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Coluna
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Falta pudor na política brasileira

Alguns candidatos, mesmos suspeitos de corrupção, reaparecem nas eleições

Juan Arias

Voltam as eleições no Brasil e com elas reaparecem candidatos que demonstram carecer de um mínimo de pudor político. Eles não têm escrúpulos ao se apresentarem ou ao serem representados, apesar de que paire sobre eles a suspeita de corrupção. Lhes falta um mínimo de pudor que é a antessala da dignidade.

A ciência ou a arte da política é antiquíssima. Plutarco, o filósofo e historiador de origem grega que acabou sendo cidadão romano, alertava com aquela frase que ficou famosa: “À mulher de César não basta ser honesta, deve parecer honesta”. Hoje, dois mil anos mais tarde, se diria que nossos políticos foram muito mais além, mas para o mal.

Não somente não se preocupam em parecer honrados como não se preocupam em sê-lo, nem que se saiba que não são. Isso explica porque muitos candidatos que se apresentam pedindo votos já foram condenados pela Justiça, ou estão sob processo ou sob suspeita de delitos de corrupção.

Talvez exista algo pior, e esses políticos que nem se preocupam em ocultar seus delitos ou acusações sobre eles costumam ser os mais votados pelos cidadãos e os que recebem mais dinheiro para suas campanhas.

Um caso emblemático é o do candidato a governador do Distrito Federal, José Roberto Arruda. Foi o primeiro governador em exercício neste país que ficou dois meses na prisão e perdeu seus direitos políticos. Se retirou da política? Não. Voltou a ser candidato a governador por um desses malabarismos absurdos de nossa justiça eleitoral. O Tribunal Regional Eleitoral do DF, baseado na lei da Ficha Limpa, o impugnou – ele foi condenado em segunda instância por improbidade administrativa. Como Arruda recorrerá da decisão, poderá continuar em campanha até que seu caso seja julgado, em última instância, pelo Tribunal Superior Eleitoral.

E mais, está recebendo mais ajudas financeiras oficiais do que os outros candidatos e está liderando as pesquisas com 35% das intenções de voto. Pode até ganhar no primeiro turno. Isso é imaginável em uma democracia séria?

Outro exemplo, é o do atual Presidente do Senado, Renan Calheiros. Após ter renunciado ao referido cargo pelo escândalo da pensão paga à sua amante por uma empresa que trabalhava para o Governo, não apenas voltou ao Senado como foi reeleito presidente.

E o caso do ex-presidente, Fernando Collor de Melo? Está aí de novo no Senado Federal e com força dentro do Governo.

Escândalos como os que estão aparecendo na gestão da Petrobras, com graves suspeitas de desperdício de bilhões do dinheiro público, ou os do cartel do metrô de São Paulo seriam suficientes em um país desenvolvido para que muitos dos candidatos desses partidos, incluindo os sob suspeita de envolvimento no assunto, terem o pudor de não se candidatarem nas eleições.

É certo que em países europeus ou nos Estados Unidos existem casos graves de corrupção. A diferença fundamental, entretanto, é que nestes países a impunidade é muito menor. Quem é pego com as mãos na massa paga por isso e sai definitivamente da política. Na França, há menos de dois meses, o ex-presidente, Nicolás Sarkozy, foi detido em sua casa pela polícia e levado para a delegacia para ser interrogado por um suposto escândalo de corrupção cometido quando estava no comando de seu país, e pode acabar sendo condenado à prisão.

Na Espanha, a irmã do Rei Felipe VI está sendo processada por suposta corrupção, e a Coroa retirou todos os privilégios que a pertenciam por linhagem.

Na Itália o poderoso ex-presidente, Silvio Berlusconi, tem vários processos judiciais em andamento. Já foi condenado em um deles a fazer trabalho social. É obrigado a trabalhar durante o dia com doentes de Alzheimer e pode acabar na prisão por outros processos que sofre.

Se fala, desde sempre, que o Brasil necessita com urgência de uma grande reforma política para conseguir devolver aos cidadãos um mínimo de credibilidade política, uma classe que constitui hoje uma das instituições mais desprestigiadas do país. Tal reforma, pelo que estamos vendo, teria muito pouco efeito se acabasse nas mãos dos referidos políticos.

Tomei o gosto de sair na rua, onde vivo, perto do Rio, e perguntar às pessoas de diferentes classes sociais sobre os motivos que levam os cidadãos a votar nos candidatos dos quais é público e notório que ou são corruptos ou são acusados de ser.

As respostas mais significativas foram estas:

– A lei eleitoral atual não permite alternativas de voto. Nos dão a lista de candidatos já feita.

– Trata-se às vezes do chamado “voto útil”. É o caso do prefeito ou do governador dos quais se sabe que são corruptos mas que continuam sendo eleitos pelo “rouba mas faz”.

– Esses candidatos menos éticos são os que melhor sabem “comprar os votos” dos menos escolarizados. Por terem menos escrúpulos, são mais ativos.

Por último, um senhor, entre brincando e sério, me disse que um dos motivos pelos quais às vezes os mais suspeitos de corrupção acabam recebendo mais votos é porque se pensa que se eles roubam “vão nos deixar roubar melhor”. “Os muito éticos acabam dando medo”, chegou a me dizer.

Suas palavras me fizeram lembrar de um artigo do recém falecido romancista brasileiro, João Ubaldo Ribeiro, no qual ironizava que era difícil que no Brasil houvessem indignados contra a corrupção já que o sonho dos brasileiros era “ter um político corrupto na família”, que lhes resolvesse todos os problemas.

Para aqueles que, entretanto, puderam votar em um candidato convencidos de ser uma boa pessoa e que depois se revelou um picareta, o Brasil deveria poder ter, como já ocorre em outros lugares do mundo, um mecanismo eleitoral para tirar, por voto popular, o mandato do candidato mencionado. Se os eleitores o elegeram, eles poderiam depô-lo de seu cargo, se considerarem que se mostrou indigno do mesmo.

Interessará uma reforma deste tipo aos políticos que se protegem hoje sob a lei atual de que o cargo obtido por voto ninguém, nem o Supremo Tribunal Federal, pode tirar, nem que já esteja condenado e na cadeia, pelo fato de ter sido consagrado pelo voto?

A verdadeira reforma eleitoral para moralizar a política deveria partir de uma nova consciência dos cidadãos de que um país não poderá progredir nem ser moderno e próspero se não for capaz de se livrar desses velhos vícios da política que acabam contagiando a própria sociedade.

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