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Opinião
Texto em que o autor defende ideias e chega a conclusões basadas na sua interpretação dos fatos e dados ao seu dispor

A década aproveitada

América Latina aumenta a despesa social ‘per capita’, ao mesmo tempo em que mantém os equilíbrios

Joaquín Estefanía

O Brasil, que votou neste domingo, distorce por seu gigantismo as estatísticas e as tendências do conjunto da América Latina. As médias ocultam, muitas vezes, as realidades que se dão nos píncaros das sociedades e na parte mais baixa delas. Apesar da possibilidade dessa “armadilha das rendas médias”, é muito significativo o que está ocorrendo na última década no subcontinente. A percepção externa acerca da região não se move tanto como a própria realidade.

Na esteira dos excelentes estudos sobre a qualidade da democracia na AL iniciados há uma década, o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) acaba de publicar o último deles, sobre cidadania política, cujas conclusões são muito chamativas. A principal delas é a de que região e cada um de seus países mostram um importante progresso em matéria de cidadania social durante a primeira década do século XXI, o que permite qualificá-la de “década aproveitada”, em contraposição à década perdida dos anos oitenta do século passado. A cidadania social se mede pelo exercício efetivo dos direitos econômicos e sociais (direito de ganhar a vida, de ter proteção, de gozar do mais alto nível possível de saúde física e mental e de um meio ambiente saudável, de receber educação e de desfrutar dos benefícios do progresso científico).

Diminuiu a disparidade que separava a AL das nações mais desenvolvidas

Tal progresso na cidadania social (o que não significa um nível ótimo) é particularmente destacável no contexto do cenário mundial: a AL melhorou seus níveis de gasto social e de distribuição de renda em um momento no qual a maioria dos países do mundo está experimentando o fenômeno contrário: incremento espetacular em seus níveis de desigualdade e queda – ou estancamento – no gasto social per capita. Diminuiu a disparidade que separava a região das nações mais desenvolvidas.

Esse progresso está associado ao crescimento da renda per capita, mas, sobretudo, à importante elevação do gasto social. Em média, esse indicador cresceu a um ritmo duas vezes superior ao do PIB, e de forma compatível com os equilíbrios macroeconômicos. Essa é a grande lição da América Latina para os tempos atuais. Entretanto, não se pode afirmar que isso seja um acontecimento irreversível, porque a composição da arrecadação pública que permitiu a alta do gasto social não está consolidada: o altíssimo crescimento da pressão fiscal está diretamente relacionado aos aumentos de preços dos recursos naturais que a região exporta. Calcula-se que aproximadamente metade do aumento arrecadatório esteja vinculada a esses preços, e não aos impostos pagos por pessoas e empresas, e por isso a situação pode reverter-se, como já ocorreu várias vezes na história recente da região.

Por isso, o PNUD insiste em algo que tem feito de modo permanente: a importância de chegar a pactos (reformas) fiscais, que deem força a essas mudanças e a essas tendências que significam um rompimento com a história da desigualdade.

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