12 fotosAssim é a vida em uma aldeia ameaçada pelo Boko HaramAs ruas da pequena localidade nigeriana de Diffa, distante só cinco quilômetros da fronteira atacada pela seita islamistaJosé NaranjoNíger - 06 fev. 2016 - 11:43BRTWhatsappFacebookTwitterLinkedinLink de cópiaCom 50.000 habitantes, Diffa (no sudeste do Níger) é a típica cidade do Sahel com ruas de areia e clima hostil. Sua proximidade com o norte da Nigéria, controlado pelo Boko Haram (a fronteira está a apenas cinco quilômetros) fez dela alvo de ataques e de atentados suicidas. Embora a maioria de seus habitantes tenha fugido em fevereiro após a primeira grande ofensiva da seita radical, que deixou dezenas de mortos e feridos, sua população triplicou no último ano por causa dos deslocados provenientes das zonas que fazem fronteira com a Nigéria. Há bairros em que três quartos dos habitantes são recém-chegados e onde os moradores cederam terrenos para permitir a instalação dos deslocados. Cerca de 100.000 pessoas se instalaram nos arredores da cidade.SYLVAIN CHERKAOUI / COSMOSSexta-feira ao meio-dia na grande mesquita de Diffa. Centenas de pessoas vindas de toda a cidade comparecem para a oração semanal. Em cada canto do recinto há um punhado de policiais. Na entrada principal, um agente com cara de poucos amigos aponta seu fuzil para qualquer um que se aproxima e, à distância, o obriga a levantar as roupas para verificar se traz explosivos ou armas escondidas. A circulação de motocicletas está totalmente proibida e a partir das 19h também os carros não podem andar. Às nove horas, toque de recolher, todo mundo para casa. Todas as noites, invariavelmente, se ouvem tiros. Às vezes são tiros para o alto, às vezes não. “Não sabemos quem é quem, há infiltrados e cúmplices em todos os lugares”, diz Hassan Ardo, secretário-geral do governador de Diffa.SYLVAIN CHERKAOUI / COSMOSNa sala de feridos por traumatismo do hospital regional de Diffa não cabe mais nenhum paciente. No dia 8 de dezembro, Madou Adji (à esquerda), um camponês de 36 anos, estava na estação de ônibus de Diffa, prestes a tomar um transporte para sua aldeia. Um soldado, supostamente bêbado, atirou em seu pé ao confundi-lo com um membro do Boko Haram. Atrás, Kala Malam, camponês de 18 anos, passou a noite inteira ferido e escondido em uma casa em sua aldeia em Bosso na noite em que foi atacado por radicais. Morreram 22 pessoas. Ele pode contar. “De um ano para cá, atendemos mais de 650 feridos, principalmente vítimas de queimaduras provocadas por explosões, armas brancas e balas”, diz Hamadou Asoumana, chefe de cirurgia. A população civil, como quase sempre acontece, está no meio do conflito.SYLVAIN CHERKAOUI / COSMOSUma mulher da aldeia de Argou Goumseri reposiciona os tecidos e plásticos do miserável abrigo em que vive. No início de janeiro, uma dezena de milicianos do Boko Haram entrou na aldeia, situada a apenas um quilômetro da fronteira, e saquearam tudo o que estava ao seu alcance: motocicletas, alimentos, roupas e os magros excedentes da colheita. No dia seguinte, todos os 4.000 habitantes fugiram e se instalaram cerca de quatro quilômetros mais ao norte, junto da estrada asfaltada Nacional 1, onde de vez em quando passa uma patrulha do Exército e eles são mais visíveis para a ajuda internacional. O principal problema é o frio durante a noite, as crianças estão quase todas doentes porque a maioria não tem cobertores suficientes para se cobrir pelo fato de terem fugido com a roupa do corpo, pela falta de comida e de acesso à água, que dividem com habitantes deslocados de outras aldeias.SYLVAIN CHERKAOUI / COSMOS“Meu marido está velho para trabalhar e agora vivo da ajuda de parentes, também deslocados como eu”. Aissa Alhadji Ram ronda os sessenta anos e produz pequenos suportes feitos com folhas de palmeira, que tenta vender no mercado. No início de janeiro ela fugiu de Goumseri Argou e se instalou com todos os vizinhos junto da estrada Nacional 1. “Precisamos de comida”, diz. A maioria de seus dez filhos são camponeses, mas tiveram que abandonar suas terras, nas quais cultivavam principalmente arroz e pimentões. Agora vão a campos próximos onde trabalham como diaristas cultivando cebola e alho. Se tiverem sorte e encontrarem trabalho, podem ganhar um euro e meio numa manhã de trabalho.SYLVAIN CHERKAOUI / COSMOSAlguns pastores conduzem uma manada de bois até Diffa, muito perto de um dos braços do rio Komadougou Yobe. A única fronteira natural entre o nordeste da Nigéria controlado pelo Boko Haram e região de Diffa, no Níger, é este rio sazonal que surge depois da estação chuvosa e deságua no Lago Chade. No entanto, depois das chuvas de verão ele seca progressivamente, permitindo atravessar a fronteira em qualquer ponto sem nenhum problema a partir dos meses de janeiro e fevereiro. A diminuição do nível das águas do rio favoreceu a intensificação dos ataques da seita radical no Níger nas últimas semanas.SYLVAIN CHERKAOUI / COSMOSAgarrado a suas muletas de madeira, Alhadji Sumaila, camponês nigeriano de 38 anos, casado e pai de cinco filhos, caminha entre os abrigos de Assaga, ao lado da Nacional 1, a poucos quilômetros da cidade de Diffa. Oito meses atrás, o exército do Níger entrou em sua aldeia e matou um membro do Boko Haram. Poucos dias depois, a seita radical atacou Assaga em retaliação pelo que consideraram uma delação. “Era sábado, em pleno mês do ramadã, entraram em casa por casa e levaram todos nós para a mesquita. Deixaram que as mulheres e os velhos saíssem e começaram a atirar”, lembra Sumaila. “Todos nós corremos até onde pudemos, fui atingido na perna e caí no chão”. De madrugada, o exército do Níger começou a avançar na direção de Assaga e os membros do Boko Haram fugiram. Morreram 12 jovens no ataque e nove ficaram feridos, entre eles Alhadji, que passou quatro meses no hospital.SYLVAIN CHERKAOUI / COSMOSQuando Balas Fatah vivia em Assaga, no lado nigeriano da fronteira, era açougueiro. Agora que se deslocou ao Níger com sua família por causa da violência do Boko Haram, continua exercendo a mesma profissão. “Mas aqui a carne é mais cara, não há gado praticamente, e tenho de vendê-la pelo dobro do preço. E quase ninguém tem dinheiro para comprar”, explica. Ao longo dos meses, os refugiados e deslocados que chegaram sem nada vão se instalando e se nota a diferença entre os recém-chegados e os veteranos. Nos assentamentos estão surgindo pequenas lojas, mesas de açougueiro como a de Fatah, bancas de venda de tabaco e especiarias, postos de conserto de telefones celulares ou de sapatos. Além disso, abrigos improvisados estão se transformando gradualmente em casas de barro primeiro e até de tijolo e cimento depois. “Estamos assistindo ao nascimento da nova Diffa”, afirma Benoit Moreno, porta-voz do ACNUR no Níger.SYLVAIN CHERKAOUI / COSMOSA cerca de 35 quilómetros de Diffa, nas imediações de Ngaroua, aparece finalmente uma base militar em torno da qual se instalaram dezenas de milhares de deslocados que procuram alguma segurança. E é precisamente aqui onde estão surgindo as primeiras plantações de pimentões com as quais os refugiados tentam reconstruir suas vidas à imagem e semelhança do que faziam em suas cidades natais. O pimentão é uma das principais fontes de renda às margens do rio Komadougou Yobe, e de fato se considera que, no lado nigeriano, foi uma das fontes de renda da seita islâmica radical. No entanto, o abandono da maior parte das terras de cultivo reduziu a produção, tanto desse produto como do peixe que se capturava no lago. De acordo com o secretário-geral do governador de Diffa, Hassan Ardo, as perdas na economia local foram de cerca de 8 milhões de dólares (aproximadamente 31 milhões de reais) apenas em 2015, uma quantidade enorme para o país mais pobre do mundo.SYLVAIN CHERKAOUI / COSMOSDuas crianças descansam sentadas sobre dois tambores de água ao lado do asfalto da estrada Nacional 1, perto de Ngaroua. Uma das principais atividades cotidianas dos deslocados de Diffa que se instalaram nesse lugar é transportar água. Às vezes, eles têm que andar cinco quilômetros para chegar ao poço mais próximo, outras vezes contam com a solidariedade dos refugiados mais próximos. A maioria está fora da escola há meses, o UNICEF iniciou a construção de uma centena de escolas provisórias para resolver o problema. Os centros de saúde das aldeias da região estão saturados pelo fluxo de recém-chegados. ONGs como a seção espanhola de Médicos sem Fronteiras tentam reforçar a assistência sanitária. A desnutrição infantil aguda subiu para 17% na região, superando o nível de alerta. “Todos os indicadores estão piorando”, diz Lucas Honauer, diretor da Ação Contra a Fome no Níger.SYLVAIN CHERKAOUI / COSMOSAlhadji Boucar Modou Gambo, camponês de 40 anos, levava uma vida plácida em Malam Fatori (Nigéria), entregue a suas lavouras de pimentões e arroz e ao pequeno comércio. No entanto, há um ano e meio o Boko Haram atacou sua aldeia e Alhadji fugiu com suas duas esposas para o Níger. “Construí uma pequena cabana de madeira em Bosso, não era ruim, havia pesca no lago e você podia cultivar, mas os insurgentes também atacaram ali meses depois”, diz ele. Então, voltou a fugir, dessa vez com a segunda esposa, Boku Shetima, grávida. Ambos chegaram a Baroua e se instalaram na terra de um tio, mas o Boko Haram parecia estar no encalço deles e no início de novembro também atacou essa aldeia. Há apenas três meses, já com a pequena Yakoura Yandé nos braços, Alhadji e sua esposa chegaram a N’guanguam, onde convivem com 10.000 deslocados e de onde só esperam não ter de voltar a sair correndo.SYLVAIN CHERKAOUI / COSMOSAri Koutalé chegou há três meses a N’guanguam como deslocado e em apenas 40 dias fez uma pequena horta, onde já nascem timidamente as primeiras cebolas e batatas. “A terra é boa, o problema é a água, eu não posso usá-la para cultivar porque estamos racionando-a para beber. Do contrário, faria uma horta maior”, afirma. Koutalé vem de Baroua, uma aldeia no Níger localizada a cerca de cinco quilômetros do Lago Chade. Em outubro, sofreram três ataques consecutivos do Boko Haram. “Mataram, roubaram, queimaram. Toda a aldeia decidiu fugir, éramos umas 10.000 pessoas”, diz Boulame El Hadji Manga, chefe da aldeia. Eles se beneficiaram da distribuição de milho, açúcar e outros alimentos, bem como da construção de latrinas por parte da ONG Médicos sem Fronteiras e outras organizações. As pessoas de Baroua desejam voltar para o Lago porque “aqui é mais difícil cultivar e lá também temos a pesca quando estiverem reunidas as condições de segurança”. No momento, a pesca está proibida.SYLVAIN CHERKAOUI / COSMOS