12 fotosOs ‘ninguém’ de AlckminGovernador de São Paulo afirma que ninguém ficou sem água. Os rostos da crise hídrica, que contaram seus relatos ao EL PAÍS, dizem o contrárioMaría MartínSão Paulo - 12 jul. 2015 - 21:08BRTWhatsappFacebookTwitterLinkedinBlueskyLink de cópiaChovia em São Paulo e o governador Geraldo Alckmin fazia em Brasília um balanço sobre o período mais duro da seca. "Não tem mais nenhum risco em termos de rodízio", declarava nesta quarta-feira durante uma audiência da Comissão de Serviços de Infraestrutura do Senado. Menos de uma semana antes, Alckmin já havia desprezado o plano de contingência, em que a Sabesp e a Secretaria de Recursos Hídricos investiram meses de trabalho, para coordenar as ações que deveriam ser feitas em caso de desabastecimento mais grave no Estado. "É outro papelório inútil. Só pra gastar dinheiro público porque não vai ser aplicada contingência nenhuma. Nós vamos atravessar o período seco sem nenhum rodízio, mas o Brasil é um grande cartório. Tem que fazer papel, gastar dinheiro pra ficar na gaveta, para todo mundo ser cobrado."Governo do EstadoEsta semana em Brasília, Alckmin sentenciou: "Ninguém ficou sem água". A afirmação faz algum sentido se o que Alckmin está buscando é, caso seja bem sucedido, transformar a crise hídrica em um ativo para se tornar o presidenciável do PSDB em 2018. Segundo a 'Folha de S. Paulo' deste domingo, Alckmin disse a aliados que, se conseguir chegar ao fim do período de seca sem um rodízio, a gestão da crise pode ser usada como 'case' de sucesso. Para o tucano, apresentar-se como "o governador que resolveu a crise” pode lhe valer pontos, principalmente no Nordeste, diz a 'Folha'.Governo do EstadoEnquanto os planos políticos do governador se desenrolam, todos os bairros da região metropolitana de São Paulo são submetidos a redução de pressão nas tubulações até – oficialmente – 20 horas por dia, o que, na prática, significa depender das caixas d'água. Sem elas, as torneiras ficariam secas durante a maior parte do dia. A água falta, sim. Em Osasco, em Carapicuíba, na zona leste, na infindável periferia, em escolas, no interior, mas também nas casas de classe média do Butantã e Perdizes. Os rostos da crise hídrica, que contaram seus relatos ao EL PAÍS, contrariam a versão do governador.nacho doce (reuters)Flávia recebe a reportagem em sua casa no Butantã. Está nervosa, como sempre acontece quando fica sem água. Há 30 horas que está usando a reserva e as cinco ligações que fez à Sabesp não a acalmaram. "Já ficamos períodos muito longos sem abastecimento – até 72 horas – e nunca ninguém nos avisa. Hoje nos disseram que se trata de uma transferência da nossa tubulação ao sistema do Guarapiranga, que era uma obra de emergência e que, por isso, não fomos avisados. Mas nós já somos do Guarapiranga há mais de um ano!", reclamava Rubens Lazarini, 57 anos, vizinho de Flávia, na sexta-feira à noite. Flávia mora com a mãe em uma casa à beira da estrada e, desde que a crise hídrica começou, já comprou três caixas de água com uma capacidade total de 2.000 litros. "É muito grande o estresse que me produz a possibilidade de estar sem água", afirma. A engenheira química, de 41 anos, diz que sente raiva toda vez que sua torneira não responde, e ainda mais quando sabe que seus vizinhos mais abastados do outro lado da rua não sofrem cortes. "Eu não sou contra o racionamento, desde que seja para a cidade inteira", reclama.Martha LuNa casa de Maria Mara Conceição, de 48 anos, sete pessoas se viram sem uma gota de água das 13 horas até a manhã do dia seguinte. A senhora, que não tem caixa d´água, diz que está tudo bem, que ela já se acostumou e mostra o interior da sua casa, no Capão Redondo, bairro pobre na zona sul de São Paulo. O fedor, próprio de um banheiro sem descargas regulares, invade a cozinha, separada do vaso sanitário apenas por uma cortina. As moscas sobrevoam a louça sem lavar dentro da pia e um louro ensaia uma tentativa de falar "oi" enquanto mancha, ainda mais, o chão de um diminuto corredor. "É mentira que não falta água, mas vou fazer o que? Eu vou me virando com minhas garrafas na geladeira", diz e mostra um velho aparelho cheio de envases de refrigerante preenchidos com água da torneira.Martha LuMailsa Alves Moreira, de 49 anos, arrasta os pés esgotada com uma tina de roupa encaixada em seu quadril ossudo. É meio dia de sábado e ela ainda não dormiu. “Trabalho sete dias por semana, se não lavar agora não sei quando vou poder fazer isso. Somos 11 em casa.” Desde as três e meia da manhã Mailsa está enchendo a máquina de lavar roupa, aproveitando o “milagre” de um sábado com água nas torneiras, um presente raríssimo nos últimos tempos no Jardim Conceição, em Osasco. “Está cruel, sabe?”. Mailsa diz que não tem dinheiro para comprar uma caixa d'água. Se ela não se levantasse quando começa o fornecimento de madrugada para encher baldes com a mangueira, não teria nem para dar a descarga do banheiro ao voltar para casa.Martha LuEm maio, o EL PAÍS visitou um bairro-dormitório de Osasco em um raro sábado com água de manhã. A imagem dos moradores de Jardim Conceição aproveitando a água suja, reutilizada da máquina de lavar, para limpar à mão suas roupas era comum na comunidade. Moradores contavam sua rotina durante a semana: saíam cedo de casa, sem água nas torneiras, e voltavam quando já tinha ido embora de novo. Os que não têm caixa d'água dependem dos baldes.Martha LuAs mulheres do Jardim Conceição, o bairro mais povoado de Osasco, fazem provisão de água durante três horas nas madrugadas. A reserva é fundamental para garantir o abastecimento para o resto da família durante o dia. Elas se queixam de que quase não dormem e de que já não precisam do despertador: a falta d’água, consequência da crise hídrica mais grave dos últimos 84 anos, mudou o sono e a rotina delas. “Faz mais de seis meses que estamos assim, estamos com as costas doendo de tanto carregar baldes”, queixava-se em maio Janaína Dias, de 29 anos.Martha LuEm fevereiro, José Martins relatava ao EL PAÍS sua rotina de meses com as torneiras secas durante grande parte do dia. Morador do Tatuapé (zona Leste), já havia se acostumado a captar chuva em baldes e a reciclar a água da máquina de lavar, pois seu telhado não suporta o peso de uma caixa d'água. Agora ele afirma que o abastecimento "está melhor", que continua sem água durante o dia, mas que não passa largos períodos sem ela como antes. A água, no entanto, continua saindo branca, afirma Martins.Victor MoriyamaMariana Chaves estabeleceu uma nova rotina em sua casa de Perdizes (zona oeste) para se adaptar aos cortes que a deixam sem água do final do dia às 6 da manhã. A caixa d'água só abastece as torneiras do andar de cima, o que lhe permite continuar usando normalmente o banheiro, mas não a cozinha. Também não consegue manter tão limpo como ela gostaria o pátio onde fica seu cachorro, já velho. Com a crise hídrica, Mariana começou a cronometrar o tempo que sua família gasta para tomar banho, proibiu o marido de fazer a barba sob a ducha e reutiliza toda a água usada na casa. O único que mudou desde que Mariana contou seu relato ao El PAÍS, em fevereiro, é que agora, às vezes, tem água no sábado à noite, um luxo que meses atrás não havia.Victor MoriyamaEm 26 de fevereiro, o Movimento dos Trabalhadores sem Teto, um dos mais articulados do país, convocou uma manifestação em São Paulo que reuniu 10.000 pessoas. Os manifestantes, moradores da periferia, de ocupações ilegais e de favelas, exigiram o fim do "racionamento seletivo" que afeta os mais pobres. "Tem bairros que ficam cinco dias sem água. Enquanto o Governo afirma que não há e que não haverá rodízio, o racionamento já está acontecendo. Não vamos a admitir que só nós assumamos a irresponsabilidade do Governo nesta crise", gritava Guilherme Boulos, um dos líderes do movimento. "Na periferia, o racionamento é sistemático há meses", disse.Victor Moriyama (Getty Images)A família Sobrinho, de Itu, ficou sem água desde o dia do primeiro turno, em 5 de outubro do ano passado, e pelos 15 dias que se seguiram. O abastecimento se recuperou após a temporada de chuvas, mas as reclamações por falta de água voltaram a ser parte da rotina de Itu, nas últimas semanas. Noelita, a avó, lembra seus dias na Bahia, quando a seca a fez partir para São Paulo. A família de seis membros consome menos de 200 litros por dia, 90 litros acima da média recomendada pela OMS por pessoa.Victor Moriyama