Empresas passavam ‘listas negras’ de trabalhadores a órgãos de repressão
Comissão da Verdade aponta mais de 50 empresas que contribuíram com o golpe de 64
O relatório final da Comissão Nacional da Verdade (CNV) identificou civis e empresas que colaboraram com o regime militar. O documento enumera 53 empresas, tanto estrangeiras quanto nacionais e de portes variados, que contribuíram de alguma forma com a concretização do golpe de 1964. Entra elas estão: Volkswagen, Johnson & Johnson, Esso, Pirelli, Texaco, Pfizer e Souza Cruz.
Já durante o período militar, a CNV destaca, entre as ações mais nocivas à luta dos trabalhadores por seus direitos, o poderoso sistema de controle e vigilância em fábricas e empresas, que repassavam "listas negras", com nome de trabalhadores, diretamente a órgãos de repressão. Segundo testemunhos, o operário que entrasse, por exemplo, com um jornal considerado "estranho" debaixo do braço era imediatamente posto sob vigilância. De acordo com a Comissão, recursos de autoridades civis também ajudaram na montagem do Departamento de Ordem Político e Social (DOPS) paulista.
Nesta semana, um relatório parcial da Comissão da Verdade do Estado de São Paulo mostrou que, nos últimos três anos, a entidade realizou diversas audiências e eventos com foco na investigação da colaboração de empresas com a ditadura militar. Segundo o documento, uma das descobertas da Comissão foi a visita do diretor da General Motor ao DEOPS/SP e a doação, por essa empresa, de abafadores de ruído para os instrutores de tiro. A informação foi obtida em audiência com um escrivão da polícia em fevereiro deste ano.
“A GM não deu apenas os protetores de ouvido. Ela montou, onde é a Sala São Paulo hoje, no estacionamento, um stand de tiro, que foi inaugurado pelo presidente da empresa. Não foi uma coisa à toa. A GM forneceu todos os carros da repressão: as veraneios, os opalas e os chevettes dos agentes. Eles compravam seus carros a preço de custo. A Volkswagen fazia o papel da repressão dentro de todas as empresas”, afirma o presidente da Comissão da Verdade do Estado de São Paulo, deputado Adriano Diogo (PT).
Outra denúncia, citada no relatório, foi a da construção pela empreiteira Camargo Corrêa de uma cadeia clandestina para os índios que protestavam contra a invasão de suas terras em Roraima nos anos 1970. De acordo com Pádua Fernandes, pesquisador da Comissão, em audiência realizada no início deste mês, foram ouvidos testemunhos de jornalistas que militavam nas causas indígenas.
Punição
Sobre a possibilidade de punição dessas empresas, Fernandes explica que a Comissão irá sugerir que essas companhias participem de alguma forma de reparação. “Eles precisam fomentar políticas públicas de verdade e memória. Também vamos pedir que essas denúncias sejam investigadas para saber se foram casos de lesa-humanidade”, afirma.
Segundo o deputado Adriano Diogo, a discussão sobre a punição de empresas e financiadores da ditadura ainda precisa ser ampliada. “No exterior, a punição foi dada aos funcionários de empresas. Começou, na II Guerra Mundial, com as empresas que contribuíram com o Terceiro Reich de Hittler. A Ford foi a que mais contribuiu. Essa discussão foi crescendo em outros países, mas no Brasil ela está só começando. Quem tem que ser processado? As empresas? Os empresários ou os diretores? Nenhuma reparação foi feita por essas empresas”, explica.
Para o deputado, uma das contribuições da Comissão da Verdade foi a possibilidade de investigar temas que antes eram proibidos . "Perdemos o medo de falar da mídia, dos financiadores (da ditadura), dos assassinos, dos americanos. Antes das comissões da verdade, existiam 3 mil pessoas no Brasil envolvidas nesse tema. Agora, sem medo de errar, há 30 milhões, muito jovens, pesquisadores, jornalistas que não viveram a ditadura, mas tem dúvidas”, analisa Diogo.
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