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Lado escuro do DNA potencializa o câncer

Consórcio espanhol sequencia genoma de 500 pacientes e revela que uma em cada cinco leucemias se deve a mutações em um mal chamado ‘DNA lixo’

Nuño Domínguez
Células com leucemia (esquerda) junto a um glóbulo vermelho
Células com leucemia (esquerda) junto a um glóbulo vermelhoGetty

No interior de cada uma das suas células, há extensões genéticas descomunais sem explorar. Trata-se do chamado DNA escuro, antes conhecido como lixo, que compõe até 98% de todo o genoma. Esses vastos jardins sem aurora haviam sido pouco interessantes para os cientistas porque não contêm genes e, portanto, não produzem proteínas. Por isso se pensava, erroneamente, que não tinham nenhuma importância para entender as chaves da saúde e da doença. Mas isso terminou.

Em 2012, um consórcio internacional demonstrou que o DNA lixo regula as funções fisiológicas e pode contribuir para o aparecimento de muitas doenças, da diabete à esclerose múltipla, passando pelo câncer. Num estudo publicado nesta segunda-feira na revista Nature, um consórcio espanhol demonstra que esse DNA escuro tem um papel essencial no aparecimento de leucemia linfoide crônica, a forma mais comum de câncer do sangue.

Os resultados fazem parte do Consórcio Internacional do Genoma do Câncer (ICGC), que procura sequenciar o genoma de 50 tipos de tumor. O ramo espanhol, centrado na leucemia linfoide crônica, foi o primeiro a finalizar a tarefa, sequenciando o genoma completo de 500 pacientes. Em cada um deles, é lido tanto o genoma das células saudáveis como o das doentes. Ao contrastá-las, aparecem as mutações – erros na cadeia do genoma com 3 bilhões de letras de DNA – que potencializam o aparecimento do tumor. O maior destaque dos últimos dados é a importância do DNA escuro.

“Neste trabalho, demonstramos que um em cada cinco tumores surge por mutações nessas regiões escuras do genoma. E conhecê-las é fundamental, já que influem no prognóstico da doença”, explica Xosé Puente, pesquisador da Universidade de Oviedo e membro do consórcio.

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O estudo mostra que as células doentes acumulam cerca de 3.000 mutações. Estas são, em parte, o resultado inerente da passagem do tempo, e só uma minoria será responsável por desatar o desenvolvimento do câncer. “O estudo nos permitiu definir 60 genes cujas mutações provocam o desenvolvimento do tumor”, afirma Carlos López-Otín, pesquisador da Universidade de Oviedo e um dos coordenadores do consórcio. “No entanto, a descoberta mais importante do estudo foi a identificação de mutações nas zonas do genoma que não codificam proteínas e cuja relevância funcional ainda é pouco conhecida.”

O DNA escuro não codifica proteínas, mas pode regular o funcionamento de genes na parte visível do genoma. O estudo revela dois grandes responsáveis por potencializar o câncer a partir das regiões de ADN escuro. Um deles é a mutação que acende um gene bem conhecido, o NOTCH 1, tornando a doença “mais agressiva”, afirma Elías Campo, médico do Hospital Clínico de Barcelona e coordenador do consórcio. Dessa forma, o DNA escuro produz uma doença “idêntica” à que aparece quando há uma mutação nesse gene. Desde que em 2012 foram publicados os dados completos do projeto Encode, encarregado de sequenciar a maior parte do DNA escuro, pensou-se que os novos dados ajudariam a melhorar os tratamentos oncológicos. A forma de fazê-lo seria analisando o genoma de cada paciente e aplicando um ou outro fármaco dependendo do seu perfil. Essa era da medicina personalizada do câncer já começou na leucemia crônica, diz Campo. “Já foram aprovados medicamentos destinados a pacientes com uma mutação no gene P53, e provavelmente o seu uso será aprovado na Espanha este ano”, afirma.

Sua equipe pesquisa em modelos animais duas outras moléculas que bloqueiam a ação de dois genes envolvidos no aparecimento e no desenvolvimento da leucemia, o NOTCH 1 e o SF3B1. Campo afirma que o ICGC já estuda iniciar uma segunda fase (ICGC Med) para aproveitar o potencial médico de todas as informações genéticas acumuladas desde o começo do projeto, em 2008.

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