“Eu quero que o Brasil perca a Copa”
A menos de um mês do Mundial, os brasileiros da cidade que vai receber sete jogos do evento não entraram no clima festivo, contrariados com os altos gastos do Governo
José Campos Lara, nascido há 55 anos no Estado de Minas Gerais e torcedor do Fluminense, aproveita um dos crônicos congestionamentos que retardam o cotidiano do Rio do Janeiro e saca do porta-luvas do seu táxi a carteirinha de médico do seu filho, nefropediatra. “Eu quero que o Brasil perca a Copa…”, exclama. “Este país não investe em hospitais nem em educação, vocês precisavam ouvir as dificuldades que o meu filho encontra para poder fazer o seu trabalho. Sinto muito, mas espero que o Brasil seja eliminado na primeira fase, os políticos precisam de um castigo.”
Há quatro anos, semanas antes da Copa do Mundo da África do Sul, as ruas do Rio já estavam enfeitadas com bandeiras e cartazes de apoio à seleção canarinha. Hoje, os sinais visuais de entusiasmo brilham por sua escassez. No mítico Maracanã, sede da final, a maior referência à Copa são alguns postes pintados de verde e amarelo. Nos bairros de Copacabana e Ipanema não se nota nada especial. Na favela do Vidigal, as crianças brincam de correr com camisas de seus ídolos e de clubes de vários países, mas não se veem cartazes de apoio à seleção. A tradição de decorar o país antes de uma Copa, que teve seu apogeu nas décadas de 1980 e 1990, parece estar murchando.
“Há quatro anos havia muito mais clima”, conta a este jornal Pedro Trengrouse, assessor da ONU e professor da Fundação Getúlio Vargas. “O Governo não se preocupou com a inclusão do povo na Copa. Primeiro, vendeu como sendo obras do Mundial infraestruturas de transporte que não têm nada que ver com a Copa, gerando muitas expectativas... Em segundo lugar, os brasileiros sofrem uma relativa privação: pouquíssimos têm ingressos para as partidas, eles não participam da festa… O Governo prometeu demais e entregou de menos. A consequência é um clima de desânimo, de frustração.”
Uma pesquisa da Unicarioca publicada na semana passada revelou que só 55% da população do Rio torcerá pela seleção brasileira durante a Copa: 23% não gostam de futebol, e outros 22% não querem que o Brasil ganhe. Em fevereiro, a revista Veja publicou uma pesquisa feita com 4.350 brasileiros, segundo a qual só 11% consideram que a Copa deixará uma imagem positiva do país.
O consumo tampouco parece ter decolado. Os comerciantes cariocas repetem que o movimento é menor do que há quatro anos, mesmo que desta vez a Copa seja disputada em casa. “O carioca está desmotivado devido às denúncias de gastos excessivos com a Copa”, diz Fabricio, dono de uma loja de decoração e presentes no coração de Copacabana. “As greves dos transportes e as manifestações não estão ajudando”, explica por sua vez Antenor Barros Leal, presidente da Associação Comercial do Rio do Janeiro, que, embora se diga “claramente otimista com a Copa”, manifesta sua preocupação com os “altos preços do Rio e de São Paulo, que não são atrativos”. “Eu espero que o consumo cresça nos próximos 15 dias”, acrescentou.
Só parece haver uma empresa que não tem nada do que se queixar, a editora Panini, cujo álbum oficial da Copa vende feito pão quente. “É um campeonato histórico, disputado em casa”, diz Fernando, de 32 anos, enquanto compra figurinhas numa banca de Copacabana. O jornaleiro, depois, conta que as crianças arrancam os pacotinhos das suas mãos. “Elas estão alheias ao mal-estar.”
A agência de qualificação de riscos Moody’s advertiu há alguns meses que a Copa terá um impacto “pouco duradouro” sobre a economia do Brasil. Segundo a consultoria inglesa Capital Economics, o impacto do aumento de consumo só representará entre 0,1% e 0,2% do PIB nacional. Esses dados contrastam com um estudo publicado pela Fundação Getúlio Vargas e a consultoria Ernst & Young em 2010 – quando o Brasil exalava otimismo e euforia –, segundo o qual o “impacto econômico potencial” do campeonato chegaria a 143 bilhões de reais e resultaria na geração de 3,6 milhões de empregos diretos e indiretos.
Edson Paulo Domingues, professor de economia da Universidade Federal de Minas Gerais, afirma que o número total de empregos gerados pelo torneio é de 300.000, o que significa apenas 10% das cifras citadas pelo Governo. “As estimativas dos relatórios de consultorias encomendados pelo Governo utilizam uma metodologia menos sofisticada e, além disso, costumam estar inflados”, observa Domingues. “Todos os países anunciam impactos muito maiores do que os observados.”
Os hotéis de Rio e de São Paulo já reduziram seus preços entre 20% e 30% no último mês, à medida que se manifesta a diferença entre as expectativas oficiais de visitantes (600.000) e a demanda real (afetada, no caso do Rio, pela bolha inflacionária). Segundo dados do Fórum de Operadores Hoteleiros do Brasil, ainda estão vagos um terço dos quartos disponíveis durante o mês de duração da Copa. Com um pouco de paciência, é possível regatear preços nos balcões de vários hotéis centrais.
O Brasil é um país gigantesco, e em algumas cidades (como Salvador) o entusiasmo é mais perceptível do que nas metrópoles do Rio e São Paulo. Em regiões menos desenvolvidas que receberão jogos (como Natal, Manaus e Cuiabá), “a infraestrutura era muito pior, e a Copa deixará um legado mais relevante”, assegura Domingues. Poderá o mal-estar se transformar em alegria quando a bola rolar? O presidente da Autoridade Pública Olímpica, general Fernando do Azevedo, acha que sim: “Antes de a Olimpíada de Londres começar, também havia um ambiente negativo… Nós somos o país do futebol. Assim que a bola rolar, só pensaremos em ganhar e torcer pela seleção”.
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