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O fim do mistério sobre a morte de Knut pode salvar animais no futuro

Após quatro anos, equipe identifica doença que matou o urso polar mais famoso do mundo

Nuño Domínguez

Quatro anos após a morte de Knut a, considerado o urso polar mais famoso do mundo, foi possível descobrir o que o matou. Um estudo de seus restos mortais que envolveu zoólogos e neurologistas acaba de demonstrar que o animal sofria de uma estranha doença cerebral que só tinha sido observada em seres humanos.

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Knut ganhou fama em 2004, pouco depois de ter nascido no Zoológico de Berlim. Sua mãe, Tosca, que foi utilizada em espetáculos de circo na Alemanha Oriental até a queda do Muro, rejeitou o filhote depois do nascimento. Normalmente, esses filhotes acabam morrendo de fome, por isso Knut foi criado por humanos, primeiro em uma incubadora e depois pelo barbudo Thomas Dörflein, um cuidador que fazias as vezes de mãe e também ficou famoso na Alemanha. Alguns ativistas pediram o sacrifício do animal pois entendiam que seus direitos estavam sendo violados ao criá-lo como um animal de estimação. Isso gerou uma onda espontânea de solidariedade com o filhote que se tornou uma estrela dentro e fora do país. A knutmania tinha começado. O animal foi registrado como marca pelo Jardim Zoológico de Berlim, uma empresa de capital aberto que embolsou cinco milhões de euros em apenas um ano, graças ao grande fluxo de visitantes que queria ver o plantígrado.

Em 2011, depois de ter sido objeto de litígio entre jardins zoológicos sobre sua propriedade, imagem informal de campanhas ambientais do Governo alemão e ter posado em uma foto modificada ao lado de Leonardo di Caprio na capa da Vanity Fair, Knut morreu afogado em sua piscina. Tinha sofrido um ataque epiléptico que o paralisou e fez com que mergulhasse de costas na água enquanto alguns visitantes do zoológico assistiam a tudo atônitos. A autópsia indicou que sofria de encefalite, uma inflamação do cérebro que é geralmente causada por infecções bacterianas ou virais. Os médicos disseram que a inflamação do encéfalo de Knut foi causada por um vírus, mas ele nunca foi identificado.

Depois da autópsia, alguns taxidermistas remontaram as partes do urso, prepararam sua pele e dissecaram para uma exposição no Museu de História Natural. Não usaram, claro, os pedaços do cérebro que foram preservados desde a sua morte.

Um estudo publicado na quinta-feira na revista Scientific Reports esclarece que o animal não sofria de nenhuma infecção. O urso tinha encefalite por causa dos anticorpos contra o receptor de NMDA (NMDAR), uma variante rara dessa doença que aparece quando o próprio sistema imunológico gera anticorpos que atacam os neurônios.

A pista foi dada por Harald Prüss, pesquisador do Centro Alemão de Doenças Neurodegenerativas, ao descobrir na autópsia sinais semelhantes aos que tinha visto em seus pacientes com esta forma de encefalite. Em sua análise do cérebro de Knut, Prüss e outros pesquisadores descobriram os anticorpos contra o receptor de NMDA (NMDAR), agentes do sistema imunológico que normalmente cuidam da saúde do indivíduo, mas que, nesse caso, se voltam contra ele.

Charlize Theron produz um filme sobre a doença

Depois da descoberta da encefalite por anticorpos contra o receptor de NMDA (NMDAR) foram revelados mais de 10 tipos de encefalite autoimunes mediadas por outros anticorpos, diz Dalmau. "Isso mudou muito a forma de pensar dos neurologistas e pediatras, já que esse tipo de transtornos ocorre com frequência em crianças, quando tratam um paciente com encefalite", explica. Embora seja uma doença rara, essa enfermidade ganhou certa fama. Está sendo preparado um filme em Hollywood produzido por Charlize Theron que adapta o livro Brain on Fire (O Cérebro em Chamas) no qual a repórter Susannah Cahalan narra seu "mês de loucura" causado pelo mesmo tipo de encefalite que matou Knut.

“Até agora essa doença autoimune só havia sido observada em humanos”, disse Prüss em um comunicado da sua instituição à imprensa. “Os sintomas incluem ataques epilépticos, alucinações e demência”, destacou.

Como Knut, muitas pessoas sofreram de encefalite sem que ninguém pudesse dar uma razão clara para a doença e algumas até morreram sem serem diagnosticadas corretamente. Em 2007, a equipe do neurologista espanhol Josep Dalmau foi a primeira a descrever a doença oficialmente. “A doença humana é muito grave, os pacientes chegam a passar meses na unidade de terapia intensiva do hospital com convulsões epilépticas e respiração assistida”, afirma Dalmau, professor nas Universidades de Barcelona e da Pensilvânia. “Os pacientes desenvolvem anticorpos muito específicos contra os receptores de glutamato, que são muito importantes para a memória, o aprendizado e a integridade dos circuitos cerebrais”, explica. Os anticorpos bloqueiam esses receptores nas sinapses, ou conexões entre os neurônios, o que produz as alterações de comportamento e as crises epilépticas. Há vários tratamentos disponíveis para bloquear a ação desses anticorpos e, em geral, 80% dos pacientes terminam completamente curados. Cerca de 15% ficam com alguma sequela e outros 5% morrem, geralmente por infecções ou causas não relacionadas diretamente com a doença, disse Dalmau. Os pesquisadores fizeram “um grande trabalho de astúcia e observação”, diz sobre o estudo dos restos mortais de Knut.

Os responsáveis pelo trabalho afirmam que essa encefalite pode ser muito mais comum em animais do que se pensava. “Ficamos muito felizes por terem finalmente resolvido o mistério da morte de Knut”, declarou Alex Greenwood, do Instituto Leibniz de Pesquisa sobre a Vida Selvagem e Zoológicos. “Se a terapia atualmente utilizada em seres humanos também se aplica aos animais selvagens, poderemos prevenir muitos casos de encefalite mortal no futuro”, acrescenta.

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