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Os EUA mantêm seu plano de retirada de estímulos apesar da crise das divisas

O Federal Reserve reduz a compra de dívida a 65 bilhões de dólares por mês. É o segundo corte consecutivo de 10 bilhões de dólares. O organismo ignora a instabilidade cambial gerada pelos emergentes

Ben Bernanke, presidente do Banco Central dos EUA.
Ben Bernanke, presidente do Banco Central dos EUA.Andrew Harrer (Bloomberg)

O banco central de EUA continua retirando seus estímulos econômicos, apesar da crise cambial nos países emergentes. Haverá um novo corte de 10 bilhões de dólares (24,36 bilhões de reais) em seus planos de compra de dívida hipotecária, por isso o programa do Federal Reserve (Fed) ficará em 65 bilhões de dólares por mês (cerca de 158,4 bilhões de reais). Essa foi a decisão tomada pelo banco central na última reunião presidida por Ben Bernanke, que nesta sexta-feira entrega o comando da instituição a Janet Yellen, após oito anos de mandato. A taxa de juros foi mantida próxima de 0%.

O segundo passo na retirada do instrumento concebido por Bernanke para injetar liquidez na economia foi qualificado como “mensurado” com relação à situação econômica atual, sendo inclusive ligeiramente mais intenso (proporcionalmente) do que o anunciado em dezembro. A terceira rodada de redução de juros pela via quantitativa começou em setembro de 2012, com a compra de dívida vinculada a hipotecas. Potencializou-se três meses depois, com bônus do Tesouro, até 85 bilhões de dólares (207,1 bilhões de reais). Assim se manteve durante um ano.

A última decisão dos membros do Fed foi unânime, algo que não ocorria desde junho de 2011. Depois deste corte, o Fed continuará adquirindo 30 bilhões de dólares em ativos hipotecários e 35 bilhões em dívida pública por mês. É uma quantidade significativa, que seguirá elevando o balanço do banco central. Na atualidade, a instituição já acumula 4,1 trilhões de dólares em ativos. Isso é 30% a mais do que quando voltou a ativar a máquina de fazer dinheiro, e cinco vezes mais do que antes da crise.

A probabilidade de que o Fed interrompesse processo de retirada dos estímulos era baixa, apesar das turbulências dos últimos dias nas divisas de mercados emergentes como Argentina, África do Sul e Turquia. Na verdade, a crise cambial e seus riscos não foram nem sequer mencionados na ata da reunião desta quarta-feira. A inação teria acarretado um efeito ainda pior, porque indicaria que há algo que preocupa o Fed, prejudicando a credibilidade da sua mensagem.

O Fed evita tratar os mercados emergentes como um só bloco e foca a definição da sua estratégia no rendimento da economia norte-americana. O último dado de crescimento do terceiro trimestre foi muito sólido, e o desemprego caiu em dezembro a menos de 7%, o que justifica o abandono progressivo. Este segundo corte é, de fato, relativamente mais intenso que o de dezembro.

Depois deste corte, o Fed continuará adquirindo 30 bilhões de dólares em ativos hipotecários e 35 bilhões em dívida pública por mês

Na véspera da decisão, o presidente Barack Obama já havia oferecido uma imagem otimista da economia durante o discurso do Estado da União. Citou os 8 milhões de empregos gerados depois da recessão, observou que o desemprego está no seu nível mais baixo em cinco anos, falou da recuperação do mercado imobiliário e destacou que o déficit público caiu pela metade.

“Acredito que este pode ser um ano decisivo”, disse Obama. Mas, ao mesmo tempo, um crescimento inferior a 3% faz com que a recuperação do emprego seja lenta. Em sua análise, o Fed assinala que a expansão “se recuperou” e qualifica o desemprego de “elevado”. A inflação, por outro lado, se mostra “contida” em longo prazo, e isso lhe dá margem para manter o estímulo elevado.

O Fed assegura que esse volume de compra de dívida permitirá manter baixa a pressão sobre os juros em longo prazo e, consequentemente, isso ajudará a sustentar o crescimento. A ideia é que o programa esteja completamente desmantelado até o fim do ano, se os dados corresponderem. Além disso, não haverá alta de juros até que o desemprego passe algum tempo abaixo de 6,5%.

A ameaça emergente

A grande pergunta é até que ponto os países emergentes podem ser uma ameaça para os EUA. Analistas do JPMorgan e UBS não esperam que a situação cambial deles afete a tendência de um crescimento mais sólido. Eles recordam que esses países se beneficiaram das injeções de liquidez, e apontam que eles deveriam ter adotado medidas para antecipar a retirada de estímulos.

Como observa José Viñals, do Fundo Monetário Internacional, resta ver se o processo para a normalização monetária será tranquilo ou sobressaltado. Ele também recomenda aos países emergentes que reequilibrem suas finanças neste cenário de redução da liquidez. Apesar do nervosismo recente em alguns mercados, Viñals acredita que a estabilidade financeira tenha melhorado.

A artilharia dos bancos centrais dos países emergentes não pôde com o temor dos investidores

O que também é certo é que os mercados financeiros se mostram ainda muito dependentes da liquidez dos bancos centrais. O FMI insiste que uma comunicação efetiva sobre a estratégia de saída é crucial. Também recomenda que se “calibre bem” o calendário de retirada de estímulos. Dessa maneira, espera que se reduza a volatilidade e se evite uma disparada dos juros.

O legado de Bernanke também será definido, portanto, pela maneira como os emergentes absorverem a transição para a normalidade monetária. Mas na verdade esse processo dependerá a partir de agora de Yellen, que tem sido a principal aliada do atual presidente dentro do Fed. Este segundo corte poderia lhe dar margem para que não precise fazer nada na primeira reunião que ela presidirá, em março.

Mas a ainda vice-presidenta do Fed já advertiu em público que o programa de compra de bônus pode sair pela culatra se ficar ativo além do necessário. Paralelamente, o Fed busca que Wall Street se torne cada vez mais dependente da sua orientação sobre as taxas de juros. Além disso, deverá procurar uma maneira de recolocar todos os ativos que foi acumulando, mas sem com isso gerar tensões.

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