_
_
_
_
_
Coluna
Artigos de opinião escritos ao estilo de seu autor. Estes textos se devem basear em fatos verificados e devem ser respeitosos para com as pessoas, embora suas ações se possam criticar. Todos os artigos de opinião escritos por indivíduos exteriores à equipe do EL PAÍS devem apresentar, junto com o nome do autor (independentemente do seu maior ou menor reconhecimento), um rodapé indicando o seu cargo, título académico, filiação política (caso exista) e ocupação principal, ou a ocupação relacionada com o tópico em questão

Quando o nazismo deixa de meter medo e vira ‘camp’

Fantasiamos com Auschwitz porque já não é mais um lugar, e sim a ideia contemporânea de inferno na cultura ocidental

Cast member Al Pacino poses at a premiere for the television series "Hunters" in Los Angeles, California, U.S., February 19, 2020. REUTERS/Mario Anzuoni
Cast member Al Pacino poses at a premiere for the television series "Hunters" in Los Angeles, California, U.S., February 19, 2020. REUTERS/Mario AnzuoniMARIO ANZUONI (Reuters)
Sergio del Molino
Mais informações
Cacharros de cocina de víctimas de los nazis conservados en Auschwitz.
Livros saídos do horror de Auschwitz
La bandera con la cruz gamada hindú ondea en el gran encuentro de peregrinaje (<em>kumbh mela</em>) Simhasth en la ciudad de Ujjain, en Madhya Pradesh (India). En el hinduísmo, la esvástica representa la idea de dios, Brahman. Si gira a la derecha (en sentido dextrógiro, como la nazi), simboliza la evolución del universo encarnada por el dios creador Brahmá. En cambio, en el sentido contrario a las agujas del reloj, representa la involución del universo, obra del dios destructor Shivá. Los círculos corresponden a los cuatro puntos cardinales, símbolo de estabildad. |
Por que teremos que nos acostumar a ver suásticas na próxima Olimpíada
Llegada de judíos húngaros al campo de concentración de Auschwitz-Birkenau, en Polonia, en junio de 1944, durante la Segunda Guerra Mundial.
Como a gestão empresarial dos nazistas modelou o capitalismo alemão

Abusamos do nazismo e da invocação dos espectros de Auschwitz, tanto no debate público como nas ficções. Mike Godwin patenteou a lei retórica (e irônica, embora muitos levem ao pé da letra) que leva seu nome, segundo a qual quanto mais se prolonga uma discussão política, mais provável é que alguém mencione a palavra nazista. Na ficção, como em Hunters, nova série da Amazon Prime Vídeo com Al Pacino, esta banalização se expressa mediante o camp, ou seja, como uma caricatura gritalhona e inofensiva.

Os protestos contínuos do Memorial de Auschwitz, que condena todas as ficções que não se atêm à verdade histórica (e a instituição tem bastante trabalho com Hunters no momento), se somam à zombaria de quem considera, como Godwin, que chamar adversários ideológicos de nazistas é um excesso retórico que inviabiliza qualquer argumento. E eles têm razão.

O nazismo e Auschwitz estão banalizados, mas não por falta de consciência, nem por causa dos preocupantíssimos surtos antissemitas, nem dos negacionistas que ciscam na extrema direita, e sim justamente pelo contrário: apelamos ao nazismo porque é nosso horizonte moral e o espaço ideológico do qual queremos fugir a todo custo, e fantasiamos com Auschwitz porque já não é mais um lugar, e sim a ideia contemporânea de inferno na cultura ocidental.

Quando hoje imaginamos o Hades, não nos ocorre nada mais terrível que um campo de extermínio. Dizem no Memorial de Auschwitz que não cabe fabular, porque a verdade histórica é mais terrível e inverossímil que qualquer fantasia, e assim é: ainda não fomos capazes de honrar com a ficção o que os fatos documentados revelam. Por isso continuaremos usando a palavra nazista como insulto (porque não há outro pior), e por isso continuaremos caricaturando e revirando o mito de Auschwitz de ponta-cabeça: porque nos importam muito.

Registre-se grátis para continuar lendo

Obrigado por ler o EL PAÍS
Ou assine para ler de forma ilimitada

_

Mais informações

Arquivado Em

Recomendaciones EL PAÍS
Recomendaciones EL PAÍS
_
_