Rajoy erra
Ao oferecer a Espanha como interlocutora de Trump na Europa e na América Latina, Rajoy esnoba países parceiros
A decisão do premiê espanhol Mariano Rajoy de, em sua conversa por telefone com Donald Trump, oferecer a Espanha como interlocutora da nova administração americana na Europa e na América Latina não apenas constitui um grave erro, como também esnoba nossos parceiros da União Europeia e os países latino-americanos.
Não parece muito prudente assumir – muito menos mediante uma conversa de alguns poucos minutos ao telefone e pelo intermédio de tradutores – uma posição tão relevante de política externa sem uma prévia discussão no ambiente político espanhol e europeu.
Rajoy parece ter esquecido que a Espanha é um membro de pleno direito da União Europeia e não um país longínquo que pode se permitir a observar com distante curiosidade as ameaças e medidas prejudicais para a UE do novo presidente dos Estados Unidos, como se elas não a afetassem. A UE dispõe de instituições, pessoas e procedimentos especificamente encarregados de elaborar e coordenar uma política exterior e de segurança comum que, agora, prova-se mais necessária do que nunca, e para a qual Rajoy deveria contribuir e reforçar, e não debilitar.
Do mesmo modo, a América Latina é uma área de interesse estratégico vital, tanto em termos políticos quanto econômicos para a Espanha, que é o primeiro ou segundo maior investidor estrangeiro em quase todos os países da região e que, portanto, pode ver-se seriamente afetada pela agressiva política de Trump em relação ao México.
Como já reiteramos, Rajoy deveria ter optado por seguir o caminho de outros mandatários europeus, como a conservadora Angela Merkel ou o socialista François Hollande – para citar exemplos dos dois lados do espectro ideológico – que não duvidaram em expressar com clareza e firmeza ao presidente americano os princípios democráticos, de solidariedade e de abertura ao mundo sobre os quais se baseia o projeto europeu.
É estranho que Rajoy, muito relutante a liderar qualquer tipo de iniciativa e a correr qualquer risco, tenha se proposto a ser um interlocutor que nenhuma das três partes (América Latina, Europa ou Washington) parece ter solicitado. Uma iniciativa dessas, se for levada a sério, exigiria um investimento substancial de tempo e meios diplomáticos. Além disso, suas possibilidades de sucesso seriam escassas, pois a Espanha, embora tenha influência nos dois lados do Atlântico, ainda precisa de mais peso para levar qualquer uma dessas partes, especialmente Washington, a uma mesa de negociações.
Supondo a melhor das vontades e a intenção mais sincera, duvidamos muito que tal iniciativa seja viável. Mas o mais grave seria, como parece, que estivéssemos diante de uma oferta frívola e não suficientemente pensada, fruto de um desejo de agradar Trump, sem custo algum.
O que deve preocupar, e muito, o governo é que seus sócios e amigos europeus e latino-americanos considerem essa oferta não como o que poderia ou deveria ser, mas como o que parece ser: uma tentativa de ficar bem com todo mundo que, no final das contas, como é óbvio, em vez de melhorar a reputação da Espanha, contribuirá para danificá-la.
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