brasileira, uma das entidades que mais criticava o programa federal

Ramona Rodriguez no gabinete do partido DEM.
Ramona Rodriguez no gabinete do partido DEM.STRINGER/BRAZIL (REUTERS)

Ramona Matos Rodriguez, a médica cubana de 51 anos que pediu refúgio ao Brasil depois de desistir de trabalhar no Mais Médicos, já recebeu uma nova proposta de emprego. Ela deverá trabalhar para a Associação Médica Brasileira (AMB), uma das instituições que liderou as críticas ao programa do governo federal na época em que ele foi lançado, em junho do ano passado.

Como ingressou no país para atuar no Mais Médicos e não fez a prova do Revalida (teste que valida o diploma obtido no exterior), ela não poderá atuar como médica no país. A vaga que ela terá é de assistente administrativa no escritório da entidade em Brasília. O valor do salário será definido na próxima segunda-feira, quando a cubana se reunirá com os dirigentes da instituição para formalizar detalhes do novo emprego, explica Florentino Cardoso, presidente da AMB.

Segundo ele, foi a instituição que procurou a médica para oferecer o posto de trabalho. “Soubemos pela mídia da situação. Estávamos com essa vaga aberta, fizemos a proposta e ela aceitou. Os médicos de Cuba não têm um tratamento igual aos demais profissionais do programa. Com o valor que eles recebem, não tem como sobreviver no Brasil”, diz Cardoso. Segundo ele, a médica também receberá capacitação, caso queira, além de ajuda para prestar a prova do Revalida para que possa atuar como médica no país no futuro.

A médica anunciou nesta quarta-feira sua intenção de deixar o programa devido ao baixo valor da remuneração. Os médicos cubanos chegam ao país por meio de uma cooperação do governo de Dilma Rousseff (PT) com a Organização Pan-Americana (OPAS). Segundo a médica, ela estaria recebendo 400 dólares por mês pelo trabalho (cerca de 1.000 reais), além de 600 dólares que estariam sendo depositados em uma conta de Cuba, a qual ela só teria acesso quando voltasse ao país. Para os demais profissionais do Mais Médicos, o governo paga cerca de 10.400 por mês.

O governo federal pagou à OPAS 511 milhões de reais pelo convênio com Cuba durante um semestre. Em troca, a organização, que recebeu uma taxa de 5% desse valor pela transação, intermediaria a “importação” de médicos da ilha até este mês de fevereiro. Neste período, vieram ao país 7.378 cubanos-5.378 deles já estão atuando em regiões remotas do país e 2.000 chegaram nestas últimas duas semanas e agora passam por um treinamento; devem começar a atuar em março.

A forma de remuneração dos cubanos era uma das principais críticas das entidades médicas brasileiras, AMB inclusa, contra o programa, ao lado do fato de que, pelo programa, os médicos poderiam atuar sem ter que prestar o Revalida. As associações diziam que o contrato contrariava a legislação trabalhista do país. Alguns médicos brasileiros, mais exaltados, chegaram a “recepcionar” os cubanos no aeroporto aos gritos de “escravos”.

A situação da médica causou saia justa no governo federal dias depois de o ministro idealizador do Mais Médicos, Alexandre Padilha, deixar o cargo para concorrer à vaga de governador de São Paulo nas eleições de outubro deste ano. O Mais Médicos, que ganhou a aceitação da população após a polêmica inicial com as entidades médicas, deve ser a grande marca do ministro durante o período das propagandas eleitorais. São Paulo, assim como o resto do Brasil, sofre com a qualidade da saúde pública. Na capital do Estado, a área é a que mais recebe críticas da população, segundo pesquisas do instituto Datafolha. Cerca de 1.103 médicos do programa foram enviados às regiões periféricas de São Paulo.

Além disso, a situação cria um problema diplomático para o governo Dilma, que tem se aproximado ainda mais do governo de Raúl Castro nos últimos meses.

A médica cubana trabalhava de dezembro do ano passado até sábado em Pacajá, uma cidade do Pará (região Norte do país), com uma população estimada em de 43.057 pessoas, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Ela está abrigada em um apartamento funcional do deputado Abelado Lupion (DEM-PR), que faz oposição ao governo de Rousseff. Na tarde desta quinta-feira ela passou por uma entrevista com a Polícia Federal para dar prosseguimento ao pedido de refugiada.

Em entrevista dada à imprensa nesta quarta, ela afirmou que foi enganada em relação ao valor do pagamento e, por isso, deixou o programa. Segundo ela, a promessa era de que os cubanos receberiam cerca de 5.000 reais pelo trabalho.

O pedido de refúgio será decidido pelo Conselho Nacional de Refugiados (CONARE), vinculado ao Ministério da Justiça. A entidade é um colegiado formado por sete instituições, seis delas do governo federal, responsáveis por julgar caso a caso. No ano passado, cerca de 5.200 pedidos foram apresentados e 649 autorizações de refúgio foram concedidas. Apenas um cubano foi aceito como refugiado no período. Não há informações sobre quantos cubanos fizeram essa solicitação.

O processo para análise do pedido pode levar meses. Porém, depois que algum cidadão faz a solicitação, ele não pode ser deportado do país. Com o protocolo do pedido de refúgio também já é possível trabalhar, segundo o Ministério da Justiça.

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