_
_
_
_
_
Coluna
Artigos de opinião escritos ao estilo de seu autor. Estes textos se devem basear em fatos verificados e devem ser respeitosos para com as pessoas, embora suas ações se possam criticar. Todos os artigos de opinião escritos por indivíduos exteriores à equipe do EL PAÍS devem apresentar, junto com o nome do autor (independentemente do seu maior ou menor reconhecimento), um rodapé indicando o seu cargo, título académico, filiação política (caso exista) e ocupação principal, ou a ocupação relacionada com o tópico em questão

Índio não quer apito, nem espelhos

Continuamos a tratar os índios com profundo desprezo – eles são a parcela mais invisível da nossa sociedade

Para Rabuzina

Relatório conjunto do World Ressources Institute e do Rights and Ressources Iniciative demonstram em números algo que já sabíamos empiricamente: os índios são os melhores protetores das reservas florestais. Segundo a pesquisa, as áreas situadas fora das terras indígenas têm uma taxa de desmatamento onze vezes superior. O Brasil conta com 13% do território destinados a comunidades nativas, sendo que, deste total, 98% estão localizados na Amazônia. Embora não haja qualquer dúvida a respeito do significado, inclusive geopolítico, desta riqueza, continuamos a tratar os índios com profundo desprezo – eles são a parcela mais invisível da nossa sociedade.

Quando aqui chegaram os primeiros colonizadores, estima-se que havia perto de quatro milhões de nativos. O encontro com os brancos revelou-se uma tragédia sem proporções – restam hoje pouco mais de 900 mil, boa parte deles vivendo em condições miseráveis em assentamentos à beira de estradas, nas periferias das cidades ou até mesmo em favelas nas grandes metrópoles. Só para se ter uma idéia da rapidez com que as populações autóctones foram dizimadas, cito o caso da Zona da Mata de Minas Gerais.

Em 1828, o francês Guido Marlière, nomeado inspetor de índios pelo imperador D. Pedro I, com o objetivo de pacificar, civilizar e aldear as “tribos ferozes” da região, passou pelo Porto dos Diamantes, antiga denominação de Cataguases, e encontrou trinta e oito “fogos” de brasileiros – simples choças ou casebres – e algumas aldeias de coroados, coropós e puris. Em 1842, quando ali aportou o major Joaquim Vieira da Silva Pinto, vindo de Lagoa Dourada com seus escravos africanos para fundar a cidade, já não há mais menção a índios – e foram decorridos apenas 14 anos!

Para além do genocídio pelo confronto direto ou pela contaminação por doenças, houve o estupro das mulheres indígenas, outra forma de matá-las – e onde estranhamente alguns vêem a raiz da chamada “democracia racial brasileira”. Uma análise de marcadores autossômicos, em pesquisa encabeçada pela Universidade de Brasília, revela que, pela linhagem masculina, a população brasileira é predominantemente européia (90%), mas quando tomada a linhagem feminina, há um equilíbrio entre a contribuição européia (21%), africana (32%) e indígena (47%). Dito em outras palavras, o brasileiro é mestiço, sim, mas com um histórico de cruzamento de homem europeu com mulher indígena e/ou africana, na maioria absoluta dos casos por meio da força.

De acordo com o censo populacional de 2010, 32% dos índios vivem em polos urbano, em condições bastante precárias. Só para se ter uma idéia, entre as 10 cidades com maior número de nativos aparecem grandes metrópoles como São Paulo, em segundo lugar, com 13 mil; Salvador, em sexto, com 7,5 mil; Rio de Janeiro, em oitavo, com 6,7 mil, e Brasília em nono, com 6,2 mil. E, das dez cidades com maior percentual indígena na população total, quatro encontram-se em Roraima, duas no Amazonas, uma no Acre, todas na região Norte, e, surpreendentemente, duas no Nordeste (ambas na Paraíba) e uma no Sudeste (em Minas Gerais).

Alguns números dos quais deveríamos nos envergonhar: o analfabetismo entre os índios é de 33% (contra 9% da média nacional), 38% das crianças não têm certidão de nascimento e 53% dos adultos não têm qualquer rendimento. E aqui um dado estarrecedor: a população indígena é predominante jovem – 36% têm entre 0 e 14 anos – e o índice de suicídio, principalmente no meio adolescente, é quatro vezes superior à da população em geral, chegando a ser, em alguns lugares, como o Mato Grosso do Sul, até 34 vezes mais alto que a média. Segundo a Unicef, responsável pelo estudo, as principais causas são a discriminação sofrida por eles e os danos psicológicos advindos da expansão desenfreada das cidades e da especulação fundiária. Ao longo da primeira década do Século XXI, 563 índios foram assassinados no Brasil. E o crescimento de atos de violência contra os povos indígenas está diretamente ligado, conforme o Conselho Indigenista Missionário, à omissão por parte do Estado no processo de demarcação das terras...

Arquivado Em

Recomendaciones EL PAÍS
Recomendaciones EL PAÍS
_
_