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Coluna
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A presidenta Dilma deveria voltar aos estádios?

Resta só uma hipótese plausível que poderia justificar que a presidenta tenha que se esconder de seu povo em atos tão significativos para a nação

Juan Arias

Alguns jornalistas estrangeiros amigos meus não entendem por que a presidenta Dilma, mesmo com as vaias recebidas em São Paulo na abertura da Copa do Mundo brasileira, não voltou aos estádios.

Em resposta aos insultos de mau gosto recebidos na abertura da Copa, Dilma afirmou, brava: "Não odeio, mas não me dobro". Houve quem tenha interpretado aquelas palavras como um desafio que levaria a presidenta, na segunda passada, a estar presente no simbólico estádio de Brasília, onde a seleção brasileira decidia sua classificação nesta Copa e no qual estavam virados os olhos e o coração da grande maioria do país e meio mundo.

Dilma não apareceu. Por medo? Impossível acreditar nisso. Talvez por conselho da FIFA? Seria imaginável que a dura ex-guerrilheira pudesse se dobrar às opiniões de uma FIFA tão desprestigiada internacionalmente.

Dado que a presidenta, considerada uma das mulheres mais poderosas do mundo, que dirige os destinos da sexta potência econômica do planeta, já demonstrou desde jovem que nunca foi o medo que guiou seus passos, pode-se imaginar que o único motivo que pôde impedi-la de dar a cara e não se dobrar frente a outras possíveis vaias teve que ser político. Culpa dos marqueteiros?

Dilma, apresentando-se desta vez no estádio Mané Garrincha, em Brasília, coração do mundo político, teria podido receber um desagravo da maioria do estádio, já que ficou amplamente documentado que o Brasil condenou a linguagem vulgar usada contra ela em São Paulo.

No pior dos casos, mesmo sem este desagravo público e mesmo se tivessem se repetido os atos de protesto conta ela, seu desafio de enfrentar seus contestadores, fossem eles de chapa branca ou vermelha, a coragem de ter se apresentado para animar a seleção, teria sido, provavelmente, mais eficaz que sua ausência.

Resta, então, só uma hipótese plausível que poderia justificar que a Presidenta de 200 milhões de brasileiros, um país que se orgulha de ser uma democracia, que tem por enquanto mais consenso popular em todas as pesquisas que seus adversários, que foi legitimamente eleita nas urnas, que não está manchada pela corrupção e que governa em plena legalidade, tenha que se esconder de seu povo em atos tão significativos para a nação.

A razão de sua ausência nos estádios ou sua permanência escondida, poderia ser porque teve que se submeter à tirania de seus assessores de imagem, preocupados de que sua presença e as possíveis contestações pudessem trazer problemas nas urnas.

Usei conscientemente a palavra tirania porque é algo com que sofrem e se ajoelham até os melhores políticos deste país, mesmo que nem sempre sejam conscientes disso.

São esses publicitários que constroem as máscaras e às vezes até as caricaturas dos candidatos às eleições. Não são esses assessores que impedem tantas vezes as pessoas de conhecer o verdadeiro coração dos aspirantes a governá-los? Disfarçam sua personalidade, apresentando-os como o que não são, deixando escondido o que têm de melhor, de genuíno, sua naturalidade, sua verdadeira personalidade.

Sem esses gurus da metamorfose dos políticos, poderíamos saber melhor como são realmente, com seus medos e suas valentias, o que pensam de verdade e não o rosário de falsas promessas e falsos sorrisos que colocam em seus lábios.

Chegam às vezes a levá-los à beira do ridículo como ocorreu com um candidato que foi conduzido a um mercado de verduras e o obrigaram a fazer a apologia de um repolho para mostrar aos eleitores agricultores que amava as hortaliças.

Alguém acredita que vamos votar por um candidato porque ele gosta ou não de uma cenoura, ou porque é obrigado a parecer terno, a segurar, sem graça, bebês em seus braços; ou quando são obrigados em suas peregrinações de campanha a entrar em bares e comer bolinhos engordurados que nunca tocariam em suas casas?

Se foram, então, seus assessores de imagem que conduziram Dilma à conclusão de que era melhor se esconder que enfrentar com coragem as vaias e demonstrar que ela é, realmente, alguém que por história e por caráter não se ajoelha nem tem medo de ninguém, acho que se equivocaram e a jogaram em uma má situação.

Eu gostaria, até por curiosidade, conhecer o efeito que faria nos eleitores, um político que se negasse a usar a máscara fabricada pelos assessores de imagem e que se apresentasse com a cara descoberta, como realmente é, para dizer o que pensa, no que acredita e no que não acredita, o que se compromete a realizar se é eleito e o que assegura que "não fará", ou porque não acredita nisso ou porque sua consciência - não os cálculos puramente políticos - impedem que faça promessas.

Melhor se camuflar para os eleitores detrás das maquiagens criadas por seus conselheiros do que se apresentar com a cara limpa e desarmados, mas com a personalidade intacta?

Na Idade Média existiam os chamados bufões da Corte, encarregados de cantar as verdades a reis e príncipes. Como eram vistos como bobos e engraçados, tinham a permissão de fazer as críticas de forma cruel porque iam revestidas de humor, algo que seus assessores não tinham permissão. Os assessores da Corte eram pagos para adular, não para contar a verdade.

Junto com os bufões da Corte, os próprios reis se disfarçavam às vezes para sair incógnitos pelas ruas e escutar os que as pessoas diziam sobre eles e que seus conselheiros não contavam.

Aqui, dias atrás, bastou que o ministro Gilberto Carvalho fosse de metrô durante uma das partidas da Copa para que escutasse o que seu partido não sabia. E criou um vespeiro político. Escutou que o descontentamento com o governo não era só da elite rica de São Paulo, mas também da famosa Classe C, do povo simples.

Que tal se hoje nossos políticos e governantes, ou os aspirantes a estes cargos, mudassem seus sábios e milionários conselheiros de imagem pelos velhos bufões das Cortes medievais?

Talvez diriam o que as pessoas pensam, desejam e esperam deles. Ou o que não querem que façam.

E, além disso, diriam com humor, sem revestir dessa seriedade que acaba levantando uma muralha entre a rua e o palácio.

A publicidade, em nossa era da comunicação global pode ser importante para vender melhor um produto mesmo sem valor, mas não para vender pessoas, cuja melhor riqueza e propaganda deveria ser a sua autenticidade.

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