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O carnaval da crítica política vai dos blocos às escolas de samba

Escola Águia de Ouro, de São Paulo, vence na avenida em São Paulo com enredo “O poder do saber”. Parte do Brasil que foi aos sambódromos e tomou as ruas satiriza o presidente Jair Bolsonaro

Humorista Marcelo Adnet.
Humorista Marcelo Adnet.Ricardo Moraes (Reuters)
Beatriz Jucá

Imagine o atual contexto político brasileiro contado por fantasias irreverentes, cartazes debochados e uma interpretação no mínimo caricata de protagonistas da cena pública do país. No Carnaval do Brasil, é como se o noticiário inteiro desfilasse pelas ruas. De norte a sul, os blocos estão cheios de domésticas indo para a Disney ―uma alusão às declarações do ministro Paulo Guedes― e de ‘senadores’ Cid Gomes dirigindo uma retroescavadeira enquanto ameaçam entrar num quartel com policiais amotinados. As alfinetadas políticas dos tradicionais blocos carnavalescos também gritam dos sambódromos, lá em cima de pomposos carros alegóricos.

Foi justamente com um tema caro ao Brasil de hoje que a paulistana Águia de Ouro venceu o carnaval paulistano. “O poder do saber”, que em 26 blocos tratou do papel do conhecimento para a sociedade. Num dos carros, uma frase do educador hostilizado por toda a banda bolsonarista: Paulo Freire, patrono da educação brasileira. “Não se pode falar de educação sem amor”. A vitória é um contraponto ao papel que a educação vem tendo no Governo do presidente Jair Bolsonaro, que também foi alvo de uma das escolas.

No Rio, o grande destaque da última segunda-feira foi o humorista Marcelo Adnet fantasiado de presidente Jair Bolsonaro no desfile da escola de samba São Clemente, no Rio de Janeiro.

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Adnet fazia arminha com a mão e as famosas “flexões de braço” atribuídas a Bolsonaro enquanto desfilava em uma alegoria intitulada Malandro Oficial. Ao seu redor, muitos cartazes com frases como “acabou a mamata”, “tá ok” ou “foi o Leonardo di Caprio”, esta última uma referência à acusação de envolvimento do ator hollywoodiano com os incêndios na Amazônia. Sobrava ironia em todo o enredo chamado O Conto do Vigário para falar da desinformação que tem imergido na guerra de narrativa do Brasil polarizado, como por exemplo o terraplanismo e o movimento antivacina. “Brasil compartilhou, viralizou, nem viu. E o país inteiro assim sambou, caiu nas fake news”, dizia o samba composto também por Adnet.

Enquanto a performance do humorista virava um dos assuntos mais comentados do Twitter na manhã desta segunda-feira, o próprio presidente Jair Bolsonaro resolveu usar a rede social para fazer seu próprio contraponto às críticas carnavalescas. Compartilhou um post de uma página de procedência duvidosa chamada Pau de Arara Opressor, agradecendo os supostos aplausos de foliões num desfile de bonecos gigantes dele e de seus ministros em Pernambuco. A internet não o perdoou. Começaram a viralizar vídeos dos bonecos sendo vaiados e xingados em Olinda.

Poucos dias antes da treta carnavalesca que tomou o Twitter, a cantora Elza Soares interrompeu xingamentos ao presidente durante um show no carnaval pernambucano e pediu aos foliões para subir o nível das críticas ao Governo. “Não adianta mandar o cara tomar aqui, tomar ali gente. O negócio é ir para a rua. É bobagem, a gente não tem que mandar nada, tem que ir para a rua, é na rua que a gente faz a reviravolta, nas ruas”, defendeu.

E foi justo esse tom mais elevado que a Mangueira levou para a Marquês de Sapucaí neste Carnaval, com um Jesus que causou alvoroço nas redes sociais, entre elogios pela analogia com o sofrimento das minorias e críticas sobre ofensas religiosas. A escola de samba ressignificou a vida de Jesus Cristo. Levou para a avenida ‘jesuses’ do morro, negros, pobres, indígenas, mulheres, gays. Um Jesus crucificado e morto por policiais.

Desfile da Mangueira no Carnaval do Rio.
Desfile da Mangueira no Carnaval do Rio.RICARDO MORAES (Reuters)

Em São Paulo também não faltou crítica política nos desfiles. A Mancha Verde levou figurantes fantasiadas de empregadas domésticas ao sambódromo, com a carteira de trabalho na mão. Também apresentou a ala “Meninos vestem azul e meninas vestem rosa”, uma referência à frase polêmica da ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves. Já a escola Tom Maior levou uma alegoria gigante da vereadora Marielle Franco, assassinada a tiros em 2018.


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