O Brasil corre o risco de sofrer um confronto popular?
Analistas começam a se preocupar com a possibilidade de que o país entre num círculo de conflito que o deixe parecido com a Argentina ou Venezuela
O Brasil, em vez de se dividir, sempre se uniu no passado para defender as grandes batalhas democráticas. Foi assim nas manifestações de massa das “Diretas Já”, para pedir a volta do direito ao voto popular, e quando, juntos, os brasileiros saíram às ruas, vestidos de preto, para exigir o impeachment do então presidente Fernando Collor de Mello. O país nunca teve comichão pelo confronto popular.
O Carnaval deste ano está sendo outra prova desse gosto dos brasileiros pela aglomeração na rua, tanto nos momentos de dor quanto nos de alegria e prazer. Milhões de pessoas de todas as classes sociais, de Norte a Sul do país, desfilaram pacificamente em milhares de blocos de todas as idades e ideias políticas para se divertir em paz.
Mas pela primeira vez os analistas começam a se preocupar com a possibilidade de que o país entre, por motivos políticos e para reagir à corrupção e à crise política, econômica e de desencanto com a política, num círculo de confronto popular que pode deixá-lo mais parecido com a Argentina ou com a Venezuela que com sua própria história.
No Brasil começam a ressoar dois gritos preocupantes: o de impeachment da presidenta Dilma Rousseff, recém-eleita nas urnas, e o de uma possível guerra civil, não sangrenta, mas de consequências difíceis de medir, em que os cidadãos poderiam acabar se enfrentando nas ruas, pela primeira vez não unidos em defesa de uma causa comum, mas com ruídos de “guerra”.
Já foi explicado pelos especialistas em direito que o pedido de impeachment não é nenhum golpe contra a democracia, já que está previsto na Constituição e pode ser solicitado por qualquer cidadão que acredite que haja motivos para isso.
Difícil saber o eco popular que poderão ter as manifestações convocadas em caráter nacional para 15 de março, para pedir a saída do Governo da presidenta Dilma Rousseff. O que é indiscutível é que, diante da corrupção e da crise econômica, cresce o descontentamento popular, até nas pessoas menos favorecidas, as da classe C, que até ontem eram o fiel baluarte do governo do PT e hoje começam a se distanciar dele, como se depreende da última pesquisa do Datafolha.
Depor de seu cargo um presidente, ainda que isso carregue sempre um certo drama, supõe passar pelos procedimentos jurídicos previstos na Constituição, com severo controle pelo Congresso: o impeachment precisa ter dois terços dos votos na Câmara e no Senado.
Tal pedido, inclusive bradado nas ruas pelos brasileiros descontentes com o governo, como um dia fez o PT ao pedir, na oposição, a saída do então presidente Fernando Henrique Cardoso, não deveria ser motivo de preocupação em termos democráticos.
O que hoje começa a dar medo é que algumas forças políticas, tentadas pelo demônio da perpetuação no poder a qualquer preço, em vez de buscar meios de sair da crise, possam acabar dividindo o país, como já acontece na Argentina e na Venezuela, com impulsos, como naqueles países, de amordaçar a informação livre.
Um pedido de impeachment pressupõe um exercício democrático, no qual os eleitores acreditem que o governante vitorioso e democraticamente eleito nas urnas tenha se tornado indigno de continuar no poder. Nada mais.
Ao contrário, um confronto que dividisse o país em dois grupos irreconciliáveis, já sem distinguir quem fosse governo ou oposição, poderia criar a tentação à violência, que não se sabe ao que poderia levar.
Esse tipo de confronto civil, que torna irreconciliáveis as duas partes em conflito e acaba dividindo salomonicamente um país, dificulta desde seu nascimento qualquer solução democrática, porque em vez de diálogo e racionalidade, reina a paixão, cultivada mais com o fígado que com o cérebro.
Nada pior neste momento, por exemplo, que uma parte do partido do Governo querer empurrar as ruas usando seus sindicatos e movimento sociais contra as medidas de austeridades defendidas por seu próprio Governo para tirar o país da crise.
A reação do Governo frente a um pedido de impeachment da presidenta Rousseff deve ser apresentar fatos que mostrem que não há motivo para isso. Tudo, é claro, à luz do Sol, aceitando os resultados das legítimas investigações, sem tentar domesticá-las nem manipulá-las.
Sempre se disse que é a verdade que nos torna livres. E são os fatos, revelados por meio das instituições livres do Estado, nesse caso das forças policiais e dos tribunais de Justiça, os melhores defensores da legalidade.
Todo o resto, como os fatos “tenebrosos” insinuados pelo juiz Sergio Moro na operação Lava Jato, praticados com a expectativa de impunidade nas sombras dos esgotos do submundo do poder, são o melhor caldo de cultura para que se forme no país um clima de dissimulada violência e divisão dos cidadãos.
Seria o pior dos remédios para que o Brasil saísse da crise econômica e política que vive.
A força do Brasil, invejada em vários continentes pelos países que sofrem com a tentação de rasgos nacionalistas ou ideológicos, sempre foi sua unidade nacional, apesar de suas imensas diferenças geográficas e culturais.
Querer hoje ignorar os novos ventos da busca por formas mais participativas do poder para perpetuar a velha política patrimonialista poderia acabar esgarçando um país que sempre se orgulhou de sua união.
Melhor, em caso extremo, um impeachment, se necessário e constitucional, que qualquer outra tentação antidemocrática, mesmo que possa ser disfarçada como defesa dos direitos dos mais pobres.
A verdadeira democracia exige que até aos mais necessitados e indefesos seja dada a liberdade de escolher como e por quem querem ser defendidos, porque a História ensina o quão perigosa é a força desses excluídos quando descobrem que estão sendo enganados ou manipulados pelos malabarismos do poder.
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